sábado, 21 de novembro de 2020

Raiva

Imagine a seguinte cena: você visita uma fazenda e num certo momento chega ao chiqueiro, onde vivem tristemente porcos enormes e maltratados, deitados sobre uma lama suja e fétida. Enquanto se compadece com a triste situação daqueles animais uma pessoa chega ao seu lado, lhe cumprimenta friamente, pula a cerca daquele local imundo, anda entre os porcos e se senta ali no meio, enquanto suas mãos enxarcadas de sujeira passam pelo seu rosto e corpo, como se estivesse em meio a um banho acolhedor.
"Não é possível! Ele deve ter algum problema!", você pensa ante aquela visão surreal. Em seguida pula a cerca com a mesma facilidade, senta-se ao seu lado e se chafurda, imitando os mesmos gestos que o vê realizando.
Seria algo extremamente insano, não?
Quando alguém está com raiva, está num dos estados mais indesejados do ser humano. Você não consegue pensar com clareza, raramente suas atitudes serão coerentes com seus valores e dependendo do tempo que convive com este sentimento causa danos reais ao seu organismo.
Digno de pena alguém que se deixe envolver em tal situação, por problemas fora de seu controle, e num sofrimento interno, como um vulcão em erupção, solte suas labaredas a sua volta.
De repente é você quem está no caminho. Por um acaso do destino - até mesmo como uma lição a ser aprendida pela vida - teve que lidar com aquela pessoa, naquele instante e recebeu sua descarga negativa.
Devemos entender que quando um indivíduo despeja sobre nós suas angústias, desesperos e sofrimentos internos, isso é um problema dele. Nossa resposta sim, passará a ser nosso problema.
Desse modo podemos claramente decidir ter compaixão por quem aceita a insanidade de mergulhar na lama indesejável - quem sabe até mesmo dizer uma palavra que a ajude a sair de lá - ou escolhermos mergulhar ao seu lado.
O importante, independente de nossa escolha, é que a façamos de forma consciente.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A volta

E de repente, lá em cima passou voando um casal de araras. Uma sensação que poucas vezes havia sentido em sua vida extravasou em seu corpo como uma inundação, que nem tentou conter. Em meio à emoção ainda tentou relembrar quais outras vezes teria sentido aquilo. Seria quando criança, onde visitou aquele parquinho cheio de brinquedos? Seria quando beijou a pessoa amada? Ou ainda quando foi promovido para a área do trabalho que tanto desejava?
Voltou para o momento presente, como que puxado, pelo som da cachoeira que jorrava à sua frente.
"Que lugar mágico é este!", pensou.
Não era um lugar mágico em especial. Tampouco era diferente de tantos outros locais onde executivos como ele tinham um contato total e direto com a natureza. 
Lembrou de um amigo que visitou a Chapada Diamantina e lhe disse: "É o mais perto que você pode chegar de Deus!".
Na época achou um exagero. "Papo de bicho grilo". Mas naquele momento entendeu perfeitamente. Tudo fazia sentido. Ali ele sentia Deus. 
Lembrou, quando criança,  mecanicamente balbuciando palavras nas rezas aprendidas com sua avó - que fazia mais por medo de estar desprotegido do que por um entendimento de estar ligado ao universo. Só ali conseguiu realizar.
- Estar aqui é a melhor oração que já fiz em minha vida!
Se sentiu parte do mundo. Entendeu a importância de se cuidar do meio ambiente. Que era um animal deste planeta assim como aqueles que estavam dividindo o Jalapão com ele. "Aqui sou um mero visitante", pensou. E pediu em pensamento permissão por estar ali.
Automaticamente pensou na pegada do ser humano no planeta. Nos afastamos da natureza. Criamos cimento sobre a terra, prédios no lugares de árvores e quase cobrimos o céu! Talvez por isso quando voltamos a um contato intenso com a natureza somos chamados a relembrar de onde viemos e nos sentimos muito, mas muito bem.
Enquanto voltava para casa, para seu apartamento, um caixote em cima de vários outros que subia 12 andares em uma cidade de pedra, sabia que estava diferente do que quando foi. Estava mais próximo do que sempre deveria ter sido.