sábado, 27 de dezembro de 2008

"Feliz Natal!"

Neste Natal, relembrei uma época em que o significado desta data era outro, completamente diferente. Na verdade, penso que era o verdadeiro significado e que, durante os anos, ele foi se perdendo, desaparecendo enquanto o tempo ia passando.
Senti saudade daquela sensação de plena felicidade quando passava, no banco de trás do carro, e avistava as alegres luzes enfeitando as casas e estabelecimentos comerciais. Não era só por se aproximar o dia em que eu ganharia presentes, a alegria brotava em meu peito simplesmente por ser o tempo de lembrar o nascimento de Jesus, por serem dias em que o ser humano é inconscientemente mais caloroso e preocupado com o próximo. Mesmo sem entender isso com minha pouca sabedoria de criança, o puro sentimento atingia diretamente meu pequeno coração.
A nostalgia foi me atingindo de um jeito que resolvi tentar a sentir aquela "magia" novamente. No banco de trás do carro, como a muitos anos não fazia, olhei pelo vidro traseiro, diretamente para os motoristas que vinham logo atrás. Senti como se estivesse dando um simples "tchau" pela janela e festejando quando o motorista, um desconhecido, sorriu e correspondeu ao meu aceno.
Em seguida uma senhora, com "pinta" de séria chegou bem pertinho e, sem exitar, com a língua para fora, fiz uma careta. Quase gargalhei quando a velhinha fez uma careta ainda mais feia do que a minha!
Tudo aquilo voltou a me dar a plena sensação de felicidade, que eu não sentia desde que era criança e que, mal sabia, me fazia uma falta enorme.
Passamos uma casa enorme, toda enfeitada com luzes e bolas coloridas de natal. Não conseguiria explicar a alegria que invadiu meu peito de criança, simplesmente por me lembrar que era natal, algo que já sabia antes de olhar para aquela casa...
Um homem passou ao lado de minha janela aberta e sem medo gritei: "Feliz Natal!". O amigo desconhecido acenou e respondeu: "Feliz Natal, meu filho!"
Tudo era muito gostoso e nesse momento senti pena de todos aqueles adultos que não mais sentiam essa alegria pura. Que se esqueceram do real significado do Natal. Que muitas vezes passam por lugares lindos e iluminados e não sentem aquel frio na barriga que me embreagava naquela hora.
Pensando nisso me senti feliz em ser criança, mesmo que por poucos minutos, novamente, e me fiz uma promessa: nem que seja por pouquíssimo tempo, sempre que dezembro chegar, deixarei aquele pequeno garoto renascer e me ensinar algo que nós nunca deveríamos esquecer.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

"A lenda de Lampião"

Num trabalho em Mossoró - RN conhecemos o escritor de cordel Nildo da Pedra Branca. Lá, ele nos presenteou com a declamação de uma das suas histórias: "O dia em que conheci Lampião". Bruno, nosso amigo músico o apresenta e faz o fundo musical. O vídeo segue abaixo, fantástico!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Borboletas

