segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Nem um metro

Eu estava atendendo sua filha, quando ela me perguntou:
- A última vez que vocês vieram aqui foi em outubro do ano na passado, não foi? - concordei e ela continuou - Eu não pude trazer a minha filha porque quase morri! - disse séria.
Perguntei o motivo e ela contou sua história. Mora perto da escola, em Tamboril, sertão do Ceará, mas costuma acompanhar o marido na roça, onde ele trabalha com plantação. Andando pela trilha, não percebeu a grande cobra cascavel que estava no caminho. Pisou no perigoso animal que no reflexo a atacou.
- Foi tão rápido que nem deu para ouvir o guizo da bicha. As vezes andando a gente ouve ela avisando e desvia, mas acho que nem ela tinha me visto.
Não era a hora de Josefa morrer, alguns fatores a ajudaram.
- Primeiro eu dei sorte que ela não mordeu em cheio, acertou meu dedo do pé, mas só com um dente. Depois, ela tinha acabado de matar um rato do mato, soltado a maior parte do veneno nele. E por último, que minha filha estava perto e correu pra me acudir. - completou.
E foi muita sorte mesmo. Alguns segundos após o susto da picada, sua vista começou a escurecer. A filha correu em sua direção enquanto se apoiava no mato rasteiro ao lado da trilha, matou a cobra e a levou rápido para o socorro.
Pela gravidade do caso, mesmo sendo uma pequena cidade, foi resgatada de helicóptero para a capital, onde ficou internada por uma semana.
Na mesma viagem, duas cidades a frente, em Primavera, no Pará, terminei tarde o trabalho. Só restava na escola eu, Manolo - grande amigo que me ajuda na área da saúde - e o vigia da escola. Havia sido um dia cansativo. Fui até o escovódromo e joguei água no meu rosto, como para recobrar as energias, me espreguicei, e fui à frente da escola, ligar para casa. Ao voltar para me despedir o segurança disse:
- Olha, acabei de matar uma urutu ali atrás das torneiras. - disse com a normalidade de quem diz que  comeu uma tapioca.
Urutu é uma cobra bem venenosa e me preocupei por ser dentro da escola, onde há centenas de crianças durante o dia. Ele a havia matado onde eu havia acabado de lavar o rosto.
- Mas era pequenininha, não tinha nem um metro.
Lembrei da história da senhora de Tamboril. "Não tinha nem um metro", era o que eu precisava ouvir para ficar bem tranquilo...