segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Chico "Diabinho" (por João Victor Macul)

Chico andava cambaleando, trançando as pernas por aí. Cheirava à pinga, um bêbado. Conheciam seus hábitos, suas fraquezas, vícios contínuos, retratos de impureza. Todo dia um trago ou dois, ou três ou mil. Sua fama de fala mole e sem aparente sentido levou ao povo a apelidá-lo de ¨diabinho¨.
Por quanto tempo ele acreditou, ou acredita, nesse apelido de valor tão pejorativo, ninguém sabe. Nem ele mesmo. Aliás, não sabe ler nem contar. Não sabe quantos anos tem. Sabe apenas que é de 6 de maio de 1966.
Numa noite de sexta feira, Francisco, estava caído, embriagado. Dormia no chão. Num bar próximo, havia um grupo de pessoas que tinham vindo de outra cidade, conversando, tocando violão e cantando. Chico ¨Diabinho¨ levantou-se e foi andando, meio torto, seguindo, talvez, a música. Ao se aproximar do bar, as pessoas pararam de cantar e convidaram Chico a sentar-se. ¨Diabinho¨ estranhou tal fato, afinal de contas, a maioria o destratava. Ignoravam-no, no máximo riam quando ele balbuciava coisas sem aparente sentido.
- Boa noite. – disse um amigo desconhecido.
- Boa... – disse Chico.
- Como é seu nome?
- Meu nome é Diabinho..
- Não, o seu nome não é esse, esse é o seu apelido, quero saber qual é o seu nome...
Chico calou-se diante da pergunta, não sabia o que responder. Por muito tempo ele foi apenas Diabinho. Os amigos da roda, porém, não desistiram de saber o nome daquela figura esquálida. Tocaram uma música, e Chico batia palmas animadamente e tentava cantar. Após a música cada pessoa que estava na roda se apresentou dizendo o nome completo. O amigo desconhecido, que agora já era conhecido, continuou:
- Viu. Cada um tem um nome aqui, queremos saber o seu... – Disse Luis Salvatore, com uma voz calma.
Nesse momento, os efeitos do álcool pareciam ter diminuído. Chico procurava, silenciosamente na memória, a resposta para tal pergunta. Pequenas perguntas podem levar a grandes respostas. De repente, uma onda de identidade o atingiu. Chico levantou-se e disse bem baixinho:

- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva...

Disse mais uma vez, agora um pouco mais alto:

- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!

E agora quase gritando, mas com um tom de confiança que deixou perplexo os que já o conheciam, mas nunca o tinham visto tão sóbrio:

- Meu nome é Francisco de Assis Gomes da Silva!!!

Francisco havia ficado submerso, preso no mundo de ¨Diabinho¨, o moribundo, por, provavelmente, muitos anos. E apesar de o sentido de seu verdadeiro nome, ainda não propiciar a ele um encontro com o seu verdadeiro ser, pode ter sido esse o começo de seu reencontro com a vida.
Ninguém na cidade sabia o verdadeiro nome de ¨Diabinho¨, mas quem viu a cena, soube que o sujeito tinha um nome. Mas, mais que isso, o sujeito tinha guardado dentro de si sua identidade. Pois a mesma lucidez que o fez recordar o próprio nome, poderia ajudá-lo a recordar-se de quem é.
Talvez hoje, Francisco esteja lúcido, vivendo no mundo, trabalhando para viver e procurando mais respostas. Talvez, simplesmente tenha parado de beber e esteja trabalhando numa loja de calçados. Ou talvez, tenha voltado a beber e se enfiado no mundo de ¨Diabinho¨ de novo.
Seja qual for a alternativa, uma coisa é certa: Francisco de Assis Gomes da Silva sabe que possui algo mais que um sórdido apelido, ou mesmo um nome. Pode, ainda que por hora, ter se esquecido disso, por causa da bebida, da vida, e etc. Mas será sempre um ser humano.
Coisas simples como uma conversa, um abraço, uma flor ou 5 minutos de atenção, podem ter efeitos surpreendentes na vida de quem recebe, e de quem dá também.
Procuramos sempre uma ¨luz no fim do túnel¨, e nos esquecemos de que nós SOMOS essa luz. Podemos encontrar lugares de paz dentro de nós, a todo o momento. E quanto mais deixarmos que nossa luz brilhe, mais poderemos servir de holofote para àqueles que vêm atrás.

Um comentário:

  1. Graaande johnny!! Que prazer ter um texto seu aqui. Maior ainda é estar presente quando aconteceu essa história.
    Realmente ver o Francisco - outrora Diabinho - voltar a ter um nome foi algo emocionante.
    Grande abraço!
    Wolber

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