O casulo balança, ligeiramente, para um lado e para o outro. Movimentos que mostram os primeiros desejos da borboleta de sair para sua nova vida. Esforço necessário para que o pequeno ser vivo ganhe força e resistência para enfrentar todos os desafios de sua existência. Se tentássemos ajudar, abrindo as fortes paredes para que a borboleta saísse com maior facilidade, acabaríamos criando um ser frágil e que não teria forças suficientes para os futuros obstáculos que viriam.
Se comparássemos essa história com a de um pequeno bebê nascido em 1994, poderíamos dizer que envolveram o seu casulo com ainda mais algumas camadas.
Minaçu, no sertão de Goiás, é uma cidade que possui um alto índice de abandono de crianças pelos pais. Entre outros motivos há um grande número de mulheres que são levadas para tentar a sorte na Europa, em empregos duvidosos. Assim os pequenos acabam sendo criados pelos avós, ou tios.
O destino de Jenifer seguiu linhas parecidas. Sua vida foi difícil desde suas primeiras horas, nascida de uma gravidez não desejada. Logo aos 3 dias de idade foi abandonada pela própria mãe num vaso sanitário de um banheiro público. Não fosse seu tio a encontrar a tempo a dantesca cena teria um trágico desfecho.
Seu tios a criaram com muito carinho, tanto que até hoje os chama de pais.
Desde esse trauma até os dois anos passou por muitas doenças que a afligiram, principalmente a amigdalite.
- Minha infância foi muito difícil, sofri bastante com essas doenças, mas Deus me deu mais uma chance e estou aproveitando o máximo possível! – costuma dizer, sempre analisando o lado bom de tudo.
Por volta dos 7 anos seus pais começaram a notar o gosto que a pequena apresentava para cantar. Mas diferente dele, admirador de música caipira e dela que aprecia o gospel, Jenifer gostava de cantar músicas em inglês, mesmo não entendendo nada das letras.
Foi assim que decidiram levá-la, aos 8 anos, ao primeiro festival de música. Teve ali sua colocação mais discreta até hoje: um sexto lugar.
- Nessa época não conhecíamos as regras e ela não foi muito arrumada. Eles dão pontos pra roupa também! – lamenta a tia/mãe.
Depois deste festival, só vieram sucessos: venceu todos os outros concursos que disputou. Uma voz linda e afinada, um timbre suave e um grande carisma deram grande vantagem nas disputas.
De todos os concursos que ganhou guarda um deles com um carinho especial. Em 2005, aos 11 anos cantou uma música bem animada da Avrill Lavigne.
- Nesse dia eu não fiquei nem um pouco nervosa. Eu dançava, pulava, batia palma, na maior animação. E todo mundo correspondia, pulavam e dançavam. Esse eu nunca vou esquecer, até chorei de tanta felicidade. – lembra emocionada.
Seu maior sonho é se tornar uma cantora profissional. Talento para isso ela tem, mas também sabe que, infelizmente, hoje em dia não depende apenas disso. Porém se não conseguir sonha também em ser médica. Adoraria poder salvar a vida de outras pessoas.
Pelo que já conseguiu ultrapassar até aqui, quem pode duvidar? Quem sabe o destino não colocou as dificuldades em sua vida justamente para que ela pudesse se sair delas mais forte. Como uma borboleta, consiga passar pelos obstáculos para alçar vôos cada vez mais altos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O gringo

Hoje cheguei tarde do trabalho. Senti saudade de um tempo em que as preocupações eram bem menores: provas, trabalhos da faculdade, treinos...
Junto à turma de amigos, um de nossos passatempos nessa época, era ir ao Select (loja de conveniência do posto Shell) jogar papo fora e comer o enorme "dog", com direito a cheddar e molho chilli.
Numa dessas noites o João - ele mesmo, o João Arantes, cronista desse blog - nos contou uma história:
"Sabe aquela situação em que você não sabe se fez a coisa certa ou não? Pois é, semana passada estava indo à casa de um amigo meu estudar e em frente ao seu prédio um homem, de seus 40 anos, terno e gravata, cabelos compridos num rabo de cavalo, me perguntou: ´do you speak english?´. Respondi o meu ´yeah, so so´ e ele, com cara de desespero me contou a sua história. Seria americano, professor da Unicamp (Iuniquemp, em seu inglês perfeito) e estava na Avenida Paulista quando foi assaltado. Levaram tudo, seu lap top, relógio e carteira com todos os documentos. A única coisa que pedia eram 30 reais para poder pegar um ônibus (comêtcha, em seu sotaque) de volta à Campinas.
Bom, na hora fiquei meio baqueado, sem saber o que fazer. Me comovi com tudo o que disse, porém vocês sabem, né?! Há tantos malandros por aí... Fiz o que minha consciência mandou: dei os 25 reais que tinha no bolso. Meus amigos da facul disseram que eu viagei, que caí no conto do vigário e tal. Se era verdade ou não eu não sei, mas estou tranquilo comigo mesmo."
Dissemos que estava certo, que era muito difícil julgar e tal. E só para mencionar, isso aconteceu em uma época em que 25 reais, para nós, fazia falta.
Tempos depois - em torno de uns 6 meses - estávamos nós, de volta ao Select, devorando os mesmos cachorros-quentes, com os mesmos molhos furiosos em cima. Como sempre conversávamos e ríamos bastante e foi assim, com sorriso no rosto que saímos da loja. Estávamos em 4 amigos e eu ia à frente. Antes de entrar no carro ouvi uma voz vinda da calçada:
- Hey, do you speak english?
Longe de lembrar da, agora antiga, história do João respondi o meu "so so", como se sua resposta ainda estivesse implantada em meu subconsciente.
Quando o homem começou a se aproximar e já ia balbuciando algo num inglês perfeito, João ao meu lado ficou pálido e apenas disse:
- Meu Deus, eu não acredito. - assim mesmo, sem exclamação, não por falta de vontade de usar o temido sinal gráfico, mas provavelmente por falta de força perante a surpresa que o abocanhava.
- É o cara. Vocês lembram da história?...
Nesse momento a lembrança surgiu e todos ficamos atônitos, sem saber que reação tomar. Fôssemos uma turma de playboyzinhos e o gringo malandro correria sério risco de ser espancado.
- Cara, por que você faz isso? - foi a única coisa que um João incrédulo ao nosso lado conseguiu dizer.
O gringo, agora branco de susto também por perceber o risco que corria, disse algo como apenas estar procurando a embaixada dos Estados Unidos - que antigamente ficava ali perto - e se mandou.
Ainda falamos a ele que é por causa de pessoas assim que deixamos de ajudar outras que realmente necessitam. Mas de que adiantaria. O melhor a fazer era consolar nosso decepcionado amigo.
Chegamos a uma conclusão: O João havia feito a coisa certa na hora. Agir diferente seria seguir contra uma vontade nobre de ajudar, algo que devemos sempre exercitar e nunca evitar. Um dia, em nosso país, hão de mudar as inversões de valores que hoje existem, onde o malandro, o esperto, quem tira vantagem, é visto como o sagaz e quem agiu honestamente, deixou de levar vantagem passa por tolo.
Nessa história toda havia apenas um tolo, um coitado, uma pessoa a quem devemos ter pena: um pobre diabo que passa seus dias tentando ganhar alguns trocados enganando pessoas honestas.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"Brasil, um país de todos." (por João Arantes)

