Há um bom tempo vinha me questionando sobre o socialismo. Por um lado gostava daquela pureza de pensamento: igualdade a todos, corrigir as injustiças do capitalismo, distribuir a renda, enfim, tornar o mundo mais perfeito.
Por outro, algo me incomodava, ou melhor, muitos aspectos me incomodavam. Primeiro: será que seria justo igualar todos? Sabemos que existem pessoas com muita vontade de melhorar e trabalhar para ter uma vida mais confortável com sua família. Outros já são preguiçosos, não se importam muito com trabalho e adorariam viver às custas de alguém. Seria justo igualar esses dois cidadãos? Recompensar da mesma forma ambos, independente de suas diferenças em contribuição para a sociedade?
Segundo (e não por último, pois listaria outras questões aqui...): vendo documentários sobre a extinta União Soviética, achava o socialismo muito pior do que a ditadura brasileira. Ali a opressão era muito maior. Liberdade era algo inexistente, seja de expressão ou mesmo para comprar algo simples como um disco.
Recebi hoje um e-mail de meu amigo Diogo Salles, chargista do JT, que traduziu tudo o que eu gostaria de dizer e não sabia como. É de um texto do Ferreira Gullar, que saiu na Folha. Vale a pena a leitura.
A ganância do bem
Ferreira Gullar, na Folha
Hoje em dia, quando os apressados falam do fim do capitalismo, eu, na minha condição de "especialista em ideias gerais" (Otto Lara Resende), lembro que isso dificilmente acontecerá pelo simples fato de que o capitalismo, ao contrário do socialismo, não foi inventado por ninguém.
Não praticaria a blasfêmia de afirmar que foi criado por Deus, conquanto há quem garanta que o foi pelo Diabo. Como sou pouco afeito a questões teológicas, prefiro acreditar que ele nasceu espontaneamente do processo econômico, ao longo do tempo.
Costumo dizer que o capitalismo é quase como um fenômeno natural e, de fato, parece-me ter da natureza a vitalidade, a amoralidade e o esbanjamento perdulário, dizendo melhor: cria sem cessar e, com a mesma naturalidade, destrói o que criou.
Por exemplo, a natureza faz nascer milhões de seres e, de repente, inunda tudo e mata quase todos. Mas, ao fazê-lo, gera outras vidas. E parece dizer: "Que se danem", como faz e diz o capitalismo, mantidas as devidas proporções.
Já o socialismo foi inventado pelos homens, para corrigir o capitalismo, para introduzir nele a justiça. Os inventores do socialismo, em face da ferocidade do capitalismo nascente, em meados do século 19, sonharam com uma sociedade em que todos teriam os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Entendiam que a chamada democracia burguesa era, na verdade, uma ditadura da burguesia e que deveria ser substituída pela ditadura do proletariado.
Seria esta uma ditadura justa porque exercida, não pelos que usufruem do trabalho alheio e, sim, pelos que trabalham e produzem a riqueza da sociedade. O resultado final dessa revolução seria a criação da sociedade sem classes. É verdade que ninguém nunca soube o que seria essa sociedade e nem Karl Marx, o seu inventor, chegou a defini-la.
Como se sabe, na segunda década do século 20, a revolução socialista deixou de ser mero sonho para se tornar realidade, assustando os capitalistas e levando-os a atender muitas das reivindicações dos trabalhadores. Quatro décadas depois, boa parte da Europa e da Ásia vivia sob regime socialista. No entanto, antes que o século terminasse, o socialismo real desmoronou, para o espanto, sobretudo, das pessoas que nele viam o futuro da humanidade.
Ao contrário do que muitos temiam, não foram os exércitos capitalistas que o derrotaram, não foram foguetes norte-americanos com bombas nucleares que deram fim ao poder do Kremlin. Não, na verdade, ele foi liquidado por uma espécie de colapso interno fulminante, que não foi militar, mas econômico. O socialismo perdeu a disputa econômica com o capitalismo.
Em visita à Ucrânia, em 1972, ouvi um dirigente do partido comunista ucraniano dizer que tudo o que aquela república soviética produzia se devia à ação do partido, o verdadeiro motor de sua economia. Pois essa afirmação talvez explique o fracasso do socialismo: como poderia meia dúzia de burocratas fazer funcionar a economia de um país?
E explica também por que o capitalismo não morre e por que não foi preciso inventá-lo: vive da ambição de cada um, da iniciativa de cada pessoa que quer melhorar de vida, produzir, vender, comprar, revender, lucrar, enriquecer, sem que ninguém a obrigue a isso, muito pelo contrário.
