sábado, 5 de junho de 2010

Bandeirinhas

Essa semana, chegando ao trabalho, vi uma cena que me trouxe um cheiro de infância. Como meu consultório fica em um bairro mais distante do centro, as ruas ainda tem aquelas gostosas características de cidade pequena de interior, apesar de ter seus comércios e mercadinhos pululando cada dia mais.
Dirigia o carro para mais um dia de trabalho e quando virei em minha rua, ela estava repleta de bandeirinhas do Brasil, que cruzavam a cruzavam de um poste a outro, balançando suas cores verde-amarelas sob o céu azul. Em frente às casas e lojas, dançavam uma infinidade de tiras de plástico com as cores de nossa seleção. O asfalto, que quase sempre me chamava a atenção apenas por seus buracos, agora estava pintado com a bonita bandeira do país.
Ah, a época de Copa do Mundo. Me desculpem aos que não gostam de futebol, que pregam contra o "ópio do povo" e tudo mais. Também não me sinto confortável quando sei que políticos, acusações e escândalos são suprimidos pela notícia de que o artilheiro francês está com diarréia, mas o campeonato mundial é inexplicável. O frio na barriga sentido em dia de jogo, a emoção da partida, alegria triunfal ou decepção avassaladora após os 45 minutos do segundo tempo... Confesso que me sinto emocionado até em um jogo da Inglaterra contra a Turquia.
E sinto tudo isso desde criança, aliás, desde que me lembro de assistir a uma Copa do Mundo, em 1986. Não sei se é algo passado de pai para filho, ou se os exemplos nos jogam nesse devaneio. Não sei. E pra quê saber? Naquela copa e na seguinte o Brasil não foi longe e mesmo assim eu me paralisava só de ouvir a música que a TV fez para a competição.
Por tudo isso, tive essa agradável sensação de nostalgia ao ver a rua toda enfeitada, como em minha infância e como fazia tempo que não via.
Esse sabor é um dos melhores que temos. Aproveito esse mês para relembrar, completamente saudosista. O Brasil ganhe ou não, o que importa é que já estou feliz.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Bolsa Família

A coisa que mais gosto no trabalho que o Instituto Brasil Solidário faz, é que está muito longe, mas muito mesmo, de ser assistencialista. Pra falar a verdade, dizer que o IBS faz um trabalho social no interior do Brasil, até, em definições atuais, seria uma visão equivocada. Podemos dizer que é feito um PDS (programa de desenvolvimento sustentável). A coisa mais difícil é o trabalho levar cestas básicas, só não digo impossível porque em poucas vezes há alguma doação de uma empresa ou piloto de rally e, já que estão nas mãos, as cestas são levadas e geralmente entregues em escolas, para evitar qualquer tipo de confusão.
Digo isso, pois outro dia li sobre o Programa Bolsa Família do governo. Me espanta pessoas o elogiarem ou dizer que é preciso. Não sou nenhum conhecedor da vida e do sertão brasileiro, mas fui para lá algumas vezes e posso dizer o que eu vejo. Independente de haverem cidades extremamente pobres ou de difícil aesso, essa história de fome e seca, não é exata como é pintada. Há fome? Há seca? Sim, longe de eu dizer o contrário. Mas são fatos, muitas vezes, pontuais, assim como há uma fome, milhares de vezes, e repito: milhares de vezes!, mais mesquinha em São Paulo ou no Rio de Janeiro, onde ela é acompanhada por miséria e pessoas procuram seus alimentos no lixão.
No sertão não há miseráveis como os há em grandes centros brasileiros. É uma gente humilde em grande parte sim, mas feliz e trabalhadora. Mesmo sem emprego geralmente buscam uma terrinha para plantar. A velha indústria da seca está viva como nunca. Ela e a fome exalam dos discursos políticos em vésperas de eleição e, ainda hoje, elegem presidentes.
O Bolsa Família é um programa extritamente assistencialista. Apesar de, à primeira vista, parecer algo positivo (uma renda aos desempregados e pobres), é uma chaga na pela brasileira.
Luiz Gonzaga cantava, na época de Juscelino Kubitschek, uma música que clamava contra o sentimento de pena e doações que os nordestinos recebiam após uma grande seca que prejudicou suas plantações. Dizia em uma parte: "E doutor, uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão". O Bolsa Família é exatamente isso, UMA ESMOLA. Dita assim, em letras maiúsculas. Com a diferença que hoje, em muitos casos, a letra da musica poderia ser mudada para "deixa o homem sem-vergonha e vicia o cidadão". Claro que também não sou obtuso a ponto de dizer que é sempre assim, longe disso, há pessoas que realmente são necessitadas e levam suas vidas com essa "mesada". Assim como eu posso chegar sobre o viaduto do chá e jogar lá embaixo um monte de notas de cem reais. Uma ou outra, acertará em cheio a mão de um necessitado que realmente necessite muito, mas em troca de quantas notas caídas em vão? Ouvimos muitos comerciantes locais e fazendeiros dizerem que não conseguem registrar seus trabalhadores, pois ninguém quer perder o Bolsa Família. Ouvimos outras histórias de pessoas que se acomodam e nunca mais querem saber de trabalhar, muitas vezes usando o seu ganho para a bebida. Outra mazela é o fato deste programa dar uma quantia a mais para o número de filhos que uma pessoa tem. O rsultado?: aumento populacional.
Enfim, muitos podem achá-lo necessário, mas a roda do progresso, empurrada pelo futuro, mostrará, lá na frente, que gastamos um dinheiro enorme com algo que não serviu para mais nada além de dar votos. Uma "dinheirama" que, aplicada na estrutura de regiões necessitadas, poderia dar um ótimo resultado em pouco tempo.
Assistencialismo não resolve o problema. É como enxugar uma sala com a torneira aberta. Não é muito mais fácil ir direto à causa do problema? Deve-se apenas dar dois passos a mais e fechá-la com a mão.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Histórias d(n)o Lixo: O mendigo (por Valter Lima / Wolber Campos)