Recebi em casa ontem a noite, um grupo de amigos para uma reuniãozinha despretensiosa de final de semana. Dentre eles, havia um casal que eu conhecia muito pouco; que acabou vindo à minha casa atendendo a um convite indireto de um amigo.

Enfim, em conversa com esse meu novo amigo, fiquei sabendo como o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) tinha sido largado pelas autoridades tucanas (PSDB) - ele havia trabalhado lá como engenheiro havia 10 anos. Segundo ele, foi promovido uma redução paulatina e gradual no orçamento da Instituição em questão - teria iniciado com o governador Mário Covas e levadas a cabo pelos governadores Geraldo Alckmin e José Serra. Ainda, segundo meu recente amigo, o que ultimamente teria dado um fôlego nesses últimos dois anos ao IPT, seria um projeto da Petrobrás fomentado pelo presidente Lula, que empossou o IPT na condução deste.

Coloquei no parágrafo acima, tudo o que sei a respeito do IPT. Não sei quão a reclamação desse meu novo amigo é procedente, quão o IPT é eficiente, o que motivou a redução do seu orçamento, até que ponto nosso presidente Lula foi feliz e autruísta com essa medida, mas enfim, essa história toda me remete a um outro ponto: massificação e qualidade.

Massificar significa perder qualidade! Ponto. É fato, infelizmente ou felizmente.

A geladeira da vovó durava uma vida inteira, em compensação, muito poucos possuíam uma igual. A minha geladeira que tem por volta de cinco anos, vem com instruções sobre a forma como devo jogá-la fora (desconectando-se a porta para que alguma criança brincando na rua não se tranque dentro dela enquanto a mesma fica aguardando o lixeiro na calçada).

O colégio estadual Fernão Dias Pais (por acaso o mantenedor desse blog é ex-aluno de lá) era referência de ensino de qualidade na geração dos meus pais; em compensação a população rural brasileira naquela época era incomparavelmente maior - quantos analfabetos por aluno que se formava custavam aquele ensino de qualidade?

Portanto temos aqui uma grande questão: quanto deve-se perder em qualidade em nome do aumento do acesso a uma determinada facilidade? Embora hoje em dia a geladeira dure muito menos se comparado às antigas, provavelmente encontraremos esses aparelhos em favelas. Se hoje o ensino provido por uma por uma escola pública fique muito aquém do que é exigido em um vestibular de uma faculdade de primeira linha, provavelmente o índice de analfabetismo seja menor que o do período do "colégio público de qualidade".