Em lugar de um comitê dirigente que determine o que deve ser feito, no capitalismo milhões fazem o que conseguem fazer, atendendo às necessidades do possível comprador, no afã de ganhar dinheiro. Isso explica a vitalidade do regime e, ao mesmo tempo, muitas vezes, o vale-tudo para alcançar o lucro máximo.
O planejamento socialista, se evitava o desperdício, inibia a produção, o que resultava em outro tipo de desperdício, sendo o maior de todos, o dos talentos empreendedores que não encontravam campo para se realizar. Uma visão equivocada do capitalismo ignorava o papel fundamental do empresário, cujo investimento em ideias e dinheiro gera empregos e riqueza.
Se o socialismo nasceu do que há de melhor no ser humano -o senso de justiça e a fraternidade-, o capitalismo, se não surgiu do que há de pior em nós, é, não obstante, a cada momento, movido por ele, ou seja, pela ganância sem limites e sem escrúpulos. No entanto, essa ganância é que o faz gerador de riqueza.
Admitindo-se como verdade que o capitalismo não morrerá -mesmo porque as crises, em vez de matá-lo, o renovam-, a solução é encontrar um meio de torná-lo bom, incutindo-lhe a "ganância do bem". Isso, bem entendido, se o Diabo deixar.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Chico "Diabinho" (por João Victor Macul)
Chico andava cambaleando, trançando as pernas por aí. Cheirava à pinga, um bêbado. Conheciam seus hábitos, suas fraquezas, vícios contínuos, retratos de impureza. Todo dia um trago ou dois, ou três ou mil. Sua fama de fala mole e sem aparente sentido levou ao povo a apelidá-lo de ¨diabinho¨.
Por quanto tempo ele acreditou, ou acredita, nesse apelido de valor tão pejorativo, ninguém sabe. Nem ele mesmo. Aliás, não sabe ler nem contar. Não sabe quantos anos tem. Sabe apenas que é de 6 de maio de 1966.
Numa noite de sexta feira, Francisco, estava caído, embriagado. Dormia no chão. Num bar próximo, havia um grupo de pessoas que tinham vindo de outra cidade, conversando, tocando violão e cantando. Chico ¨Diabinho¨ levantou-se e foi andando, meio torto, seguindo, talvez, a música. Ao se aproximar do bar, as pessoas pararam de cantar e convidaram Chico a sentar-se. ¨Diabinho¨ estranhou tal fato, afinal de contas, a maioria o destratava. Ignoravam-no, no máximo riam quando ele balbuciava coisas sem aparente sentido.
- Boa noite. – disse um amigo desconhecido.
- Boa... – disse Chico.
- Como é seu nome?
- Meu nome é Diabinho..
- Não, o seu nome não é esse, esse é o seu apelido, quero saber qual é o seu nome...
Chico calou-se diante da pergunta, não sabia o que responder. Por muito tempo ele foi apenas Diabinho. Os amigos da roda, porém, não desistiram de saber o nome daquela figura esquálida. Tocaram uma música, e Chico batia palmas animadamente e tentava cantar. Após a música cada pessoa que estava na roda se apresentou dizendo o nome completo. O amigo desconhecido, que agora já era conhecido, continuou:
- Viu. Cada um tem um nome aqui, queremos saber o seu... – Disse Luis Salvatore, com uma voz calma.
Nesse momento, os efeitos do álcool pareciam ter diminuído. Chico procurava, silenciosamente na memória, a resposta para tal pergunta. Pequenas perguntas podem levar a grandes respostas. De repente, uma onda de identidade o atingiu. Chico levantou-se e disse bem baixinho:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva...
Disse mais uma vez, agora um pouco mais alto:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!
E agora quase gritando, mas com um tom de confiança que deixou perplexo os que já o conheciam, mas nunca o tinham visto tão sóbrio:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!!!
Francisco havia ficado submerso, preso no mundo de ¨Diabinho¨, o moribundo, por, provavelmente, muitos anos. E apesar de o sentido de seu verdadeiro nome, ainda não propiciar a ele um encontro com o seu verdadeiro ser, pode ter sido esse o começo de seu reencontro com a vida.
Ninguém na cidade sabia o verdadeiro nome de ¨Diabinho¨, mas quem viu a cena, soube que o sujeito tinha um nome. Mas, mais que isso, o sujeito tinha guardado dentro de si sua identidade. Pois a mesma lucidez que o fez recordar o próprio nome, poderia ajudá-lo a recordar-se de quem é.
Talvez hoje, Francisco esteja lúcido, vivendo no mundo, trabalhando para viver e procurando mais respostas. Talvez, simplesmente tenha parado de beber e esteja trabalhando numa loja de calçados. Ou talvez, tenha voltado a beber e se enfiado no mundo de ¨Diabinho¨ de novo.
