Em uma cidade, no sertão brasileiro, seguíamos com o trabalho social. Uma correria louca, fila enorme, várias crianças, muitos adultos; todos esperando, pacientemente, o momento de seu atendimento.
Seria impossível, mesmo sonhar, atender a todos. Mesmo assim não me sentia à vontade ao ver aquela senhora que esperou 40 minutos, uma hora - talvez até mais-, se sentar na cadeira e apenas ouvir pequenas e rápidas orientações de higiene bucal e um “mil desculpas, mas infelizmente não conseguiremos fazer o tratamento longo de que você precisa...”. Surpresa mesmo é vê-la abrindo um enorme sorriso, envolvendo minhas mãos com suas duas, olhando em meus olhos e dizendo:
- Imagina, meu filho. Eu agradeço de coração vocês terem vindo aqui, fazer tanta coisa boa pra esse povo que precisa tanto. Deus abençoe a todos vocês, muito obrigado!
Muitas vezes recebemos agradecimentos assim vindo de dois olhos marejados.
Certo dia uma senhora parou ao meu lado com sua filha e esperou até que eu acabasse de atender. Tinha seus 60 anos, cabelos brancos que desciam por ambos os lados de sua face e um sorriso puro. Sua filha, que tinha 30 anos e possuía síndrome de down, usava óculos novos, daqueles bem grossos, que deixam os olhos pequeninos.
Com enorme simpatia me pediu para que eu atendesse a moça, que sofria muito com dores e não conseguia atendimento no posto de saúde.
Assim que se sentou na cadeira vi que tinha cáries muito grandes, já haviam chegado ao canal. Outro dente necessitava extração, infelizmente tudo que eu não poderia fazer ali.
Expliquei tudo o que deveria ser feito e o porquê eu não poderia fazer.
- Mas vou dar um encaminhamento para o posto de saúde explicando tudo e pedindo para que seja feito o tratamento. Desculpe não poder ajudar mais que isso... – disse meio sem jeito.
Ela abriu um enorme sorriso e me agradeceu muito:
- Magina doutor, isso já é uma felicidade imensa, o senhor nem imagina. Eu já estive tão feliz hoje com os óculos que ela recebeu que nem precisaria mais de nada. 30 anos tropeçando nas coisas, sem enxergar direito e agora ela vê tudo! Esse papel então só completa a minha alegria.
Por esses motivos nunca deixava de conversar com alguém quando saía da sala, mesmo que estivesse muito atrasado. Muitas vezes uma simples conversa de dois minutos em um corredor é algo que faz um bem enorme para as pessoas e para nós.
Senhoras – bem velhinhas – me paravam e contavam a história de suas vidas, de como Deus havia sido bom com elas, dizendo coisas sobre a história da cidade... Riqueza imensa.
O que é mais importante para uma pessoa? Uma restauração, uns óculos ou um atendimento médico? Não sei, mas uma coisa é certa: a atenção e o carinho estão entre as coisas mais importantes que alguém precisa. Principalmente em relação à população sertaneja, que já é tão carente de tantos outras quesitos, isso é essencial.
Levamos muitas coisas para o trabalho por estas cidades, mas o mais importante é o que levamos dentro de nós mesmos – atenção e carinho - e o melhor: isso é algo que nunca acaba. Pelo contrário, aumentamos muito com o que recebemos de lá. Se há algo que não falta no sertão é o amor ao próximo. Isso eles tem em excesso e supre todas as outras coisas que lhes faltam.
E nós, que pensávamos em doar algo, voltamos de lá completamente ricos.
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