Agora, independentemente do culpado, o Brasil tem um problema grave: a dificuldade em se massificar o acesso às facilidades! Massificou-se o sistema de saúde por meio do SUS, e ele entrou em colapso! O poder econômico do brasileiro aumentou em uma década para cá: ficou ao alcance de mais pessoas viajar de avião e comprar um carro: caos aéreo e índices recordes de trânsito.

Voltando à saúde: não cumpre aqui debater se há poucos recursos ou se são suficientes, mas é óbvio que existe um problema grave de gestão. Hoje em dia, quem não possui meios para pagar um plano de saúde, fica refém do SUS. Logo de início, esse cidadão já tem um problema tão simples quanto dramático: tempo de espera para realizar consultas e exames. Quando esse cidadão (esse que só pode recorrer ao SUS) cai doente, ou quando precisa de uma consulta, bate na porta dos postos de saúde. Vai lá para marcar uma consulta médica, obter um diagnóstico que pode ou não exigir um ou mais exames. O mais comum é que, no posto de saúde, comuniquem a ele que deve voltar em 30 ou 40 dias para aí então marcar a tal data da consulta! Quando conseguir, talvez terá que esperar mais outros 30 dias. Trata-se de uma situação abominável. Se vocês, assim como eu que até uns dias atrás não tinha noção que era assim que a coisa funcionava, vão perguntar de imediato: mas e aí? Afinal o pobre coitado precisa de atendimento médico!

Aí acontecem várias coisas: o paciente se automedica, fica sem assistência e se cura, fica sem assistência e a doença piora, vai para um município vizinho onde o atendimento é um pouco melhor e, o mais comum, vai para um hospital. O hospital não foi feito para atender a consultas e exames. Hospital é lugar de emergência, cirurgia e internação. Os exames ali feitos são com essas finalidades. Ainda assim, o hospital não pode negar atendimento. Resultado: uma consulta que iria durar uns 20 minutos em um posto de saúde, dura 5 minutos em um hospital. O paciente sai, pelo menos, com uma receita e a crença de que foi atendido. O hospital deixa de cumprir sua função básica.

A crise aérea: uma pena que a resolução da crise aérea tenha sido por meio do aumento de passagens. Absolutamente lamentável. Já que não é possível atender mais gente, já que não temos capacidade gerencial, técnica, operacional de fazer com que o sistema funcione incorporando mais consumidores, a solução é muito simples: reduza-se o número de passageiros! Levando-se em conta que em um passado recente houve dois graves acidentes aéreos e comparando-se nosso tráfego de aeronaves aos tráfegos europeus e norte-americanos, pelo menos a mim fica explícita a dantesca incompetência gerencial desse governo para o setor de transportes aéreos! Sei que o jato da Gol pode ter sido abatido pelo Legacy por uma série de causas técnicas como o Tcas desligado e etc. Assim como sei que o jato da TAM pode ter caído porque estava chovendo, a pista não tinha grooving, etc etc etc... mas fato é: no primeiro caso houve um problema sim de infra-estrutura de controle do tráfego aéreo. Já no segundo, é sabido desde a época que fiz engenharia a quase 10 anos atrás, que o aeroporto de Congonhas em São Paulo deixou há muito tempo de operar dentro dos limites de segurança devido a alta demanda.

Índices recordes de trânsito: acho que dos três exemplos, esse é o mais visível, o mais presente em nossos cotidianos. A solução? Transporte público. E a grande culpa do governo aqui é na falta de investimentos sérios nesses transportes coletivos e em segurança. Isso fica evidente quando você tem a oportunidade de, em um país desenvolvido, pegar um metro as 22hs e flagrar um casal retornando de um jantar de gala. No Brasil, transporte público é coisa de quem não tem outra alternativa. Uma parcela insignificante da população recorre ao transporte público se tem outro meio de se locomover. O pouco serviço que existe não atende a demanda, os veículos são sujos, operam em condições precárias de segurança, isso tudo para não falar da insegurança pública que os ronda!