Seja qual for a alternativa, uma coisa é certa: Francisco de Assis Gomes da Silva sabe que possui algo mais que um sórdido apelido, ou mesmo um nome. Pode, ainda que por hora, ter se esquecido disso, por causa da bebida, da vida, e etc. Mas será sempre um ser humano.
Coisas simples como uma conversa, um abraço, uma flor ou 5 minutos de atenção, podem ter efeitos surpreendentes na vida de quem recebe, e de quem dá também.
Procuramos sempre uma ¨luz no fim do túnel¨, e nos esquecemos de que nós SOMOS essa luz. Podemos encontrar lugares de paz dentro de nós, a todo o momento. E quanto mais deixarmos que nossa luz brilhe, mais poderemos servir de holofote para àqueles que vêm atrás.
Por quanto tempo ele acreditou, ou acredita, nesse apelido de valor tão pejorativo, ninguém sabe. Nem ele mesmo. Aliás, não sabe ler nem contar. Não sabe quantos anos tem. Sabe apenas que é de 6 de maio de 1966.
Numa noite de sexta feira, Francisco, estava caído, embriagado. Dormia no chão. Num bar próximo, havia um grupo de pessoas que tinham vindo de outra cidade, conversando, tocando violão e cantando. Chico ¨Diabinho¨ levantou-se e foi andando, meio torto, seguindo, talvez, a música. Ao se aproximar do bar, as pessoas pararam de cantar e convidaram Chico a sentar-se. ¨Diabinho¨ estranhou tal fato, afinal de contas, a maioria o destratava. Ignoravam-no, no máximo riam quando ele balbuciava coisas sem aparente sentido.
- Boa noite. – disse um amigo desconhecido.
- Boa... – disse Chico.
- Como é seu nome?
- Meu nome é Diabinho..
- Não, o seu nome não é esse, esse é o seu apelido, quero saber qual é o seu nome...
Chico calou-se diante da pergunta, não sabia o que responder. Por muito tempo ele foi apenas Diabinho. Os amigos da roda, porém, não desistiram de saber o nome daquela figura esquálida. Tocaram uma música, e Chico batia palmas animadamente e tentava cantar. Após a música cada pessoa que estava na roda se apresentou dizendo o nome completo. O amigo desconhecido, que agora já era conhecido, continuou:
- Viu. Cada um tem um nome aqui, queremos saber o seu... – Disse Luis Salvatore, com uma voz calma.
Nesse momento, os efeitos do álcool pareciam ter diminuído. Chico procurava, silenciosamente na memória, a resposta para tal pergunta. Pequenas perguntas podem levar a grandes respostas. De repente, uma onda de identidade o atingiu. Chico levantou-se e disse bem baixinho:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva...
Disse mais uma vez, agora um pouco mais alto:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!
E agora quase gritando, mas com um tom de confiança que deixou perplexo os que já o conheciam, mas nunca o tinham visto tão sóbrio:
- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!!!
Francisco havia ficado submerso, preso no mundo de ¨Diabinho¨, o moribundo, por, provavelmente, muitos anos. E apesar de o sentido de seu verdadeiro nome, ainda não propiciar a ele um encontro com o seu verdadeiro ser, pode ter sido esse o começo de seu reencontro com a vida.
Ninguém na cidade sabia o verdadeiro nome de ¨Diabinho¨, mas quem viu a cena, soube que o sujeito tinha um nome. Mas, mais que isso, o sujeito tinha guardado dentro de si sua identidade. Pois a mesma lucidez que o fez recordar o próprio nome, poderia ajudá-lo a recordar-se de quem é.
Talvez hoje, Francisco esteja lúcido, vivendo no mundo, trabalhando para viver e procurando mais respostas. Talvez, simplesmente tenha parado de beber e esteja trabalhando numa loja de calçados. Ou talvez, tenha voltado a beber e se enfiado no mundo de ¨Diabinho¨ de novo.
Seja qual for a alternativa, uma coisa é certa: Francisco de Assis Gomes da Silva sabe que possui algo mais que um sórdido apelido, ou mesmo um nome. Pode, ainda que por hora, ter se esquecido disso, por causa da bebida, da vida, e etc. Mas será sempre um ser humano.
Coisas simples como uma conversa, um abraço, uma flor ou 5 minutos de atenção, podem ter efeitos surpreendentes na vida de quem recebe, e de quem dá também.
Procuramos sempre uma ¨luz no fim do túnel¨, e nos esquecemos de que nós SOMOS essa luz. Podemos encontrar lugares de paz dentro de nós, a todo o momento. E quanto mais deixarmos que nossa luz brilhe, mais poderemos servir de holofote para àqueles que vêm atrás.
Assinar:
Postagens (Atom)