Na Central de Triagem do Lixo, era mais uma normal manhã, e os trabalhadores seguiam separando o material reciclável dos orgânicos. Até que ouviram alguns resmungos entre os sacos que caíam na esteira. Preocupado, o primeiro homem apertou o botão que cessava o movimento e uma cena bizarra surgiu diante de seus olhos: uma forma humana se levantava em meio a trapos, papéis e todo o lixo, gemendo.
- Ei... O que vocês estão fazendo comigo? - perguntou, sem ao menos saber onde estava ou para quem estava perguntando.
"Meu Deus, quem será que jogou um mendigo no lixo?", pensou um dos trabalhadores. Apesar da cena assustadora, a turma não sabia se ria ou se se espantava. Acabaram rindo.
Com algumas informações do pobre homem, Valter decifrou o mistério.

Numa rua de São Paulo, o mendigo andava trôpego. Havia tomado algumas cachaças para espantar o frio - e pra ficar "doidão" mesmo. Já não mais aguentaria andar em breve, o sono deixava seus olhos praticamente fechados. Viu na esquina um daqueles enormes conteiners de lixo e pensou: "deve estar quentinho la dentro". O ultimo esforço que conseguiu fazer foi subir em uma caixa, que estava ao lado, e se jogar tampa à dentro. Fechou-a e desejou para si mesmo: "Boa noite".
Algumas horas depois, se aproximou um caminhão de lixo gaiola - aqueles que esvaziam os conteiners pela cidade. Numa discussão acalorada sobre o futebol do fim de semana, o motorista e o ajudante desceram. O primeiro, automaticamente, engatou as hastes do caminhão na enorme caixa de lata, checou se a tampa estava liberada e pressionou o botão no caminhão que iniciava a subida do lixo. Distraído se esqueceu de olhar no interior do conteiner e o lixo - e, diga-se de passagem, o mendigo - foi jogado dentro da gaiola, no alto do caminhão.

Na área de triagem os homens ainda se divertiam com a história. Valter ligou em seguida para a assistência social da prefeitura que levou o homem embora.
Realmente, no lixo a gente encontra cada coisa...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

"Homem de Deus!"

Severino era caminhoneiro de uma grande empresa. Pernambucano "arretado", metido a machão, não perdia oportunidade de contar aos colegas suas inúmeras histórias de coragem e "brabeza".
Era conhecido por sua constante introdução aos assuntos: "Homem de Deus, você precisa ver..." e falava sobre o que faria na situação de algum injustiçado. Seria uma pancadaria só!
Como motorista profissional, ficava muito estressado no trânsito. Era comentário geral dos ajudantes que viajavam ao seu lado, seus xingamentos e ameaças, mas sempre dentro da própria cabine, sem que alguém o escutasse.
Certo dia, Severino parou no farol vermelho e um carro, acelerando, passou ao seu lado tentando "furar" o semáforo. O cabra macho não pensou duas vezes, para apreensão do ajudante que ia ao seu lado, colocou a cabeça para fora e gritou:
- Filho da puuuuuuuuuuuuta!!
O carro parou automaticamente. Acendeu a luz de ré e voltou, bem ao lado de severino. A porta se abriu, desceu um homem muito alto, desses "bombados" por excesso de academia, apontou o dedo para o motorista que permanecia impassível, fitando o interlocutor.
- O que você falou???? - disse quase gritando e com cara raivosa.
"Ai meu Deus, agora o Severino pega a peixeira e seja lá o que Deus quiser!", pensou o ajudante.
Ele calmamente soltou:
- Homem de Deus, eu falei: "olha o farol"... - disse baixinho, quase com ternura.
Severino virou piada na empresa, dizem que saiu dias depois por não aguentar a zombaria sobre sua recente história.
Hoje ninguém sabe seu paradeiro, mas todos imaginam que seus contos de "brabeza" devem ter minguado.