sexta-feira, 23 de abril de 2010

Histórias d(n)o Lixo (por Valter Lima/ Wolber Campos)

Em 1984, minha casa estava em reforma. Entre um grande entra-e-sai de pedreiros e ajudantes, minha mãe decidiu esconder suas jóias, para que não houvesse problemas com o grande número de pessoas estranhas dentro de casa.
Esvaziou sua caixinha e, para não chamar a atenção, as embrulhou em um jornal, colocando-as em cima do criado mudo, até encontrar um lugar seguro para escondê-las.
Olhando as obras, resolvendo problemas, acabou esquecendo o embrulho e só lembrou de noite. Correu sentindo um arrepio na espinha, lembrando das queridas jóias – naquela época meu pai, muito bem no emprego, sempre a presenteava com pulseiras, colares ou anéis.
Chegou em seu quarto e levou um susto: estava todo arrumado, os móveis em seus lugares e tudo completamente limpo. Correu até minha prima, que a ajudava e estava dormindo.
- Cristina, pelo amor de Deus! Você guardou minhas jóias? – perguntou preocupada.
Ela, ainda sonolenta, disse que sim. Enquanto minha mãe respirava aliviada, despertou-se completamente e perguntou: “que jóias?”.
Ela havia arrumado o quarto, juntado todos os papéis e jornais que protegiam o chão da tinta e os jogado fora, incluindo as jóias embrulhadas de minha mãe.
Assim, peças caras acabaram indo para o lixo. Imagine quantas histórias como essa existem.
- Você não acredita, vai muito dinheiro para o lixo. – comenta Valter Lima, que trabalha e dá aula na área ambiental.
Grande parceiro dos trabalhos junto ao Instituto Brasil Solidário, Valter foi, durante alguns anos, chefe da seção de triagem de uma usina de compostagem, em São Paulo. Ali era recebido o material orgânico proveniente do lixo da cidade e como vinham muitos resíduos inorgânicos, estes eram separados para futura reciclagem.
O lixo chegava diretamente dos caminhões que o despejava num compartimento receptor. De lá, ele caía em uma esteira em movimento, onde havia cerca de 40 trabalhadores para separar o material. O primeiro homem da esteira era encarregado de rasgar o saco, para que todo lixo se esparramasse na esteira, onde nos próximos metros, outros separariam o material inorgânico.
Tudo que acontecesse, qualquer fato anormal, havia um botão que o primeiro funcionário apertava e parava a esteira, chamando, logo em seguida, Valter pelo interfone.
Certo dia, quem o chamou foi o segurança:
- Está acontecendo um tumulto lá embaixo!
Valter desceu correndo e ao chegar à região da esteira a bagunça estava terminando. Perguntou o que havia acontecido e os funcionários despistavam: “foi nada não...”.
Na realidade, havia caído um saco de lixo, o primeiro homem, como de costume, o rasgou, espalhando uma enorme quantidade de dinheiro sobre a esteira. O segundo gritou: “Dinheiro!!”. Todos os outros 38 homens, espalhados nas 6 mesas de separação correram e se atiraram sobre a esteira, repleta de lixo e dinheiro.
Depois que a poeira baixou disse um funcionário que “teve gente ali que embolsou mais de 500 reais!”.
Ai, as jóias da minha mãe... Bom, pelo menos foram para quem precisava.

2 comentários:

  1. Seus escritos são tão bons! Descobri que além de ser um ótimo profissional(e uma excelente pessoa)é também um bom escritor!!!
    Abraço

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  2. Olá Damaris!! Tudo bem?!
    Muito obrigado pelas palavras. Já é um prazer ter você por aqui no blog, elogiando assim então...
    Obrigado por tudo, minha amiga. Espero que continue curtindo os textos.

    Grande beijo!

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