sábado, 28 de junho de 2008

A gratidão (por Wolber Campos)

Muitas vezes vivemos dentro de normas, algumas criadas por nós mesmos, outras pela sociedade ou formadores de opinião e assim, seguimos nosso dia a dia imerso nesse mar de indicações que nos guiam sem que sequer notemos.
Porém em muitos casos nos esquecemos de que somos seres humanos e devemos ser maleáveis, nos adequando ao bom senso em inúmeras ocasiões.
Certa fria noite do mês de junho, estava no supermercado comprando distraído alguns petiscos e um vinho para levar à casa de um casal de amigos.
- Tio, você pode comprar este pão pra mim, por favor?
Era um menino de rua, ou um menino que morava na rua (já que não gosto muito deste termo, parece pejorativo). Devia ter seus 11 ou 12 anos, calça e blusa de moletom bem surrados e finos para o frio que estava fazendo. Nas mãos trazia um saquinho com pães franceses da padaria do mercado.
- Não tenho, meu amigo.
Respondi friamente e me virei para continuar a procurar o salgadinho mais saboroso para apreciar o bom vinho que estava comprando, na companhia de grandes amigos. A resposta saiu pronta, não por indiferença ou maldade, apenas porque há tempos me condicionei que não é correto dar esmolas. Dinheiro em farol: quase nunca, sempre procuro dar algo que o garoto precise, talvez até um doce ou uma bolacha (que o meu lado dentista não me escute)...
“Espere aí”, pensei, “ele queria um pãozinho, não dinheiro...”. Fiquei com um pouco de remorso e vi o garoto no fim do corredor recebendo mais um não de uma senhora. Peguei o salgadinho e o pensamento voou entre normas, certos e errados. O estabelecimento com certeza não devia concordar com um garoto pedindo a seus clientes que pagassem sua conta, estaria incomodando-os. Por outro lado era apenas um menino que deveria estar com fome, que outra coisa faria para saciar a sua necessidade mais básica?
Me dirigi à fila do caixa, incomodado por não ter ajudado o pequeno e a uns 5 metros o vi recebendo mais um não de um senhor. Então caminhou meio sem destino com seu solitário saquinho de pão nas mãos.
- Ei amigão, me dá o saquinho que eu passo para você.
Pedi a ele com um estranho sentimento de alívio (estranho e egoísta, pois se outra pessoa pagasse sua conta eu me sentiria um lixo!).
- Obrigado, “é” três reais e cinquenta.
Eu disse que tudo bem. Peguei seu – agora não mais solitário – saquinho de pães e vi nas prateleiras à minha frente uma grande quantidade de doces, chicletes, todos coloridos e chamando a atenção.
- Pega um doce também! - disse, mais uma vez espezinhando meu lado dentista.
Ele abriu um sorriso e deu um pulo na direção dos doces. Me perguntou qual poderia pegar e eu disse o que sonharia em ouvir quando era criança: “pode escolher qualquer um!”.
Olhou um, outro, pensou e disparou:
- Será que em vez do doce eu poderia pegar um refrigerante?
“Claro”, respondi e ele saiu rapidamente para a seção das bebidas, voltando com um refri de 2 litros na mão.
- “É” dois e quarenta, pode ser?
Disse que sim e felizes, começamos a conversar. Me contou que olhava carros na rua, mas por ser uma segunda-feira o movimento estava muito fraco, por isso não havia conseguido dinheiro para seu almejado pãozinho.
- Mas já teve noite que tirei até 100 reais. Uma dona que ficou feliz porque eu fiquei até as 6 da manhã olhando o carro dela, sozinha me deu 20 reais!
Chegou nossa vez no caixa, antes ele ainda fez a conta: "O meu é R$ 3,50 do pão e R$ 2,40 do refri... E o seu?", disse apontando para a garrafa de vinho.
Eu não me lembrava, disse que era algo em torno de 14 reais, “não sei ao certo”. Ele deu uma risada e soltou:
- É engraçado, às vezes as pessoas nem sabem quanto custa as coisas...
Disse talvez pensando como deveria ser bom não se preocupar com esses “detalhes”. Nesse momento agradeci a Deus por ter conseguido tudo o que tenho. Por poder comprar algo e não me preocupar se o total ultrapassará o que tenho. Por ter um lar.
Seu irmão o estava esperando na saída do caixa, devia ser um ou dois anos mais velho que ele e me ajudou a empacotar minhas pequenas compras. Ainda levou uma bronca do pequeno quando o saquinho virou de lado:
- Cuidado! Isso aí é garrafa e quebra!
Agradeci a ajuda e ele me agradeceu as compras. Me encaminhei então ao estacionamento para pegar o carro e me encolhi dentro do casaco; era uma das noites mais frias do ano. Me lembrei do moletom fino do pequeno, senti pena.
Entrei no carro, ali dentro estava uma delícia, longe daquele vento frio e constante do lado de fora e ao passar na frente do supermercado vi o garoto com seu irmão na calçada se abaixando ao lado de um outro, mais velho, de seus 16 anos que se sentava enrolado a um fino cobertor cinza. Um deles com o feliz saquinho de pães na mão, outro com o alegre refrigerante nas suas. Iriam dividir tudo ali, espantar a fome, espantar o frio, simplesmente fazer um lanche entre amigos, algo que eu também faria dali a pouco tempo, só que em outras condições. Me senti um pouco envergonhado por isso, como se de repente ter dinheiro passasse a ser vergonhoso.
O sentimento foi sendo substituído pela alegria de poder ajudar alguns garotos, mesmo que de uma forma superficial e paliativa. Pensei em como me sentiria mal, muito mal mesmo, em passar de carro no mesmo local e ver o pequeno se abaixando da mesma forma ao lado do amigo coberto, só que dessa vez sem o saquinho de pães.
“Obrigado!”, me lembrei da voz do garoto me agradecendo. Porém naquele momento ninguém era mais grato do que eu. Agradeci novamente a Deus pela alegria que sentia.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Crônicas de um brasileiro (por Wolber Campos)

Olá Pessoal!
Esta é a estréia do Blog: Crônicas de um brasileiro. Sim, o blog é meu, porém eu não sou o brasileiro: todos nós somos o brasileiro.
A idéia do blog nasceu em meio a um trabalho no sertão. Como dentista voluntário do Instituto Brasil Solidário costumo viajar muito para o inteiror do Brasil e lá (todos nós) acabamos conhecendo muitas histórias emocionantes, bonitas, sofridas, alegres, sábias... Histórias que acabaram virando crônicas de um futuro livro.
Porém, em nosso cotidiano, também encontramos muitas histórias, que estão em nossa volta, tropeçando em nossos pés, mas em nossa habitual correria acabamos as deixando escapar, ilesas. Basta uma ligeira olhada novamente para descobrí-las.
É disso que trataremos neste blog: crônicas de nosso cotidiano, do cotidiano do brasileiro. Histórias minhas, de amigos ou de amigos anônimos. Crônicas que se embrenham na política, artes, esportes, cultura, sem nunca deixar de ser o principal: histórias do cidadão brasileiro.

Crônicas serão muito bem-vindas no e-mail: dr.wolber@gmail.com