No caso do IPT, que comentei no início desse texto: estamos falando aqui de um dos poucos centros de tecnologia com reconhecimento internacional desse país. Este não estaria padecendo de algum tipo de massificação? Estaria aí vindo alguma solução desastrada para uma das poucas empresas nacionais que não vende apenas "commodities"?

Bom isso tudo é para evidenciar a dificuldade do Brasil em massificar, popularizar o acesso a bens e serviços. Sempre que são minimamente feitos, trazem consigo um efeito colateral brutal: perda de qualidade.

Para atender a essas e muitas outras demandas populares, é necessário muito mais que boa intenção, é preciso gestão séria - a palavra séria aqui vai muito além do "trabalhar duro" - vai mais no sentido de "trabalhar pelo todo", de "ser mais comprometido com a comunidade, principalmente quando para isso seja necessário abrir mão de vantagens localizadas", significa aprovar um projeto de lei porque o mesmo será benéfico para a sociedade, e não porque ele vai dar fama e crédito ao partido "A" ou "B". O Congresso Nacional, o Senado e o próprio Poder Executivo deveriam trabalhar de forma mais alinhada com a sociedade e menos atenta a aprovações condicionadas a cargos em ministérios e autarquias públicas.

Do nosso lado, cabe exigirmos mais; sermos mais incomodados, inconformados com essa situação que embora venha mostrando sinais de que está rumando a administrações cada vez mais sérias, caminha a passos de tartaruga.

Do contrário, o título desse texto que é o slogan da atual gestão presidencial, para refletir a realidade do nosso país por mais tempo ainda deveria ser mudado para: "Brasil, um país para poucos."

É isso aí pessoal, até mais.

João Arantes é engenheiro, tem 31 anos.

domingo, 23 de novembro de 2008

Luau na Van

Nas viagens a trabalho pelo sertão uma das coisas que reforçamos sempre é a amizade. Entre as cidades: grandes deslocamentos, muitos buracos, cansaço por um dia agitado de trabalho. Tudo passa despercebido quando estamos entre amigos de verdade. Um dos itens que nunca podem faltar é o violão, sempre pronto pra alegrar qualquer momento. Não interessa se está afinadíssimo, nem se as vozes estão roucas ou fora do tom, o que importa é a diversão!


domingo, 9 de novembro de 2008

Ele Voltará!

