sábado, 9 de janeiro de 2010

Pedrinho

No interior da Paraíba, há uma cidade que anos atrás era conhecida pelo grande números de cobras cascavel que viviam ao seu redor. Havia muito mato entre as casas e os moradores estavam sempre atentos a qualquer sinal dos perigosos bichos.
Pedrinho morava em uma dessas casas, tinha 11 anos e um de seus passatempos preferidos era caçar pacas. Mas, naquela manhã, sua mãe não deixou que ele saísse para o mato.
Curioso o "instinto materno"...
Ele, no entanto, resolveu caçar assim mesmo, deu uma desculpa à mãe, pegou sua espingarda de chumbo, seu cachorro e para lá se dirigiu.
Se embrenhou mato adentro, chegou em meio às árvores e logo viu sua presa: uma pequenina paca. Se aproximou vagarosamente, mas seu cachorro não teve a mesma paciência, saiu correndo e latindo em direção ao animal, que fugiu em disparada.
"Pega ela!", gritava o garoto contente para o seu cão. Por mais que corresse - e Pedro corre muito! - não era fácil alcançar os dois animais, logo, os perdeu de vista. Seguiu na direção e passou a ouvir o rosnado de seu amigo. "Agora ele já deve ter pego a bicha!", pensou satisfeito.
Acelerando o passo viu seu cachorro rosnando, pêlos eriçados, olhando fixo para o buraco no tronco de uma árvore, junto ao chão.
"A safada se escondeu ali dentro, é mais fácil ainda", pensou se encaminhando tranquilamente para a velha árvore.
- Se fosse meu pai, que conhecia cada reação do cachorro, ele saberia que não era a paca que estava ali. Fosse ela, ele estaria latindo e apontando. Aquele rosnado, os pêlos arrepiados, tudo mostrava que ele estava de guarda, mas com medo... - relembra Pedro.
Com a certeza de que havia vencido a "luta" contra o animalzinho, se ajoelhou e enfiou a mão direita dentro da cavidade no tronco.
"Vapt!", sentiu uma enorme pontada, muito dolorida, e num reflexo tirou a mão dali de dentro. Se espantou ao ver o tamanho da cascavel que saiu, dependurada nela! Gritou mais de susto ao ver o bicho do que de dor e, ao chacoalhar a mão, a cobra o soltou, se arrastando no chão. Para onde, Pedrinho nem viu, pois saiu correndo em disparada.
Chorava, não - ainda - de medo do que poderia acontecer, ou de dor, mas em pensar como explicaria para a mãe que levou uma picada de uma cobra venenosa por desobedecê-la.
"Não posso contar", pensou. Parou antes de chegar em casa, chupou várias vezes a região da ferida e cuspiu, tentando remover o veneno. Escondendo a mão entrou em casa e enrolou um pano em volta, dizendo que havia machucado na lida com a roça.
- Rapaz, minha mão ficou enorme, escura, fiquei morrendo de medo, mas não contei nada. Jurei pra Deus, que se eu sobrevivesse, só contaria quando eu fizesse 18 anos. - lembra.
Pedro fez 18 anos e, no dia do seu aniversário, contou à mãe. Ela caiu em prantos. Chorava, pois lembrava da mão inchada do filho e sentimentos contraditórios a envolviam, como um medo pelo que poderia ter acontecido, um medo póstumo e alívio ao mesmo tempo.
Pedrinho sobreviveu, fez 18, virou motorista, hoje passou os 50 anos e guia o caminhão ou o carro do Instituto pelo sertão afora. A mão direita, que segura o volante, exibe ainda hoje a cicatriz da picada da cascavel. Lembrança de suas aventuras de criança.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Depois da tragédia...

Já estive em Ilha Grande, em Angra dos Reis, onde ocorreram os desastres na virada deste ano. É difícil acreditar que tudo aquilo tenha ocorrido em um lugar tão bonito. Normalmente colocamos em nossas cabeças que lugares lindos assim são paraísos e esse "status" já o coloca próximo a Deus, bem protegido.
Mas, infelizmente, ocorreu essa enorme tragédia, acabando com casas, paisagens, com vidas. E como sempre se segue após esses lamentáveis acontecimentos, começam na mídia a exposição de imagens e notícias, depoimentos, tristezas.
Não recrimino que transmitam operações de resgate, histórias de salvamentos e consequências. Mesmo os fatos tristes, números, são importantes para informar a população. Todos queremos saber e torcer para algum desfecho feliz, por menor que seja.
O que não suporto mais, é a atitude vil de alguns repórteres, que não medem esforços para conseguir sua matéria. Se estão sob ordens ou não, não interessa.
Dias depois do acidente, acompanhei uma reportagem sobre o assunto na TV e vi uma senhora, velhinha, chorando, cabeça baixa, mão direita na testa e um microfone abaixo dos seus olhos.
- Quem a senhora perdeu? - perguntou o repórter, com uma voz forçando um tom triste.
Tudo, para a triste senhora dizer, soluçando, alguns entes queridos que haviam morrido no desabamento.
Meu Deus! Quem precisa saber disso? Como estaremos ajudando aquela mãe com perguntas, ou transportando para o Brasil inteiro sua dor?
Vendo isso, me dei conta, que em minha vida inteira observei esse fato: depois das tragédias vem alguns - eu disse alguns, não generalizo! - repórteres, como urubus, procurando tirar seu sustento da morte e sofrimento alheio.
Prefiro acreditar que essas entrevistas forçadas - e dolorosas - não vendem jornais ou aumentem a audiência. Que essa morbidez um dia acabará, porque, simplesmente, as pessoas bradarão contra isso. Gostaria muito de acreditar.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A natureza (contos de Zazu)

Um dia Zazu conheceu um rapaz da cidade grande - mais um dos muitos outros que já havia conhecido, já que sua bela cidade é um ponto turístico. Como um bom pensador, não perde oportunidade de conversar com pessoas de fora, adora saber sobre outras culturas e, também, transmitir o que já aprendeu.
Como o novo amigo disse que ama a natureza mas, infelizmente, não tem oportunidade de ter contato com ela, o levou a um lugar bonito, leito de um rio, próximo a uma cachoeira. Ali, em meio à floresta fechada, o barulho da queda d´água era constante e sereno e a paz fazia pensar como devia ser a vida dos primeiros brasileiros antes dos portugueses chegarem.
Zazu, mostrando toda aquela beleza à sua volta e comentando como devia ser boa a vida dos índios, antigamente, disse:
- Meu amigo, o homem é um bicho estranho. Você sabe que o homem é um bicho, não é? Um como qualquer outro, é que a gente se esquece disso, parece que somos mais importantes, mas, no final das contas, somos um bicho como qualquer outro dessa floresta. Só que, se você pensar, somos o único que perdeu o contato com a natureza, que é a nossa casa de verdade. Criamos cidades, cobrimos a terra com asfalto, levantamos muros de concreto, e cada vez mais criamos barreiras entre a natureza e nós.
"Por isso, quando tiver possibilidade, nunca perca a chance de retomar o contato com ela, é o que nos renova e faz a vida ter sentido de novo."
Disse e pediu para que o rapaz repetisse seu gesto, colocando os pulsos na água gelada da cachoeira e jogando em seu rosto.
- Sinta o ligeiro choque da água no pulso e a refrescância dela em seu rosto. - completou.
Para um jovem da cidade grande ainda era difícil de compreender, parecia mais uma "viagem", mas, bem no fundo, ele sabia que Zazu tinha razão.
Voltou para sua cidade imersa em concreto e buzinas com a certeza de que nunca mais desperdiçaria a chance de aproveitar um contato maior com a natureza.