quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Os carrões

Era mais um dia comum, como os outros de trabalho no sertão: crianças com cáries enormes e alguns dentes que já não mais havia o que fazer: canal exposto ou indicados para extração.
E como em outros dias eu perguntava a algum adulto como era o atendimento odontológico no posto de saúde da região.
"Eles estão sem material lá, por isso só estão arrancando."
A resposta também era comum, já a havia escutado em outras cidades. Mas dessa vez doeu um pouco mais. Não sei se, como numa pancada leve no mesmo lugar, várias vezes, o incômodo vai se tornando insuportável, ou se estou ficando velho, mas naquela hora deu vontade de ir até a prefeitura e esbravejar. No fundo sei que de nada adiantaria...
O que resolveria era a comunidade se reunir e protestar em frente aos homens do povo, para que eles fizessem juz a esse nome. Mas como estava ali para trabalhar e não para agitar passeatas resolvi tentar fazer minha parte e continuar trabalhando.
Mas não parei de pensar como um prefeito não tem peso na consciência, ou como pode nem tê-la. O gasto com material odontológico em um mês não deve chegar a 500 reais em um posto do interior (e estou chutando alto!). O que é esse valor para um prefeitura? E não me venha niguém falar que algumas cidades são muito necessitadas, pois mesmo nas mais precárias já vi prefeito descer de uma Hi-Lux zero. Quanto sai um carro deste por mês entre impostos e combustível - e nem comento o preço de compra -. Então que troquemos o carro importado por um Uninho zero (pode até ter ar-condicionado!). Eu como "chefe da cidade" me orgulharia de desfilar num carro popular e colocar material no posto de saúde.
Não generalizo. Há prefeitos que hoje tranformaram em lei projetos que implantamos em algumas escolas (como o escovódromo e escovação diária), o que nos enche de orgulho e felicidade. Agora muitos outros...
Temos então que fazer uma campanha: Abaixo a Hi-Lux e viva o Uninho!!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O pagamento

Retornamos de viagem na última sexta-feira. Foram 21 dias na estrada, em um trabalho que nem eu, nem nenhum de meus amigos, conseguimos mais deixar de fazer.
Em uma dessas cidades conheci Joanita. Já a havia conhecido na etapa anterior, sempre prestativa, nos ajudou muito, principalmente cuidando de nossas refeições, na escola e na pousada.
Porém não tive o prazer de atendê-la em maio, quem o fez foi Wanderson, dentista, protético, grande amigo e parceiro de viagens. Ele realiza moldagens e confecciona próteses a serem entregues em outra visita. E foi assim que conheceu Joanita, que tinha uma dentadura quebrada que a incomodava a muitos meses.
Mas tive o prazer de entregar a prótese pronta a ela, já que emu amigo não pode estar nessa cidade (estaria nas duas seguintes). E assim acabei recebendo o pagamento por ele. Não, nós realmente não cobramos pelas próteses, mas o que recebi foi muito maior do que qualquer um jamais poderia pagar com sua carteira: um agradecimento emocionado e os olhos cheios de lágrimas. Tento repassar o "valor" recebido ao grande amigo.
Joanita retirou a prótese antiga, quebrada, que ainda machucava sua boca. Colocou a nova e abriu um sorriso largo, expontâneo, sem que ao menos eu tivesse tempo de pedir isso a ela.
"- Nossa, que alívio, meu filho..." - disse ainda de olhos fechados.
Passei o espelho para que ela pudesse ver o resultado e perguntei se havia gostado. Com os olhos cheios de lágrimas me respondeu:
"- Meu filho, eu fiz essa prótese antiga com um homem que não era dentista, faz muito tempo, e ela começou a me machucar muito. Você sabe o que é pensar que está com câncer? Pois foi o que me disseram desse machucado, que eu tinha que fazer uma dentadura nova com um dentista de verdade.
Mas como? Faço bicos quando aparecem, fiz o almoço e jantar de vocês e consegui 15 reais. Não sou aposentada, não trabalho, como posso juntar dinheiro para pagar uma nova?
Foi Deus quem colocou vocês aqui nessa comunidade pra ajudar a gente. Que Ele ilumine sempre o caminho de vocês..."
Disse e começou a chorar.
Me senti muito feliz pelo Wanderson, por fazer parte da equipe e por, simplesmente, receber aquelas palavras de agradecimento.