Domingo de sol. Entro no carro e, automaticamente ligo o som. Minha rádio preferida, ainda, é a Kiss fm, uma das poucas que toca apenas rock. Como é voltada para os clássicos costuma nos presentear com músicas mais antigas. Porém, aproveitando-se do filão de órfãos da 89 fm, a ex-rádio rock - que além de ser assassinada por algum aficionado por música black e eletrônica teve sua pobre carcaça usurpada para tal fim – iniciou uma programação com músicas mais recentes.
Não sou um simples saudosista... Ou melhor, admito: sou um simples saudosista! O que queria dizer é que não o sou pura e simplesmente, sem motivos, apenas por discordância burra e teimosa, como um tiozinho que teima que sua opinião é a melhor saída. Creio que tenho meus motivos.
Sou um amante do “bom e velho rock and roll” ( alguém já ouviu uma frase que tenha se encaixado melhor para um estilo musical do que esta que as aspas encerram?!) e como tal choro por dentro, diariamente pela sua recente morte. Basta observamos que não há, infelizmente, novidades ou lançamentos que mereçam nossos ouvidos hoje em dia.
A diferença de criatividade e mesmo de esforço para a composição nos dias atuais é um absurdo! Penso que a criação musical deve ser arte, tem a obrigação de tentar ser uma obra prima. A música é arte.
Podemos olhar para os Beatles (para os que não gostem deles podem escolher outra banda dos anos 60 ou 70), suas composições eram geniais. Uma música chega a ser tão completa que nos passa a idéia de perfeição, como se não fosse possível acrescentar mais nada, algo como: impossível torná-la mais bela. Deviam passar horas debruçados sobre a criação, “uterina” ainda, de um companheiro; imaginando arranjos, acrescentando instrumentos, tendo todo o trabalho e preocupação de torná-la uma música perfeita, a música, uma obra prima.
Naquele tempo eles lançavam um álbum com 12 ou 14, músicas absurdas – no bom sentido. Discos que pareciam ser coletâneas, já que praticamente todas eram ótimas e viraram sucesso. No ano seguinte lançavam outro, totalmente diferente, mais canções únicas. Alguns meses depois chegava um novo às lojas.
Hoje vemos bandas grandes e boas, que ainda nos fazem respirar um pouco, nesta falta de oxigênio musical que nos sufoca, como U2 e Pearl Jam por exemplo, que lançam um novo CD. Escutamos, até gostamos. Mas é inegável que das 12 ou 14 músicas, duas ou três são muito boas, se tornarão clássicos. O resto, geralmente tapa os buracos do álbum. Após este lançamento, podemos esperar mais uns 4 ou 5 anos para o próximo.
A diferença entre as músicas de ontem para hoje me parece como a cruel diferença entre algo bonito e uma obra de arte. Algo como o belo desenho de um amigo e uma pintura de Michaelângelo.
Porém há uma luz no fim do túnel e não é a de um trem que num insano ritmo de tecno passará por cima dos pobres órfãos do rock e seus iPods solitários. Como quem espera a volta do messias, esperamos ansiosos pelo breve renascimento do rock and roll. E o obstreta divino da música prevê esse renascimento para 2010.
O fato é mais simples de se explicar do que procurar a conjunção dos astros ou números cabalísticos. O rock se firmou, nos moldes eternos como é hoje, nos anos 60. Porém nos 70 algo grandioso aconteceu. O número de bandas (boas) que apareceram foi fantástico o que deu conta de algo tão fatídico como o fim dos Beatles. Outras lançaram suas obras mais importantes como The Who, Led Zeppelin, Queen, Deep Purple, enfim, a criatividade transbordava em uma das épocas mais loucas (no bom sentido, novamente) da história.
No começo dos 80 o rock entrou em queda. Apesar de bandas que continuaram com sua bandeira hasteada, como o Police, e outras que já nasciam clássicas, como o U2, é inegável sua decadência nesta década.
Porém – graças a Deus sempre existe um “porém” do bem... – no começo dos anos 90 houve um ressurgimento. Como uma Fênix, se levantando com sua guitarra nas mãos, ótimas bandas nasceram. Living Colour, Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, Red Hot, Stone Temple Pilots e muitas outras deram uma cara mais moderna, mas sem nunca se esquecer do velho “punch” do rock e nos devolveram a alegria de ligar o rádio e ouvir uma seqüência de músicas novas, lançamentos que enchiam nossos sedentos ouvidos como um bálsamo a curar as feridas provocadas por tanta tranqueira que entravam por ali.
Depois desta nova década de abundância criativa os anos 2000 chegaram com nova queda sonora. Os deuses musicais abaixaram os volumes de seus amplifidadores cósmicos novamente, como uma necessária pausa de uma década para brotar suas idéias nas mentes dos pobres mortais aqui embaixo.
Faltam dois anos, mal posso esperar! Sorrindo deixo a rádio de lado e coloco um CD do Who no som do carro, feliz, como um pai que aguarda ansioso o nascimento de seu próximo filho.

A volta

Olá amigos! Voltei.
A volta de uma dessas viagens é sempre de adaptação, afinal de contas, é quase um mês fora de casa, vivendo numa rotina completamente diferente à que estamos acostumados. Lá, depois dos primeiros dias de trabalho não temos mais noção de que dia da semana estamos, já que sabado, domingo ou feriado é a mesma coisa.
Tudo ocorreu muito bem por lá, muito mesmo. A cada dia ficamos mais impressionados com o crescimento do projeto.
Agora é arregaçar as mangas e trabalhar pra pagar as contas atrasadas e recuperar o tempo GANHO (este tempo nunca seria perdido...).
Com o tempo postarei algumas histórias do sertão, por enquanto deixarei uma que escrevi antes de viajar...

