quinta-feira, 15 de julho de 2010

Boa noite

Me deito mais cedo, seria bom ter uma noite mais longa. Há alguns anos atrás, lembro que saía com João Batista, amigo de infância, de segunda à segunda. Nada de baladas nervosas ou bagunça. Geralmente íamos ao Select, loja de conveniência do posto Shell, onde juntávamos nossas poucas moedas para inteirar a quantia suficiente para dois "dogs" e uma coca. Conversávamos até umas duas da manhã.
Enquanto me deito, penso "Não sei como a gente conseguia isso", pois já éramos formados e trabalhávamos tanto quanto hoje. "É a idade, meu amigo...", digo a mim mesmo.
Enquanto o sono não vem, abraço minha esposa que já dorme. Que inveja. Só não é maior do que aos sábados de manhã, quando levanto às 6 da matina para trabalhar e a observo dormindo, quentinha sob as cobertas.
Dou um beijo, viro para o lado e espero o sono chegar. Penso em utilizar técnicas milenares, para acelerar a chegada do sono. A primeira que me vem, é uma que remete aos tempos em que Davi - ele mesmo, o que matou Golias - ainda era um simples pastor. Antes de escrever seus salmos, ele ensinava aos insones da antiguidade: "Contai carneiros!".
Começo: um, dois, três, ..., no vinte paro e penso "que coisa de jerico". Pensei jerico e não Jericó. Chego à conclusão que contar carneiros mais estressa do que dá sono. Isso poderia ser algo positivo na antiguidade, estressar para cansar e fazer dormir. Para um morador de São Paulo, stress é dado na mamadeira e tempera nossos pratos, do café da manhã ao jantar.
Me lembro de outra técnica infalível: as músicas de ninar. É isso! Agora é fácil.

"Dorme nenê, que a Cuca vem pegar
Papai foi pra roça, mamãe volta já"

Paro e sento na cama. O quê? Meu Deus, nunca tinha pensado na letra dessa música assustadora! Como as pessoas querem que uma criança durma dizendo: "olha bebê, dorme tranquilo, viu? Que a Cuca vem te pegar. E fique "sossegadinho", porque você está sozinho, sacou? So-zi-nho. O papai... Xiii, tá lá na roça. E a mamãe, deve vir daqui a pouco. Mas até lá, a Cuca já deve ter te pegado e, sem o papai por aqui, a mamãe também vai pro saco."
Ainda bem que as crianças não pensam na letra da música. Quem diria que uma melodia tão bonita assim, seria de uma história tão assustadora?!
Melhor pensar em outra.

"Sai bicho feio de cima do telhado
Deixa o menino nanar sossegado"

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O sorriso

Tatiana, em um comentário da postagem anterior, falou em expor a foto de um desses sorrisos devolvidos.
Em abril, viajamos para o sertão e, em Canudos-BA, conhecemos Ismael. É um daqueles garotos, com seus quinze anos, líderes nato. Engraçado, simpático, todos o conhecem, e o adoram. Sempre disposto a ajudar, era um dos primeiros a se oferecer para descer as pesadas caixas de materiais doados à escola.
Tinha um problema, um grave problema: os dentes da frente completamente destruídos por cáries. Foi assim que o conheci enquanto atendia em uma sala de aula. Cristiano, grande amigo local e que já viajou conosco, o trouxe pelo braço, deu um tapinha em sua cabeça e falou:
- Wolber, dá uma olhada nesse safado!
Ele sorriu e de longe, eu poderia ver. Fiz questão de encaixá-lo durante os três dias em que ficamos por ali. Deixei bem claro que, mais importante do que tratar, era cuidar melhor para que isso não acontecesse de novo e, a cada dia, tínhamos mais de uma hora e meia de "Ismael" na cadeira.
Saiu de lá "só sorrisos", com a certeza de que, à partir daquele momento, cuidaria melhor de seus dentes.
Seguem suas fotos:





E apresentado por Leandro - grande amigo da equipe - com seu novo "look".

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O pagamento

Chegamos na comunidade de Paraty Mirim (Paraty-RJ) na sexta bem cedo. É um trabalho bem mais tranquilo ao que estamos acostumados no sertão, onde ao chegar na escola, encontramos dezenas de crianças e adultos nos aguardando em festa. Porém, apesar da comunidade ser pequena, o carinho com que fomos recebido dessa vez foi semelhante.
A área odontológica - sem puxar "sardinha" - sempre encontra muito trabalho. Não importa quanto seja afastada e pouco centralizada a comunidade, tratamento dentário, infelizmente, ainda é uma carência enorme de nosso país. Portanto eu e o André - amigo e colega de profissão -, trabalhamos bastante nos dois dias de atendimento.
No meio da tarde, apareceu um garoto, de seus 9 anos, Lorran, pedindo para que eu arrumasse seu dente quebrado. Tinha tomado um tombo semanas atrás e, ao bater a boca na escada, quebrou o dente da frente (incisivo superior direito, para ser mais técnico).
- Claro, aguenta um pouco que a gente já dá uma olhada nele - eu disse e ele abriu seu sorriso, mostrando o dente pela metade.
Pouco tempo depois chegou sua vez. Adoro arrumar esses dentes do sorriso. Bom, na verdade, é claro, adoro arrumar todos, mas esses da frente, abraçam muito mais do que reestabelecer uma função e evitar futuros problemas. Envolve devolver auto-estima, confiança, e até mesmo reinserção social. Uma pessoa com os dentes da frente em mal estado, geralmente, se envergonha ao sorrir, levando a mão na frente da boca nessa hora, tentando esconder os dentes com os lábios, ou mesmo virando o rosto. Por isso a importância de devolver o sorriso original.
Com Lorran foi assim. Acabamos a restauração e pude ver seus olhos brilharem quando olhou no espelho. Não foi uma restauração difícil, ou que exigisse grande habilidade do dentista. Algo normal e casual, que levou seus 40 minutos, mas que devolveu aquele brilho nos olhos do garoto. Me pergunto, já sabendo a resposta, se tem pagamento que me deixaria mais feliz.
De noite, havia uma feira cultural, onde fizeram uma confraternização conosco. Uma grande roda de viola foi armada e, como adoramos isso, nos sentamos em volta. Um dos presentes pegou o violão e tocou algumas músicas. Fiquei surpreso ao ver Lorran se aproximando dele, colocando o braço em volta de seu pescoço e cantando a música, como velhos conhecidos. Me olhava e sorria. No final da música, caminhou até mim, me cumprimentou e me disse "muito obrigado por arrumar meu dente", meio tímido, meio sorrindo e saiu.
Minutos depois, o rapaz que tocava violão, veio até mim. Era o pai de Lorran.
- Olha, não sei nem como agradecer pelo que você fez pelo meu filho, só Deus mesmo. Muito obrigado. - disse emocionado.
Me explicou então, que desde que havia caído, seu filho andava triste, o que o fez levá-lo ao dentista na cidade, porém ali, o profissional cobrou 600 reais para restaurar o dente fraturado.
- Pensei até em pedir para que ele desgastasse o do lado, para ficar na mesma altura, mas seriam 250 reais e desisti. - continuou.
Eu expliquei para que ele nunca pensasse em fazer aquilo, estragar um dente bom para parecer o outro, e respondi, sinceramente, que não foi nada de mais.
Mais uma vez me disse que não sabia como agradecer. Não percebeu que não precisaria mesmo. Aqueles minutos valiam muito, mas muito mais, do que aqueles 600 reais que o outro dentista ganharia pela restauração.