Abraço a todos!
Wolber Campos

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Amor de mãe

Poucas coisas estão mais enraizadas ao senso popular. O amor materno é algo instintivo, inexplicável e completamente necessário para o desenvolvimento humano e da sociedade. O que seria de nós sem este carinho universal? Como lidaríamos com uma vida sem este bálsamo diário?
Um garoto de quinze anos pode tentar responder a essas perguntas. Seu nome é Jackson. A comunidade de Canudos, na Bahia, é seu lar. Lidar com o abandono é sua sina, seu duro cotidiano.
As regras costumam ter suas exceções e não é fato raro, ou novidade, observarmos mães que maltratam seus filhos ou que cedo os abandonam. O que torna a história de Jackson diferente é quando isso aconteceu.
Sua infância, como a de muitos garotos sertanejos, não foi fácil. Foram muitos os dias em que passou fome com seus três irmãos devido às dificuldades financeiras da família. Se alimentavam apenas uma ou duas vezes por dia. Havia ocasiões em que tomavam leite de manhã e agüentavam até de noite para poder comer algo.
- Mesmo assim não era ruim não, a gente tava “tudo” junto e vivia feliz, uns cuidando dos outros. – diz, com o sorriso de quem se lembra de uma coisa boa.
O pai esteve ausente durante toda sua vida. De vez em quando o encontra pelas ruas e, respeitoso, sempre o cumprimenta pedindo “bênção”, mas a relação “pai e filho” sempre acaba por aí.
- Pra falar a verdade, se meu pai morresse eu não ficaria muito triste, de chorar, não. Eu nunca tive contato com ele mesmo. Agora se minha mãe morresse aí eu ficaria triste. Apesar de tudo que ela me fez não sinto raiva dela. Sinto falta.
Sua vida começou a mudar quando a mãe conheceu Antônio. Desde o começo percebeu que o novo namorado dela não se preocupava em ser agradável, nem com ele nem com seus irmãos. Muito pelo contrário: perdeu a conta de quantas vezes o homem foi grosso ou os maltratou. Porém, com Jackson, era ainda pior, se tornava até agressivo.
Mas o que fazer, se era a escolha dela...
Tudo começou a piorar quando ela decidiu morar com Antônio. No princípio os quatro filhos foram juntos. Porém em uma casa estranha e com um padrasto agressivo - que demonstrava não estar nem um pouco feliz com a presença dos filhos de sua amaziada - logo perceberam que a vida não lhes reservava flores nos próximos dias.
O padrasto arrumava qualquer motivo para poder brigar com o rapaz e quando não havia, inventava alguns:
- Ele começou a dizer que eu fumava maconha. “Magina”, nunca fui dessas coisas. Mas ele espalhava isso pra todo mundo.
Com o tempo a agressividade foi aumentando. Várias vezes, ao chegar tarde da escola, o portão da casa estava trancado. Jackson tocava a campainha mas ninguém lhe abria a porta. Sabia que todos estavam lá dentro, mas não davam sinal algum. Só não dormia ali, na calçada, em frente ao portão, porque a vizinha se compadecia e o convidava pra passar a noite em sua casa.
Sua tristeza aumentava cada dia mais ao perceber que a mãe não ficava do seu lado. Acompanhanva passiva o sofrimento do filho.
Tudo seguiu na mesma triste rotina até o dia em que em outra discussão infundada o padrasto o expulsou de casa. De tudo o que sentia naquele momento, o que mais doía era olhar sua mãe e perceber que ela não tomava partido. Consentindo, ela ali, quieta, também o expulsava de casa. Jackson, aos 11 anos, era abandonado por sua mãe.
Sem rumo, ou algo a fazer, voltou para Canudos Velho, onde conhecidos poderiam ajudá-lo.
Raimundo, um pedreiro de aparência séria, mas de coração mole, resolveu abrigá-lo em sua casa, junto aos seus outros dois filhos. E lá o rapaz ficou por alguns meses.
Eduardo, um homem bondoso, dono de um bar num bairro mais afastado dali, se emocionou com sua história e o convidou para morar com ele. Jackson, nas primeiras vezes agradeceu e recusou. Maior era o medo de ser rejeitado pela terceira vez, depois do pai e da mãe. Como um pequeno gato, que fica arisco e mais distante depois de ser muito maltratado, ele se manteve um pouco afastado de tudo.
Mas o tempo, que tudo cura, foi passando e a alegria habitual foi voltando ao seu grande e maltratado coração. Aceitou o convite de Eduardo e foi morar em uma nova casa, desejando agora começar vida nova, deixando para trás todas aquelas dificuldades e tristezas ultrapassadas.
- Não vou me revoltar com tudo isso. Sei que não vai me ajudar em nada, muito pelo contrário.
Hoje Jackson sonha. Com uma vida nova, com o carinho de uma família, com um futuro mais amigável. Sonha também com um video-game, com óculos escuros bonitos como os de um amigo seu de São Paulo, com uma bicicleta. Sonhos que, grandes ou pequenos, vibram em seu peito com o mesmo valor.
Nota-se isso em seu sorriso aberto sobre sua nova bicicleta. Ele e o amigo Quinha ganharam uma cada um do Instituto Brasil Solidário pela ajuda que sempre prestam quando o IBS está na região.
Vento em sua face, a música do pneu empurrando o asfalto sob si, os olhos no horizonte. Segue firme pela estrada de Canudos Velho, pedalando adiante, como quem segue buscando o seu futuro. Na esperança de que ele seja tão bonito quanto aquele belo pôr-do-sol que se esparrama à sua frente.

O pé na estrada

Olá amigos!
Nesta semana, quarta-feira (dia 8 de outubro), parto em viagem novamente pelo sertão com o IBS. Chegaremos em Goiânia, onde trabalharemos na quinta e sexta e de lá seguimos para Uruaçu (GO), Paranã, Ponte Alta, Palmas (TO), Balsas, Nova Iorque (MA), São Raimundo (PI), Crateus (CE), Mossoró e Natal (RN).
Ficaremos um mês na estrada, por isso o blog poderá ficar um tempo sem atualização, para a tristeza de seus mais de dois leitores assíduos (tudo bem, eu admito: eu sou um desses dois...) rs
Porém tentarei postar algumas fotos e a história do Del pelo caminho.
Delino é um garoto de Nova Iorque, no Maranhão. Conheci a história difícil dele e aqui em São Paulo, quando voltei, organizamos uma vaquinha para comprar um violão, um afinador, jogo de cordas e bag para dar a ele de presente. Como é um garoto super inteligente (e é mesmo!) deve aprender fácil. Quem sabe futuramente não temos um ótimo violeiro por aquelas bandas?! Imagino que ele ficará maluco com o presente, vamos ver...
Posto em seguida uma última história antes da viagem, a de Jackson, nosso amigo de Canudos.
Amigos, ótimos dias a vocês!! Até a volta!

Grande abraço!
Wolber Campos

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O olhar

Para quem gosta de arte, qualquer tipo dela, é sempe um prazer ver uma imagem clicada pelo olhar do artista.
Tirei muitas fotos do arco-íris da história anterior. Mas nada como a visão do fotógrafo profissional.
O Luis aproveitou tudo aquilo que eu disse: sobre as crianças, as brincadeiras com as bexigas, o arco-íris, a represa, e condensou em um clique. Uma imagem que exprime tudo o que eu não consegui nas muitas palavras esparramadas logo abaixo.
Arte pura!

Foto: Luis Salvatore

domingo, 28 de setembro de 2008

"Diário de Bordo": Canudos - Final de ouro

Há aquelas situações em que passamos por momentos fantásticos e lamentamos a falta de uma máquina fotográfica ou filmadora para registrá-los. Ficamos com imagens e histórias gravadas em nossas lembranças mas com uma sensação de frustração ao contar para os amigos e não conseguir passar nem 10 por cento de toda a emoção que presenciamos. Aquela velha máxima: uma imagem vale mais que mil palavras.
Ou então estamos submetidos à maldade engraçada de nossos amigos: “Ah... Tá bom, acredito...” e àquelas risadinhas que normalmente seguem o comentário.
Ainda bem que em Canudos estamos com nossas máquinas conosco o tempo todo. O que presenciaríamos na tarde de nosso último dia seria algo realmente impressionante!
Em nossa última noite tivemos uma reunião com alguns moradores da comunidade. Ali conversamos sobre o plano de saúde bucal, a biblioteca e os dois novos projetos para o fim de ano: o Papai Noel jagunço (claro que não tem esse nome, mas achei que somente “Natal” não exprimiria o sentido) e o Posto de Saúde do IBS.
Foram cadastradas todas as famílias da região – em torno de 140 – e todas receberão presentes doados aqui de São Paulo, uma semana antes do natal. Com direito a Papai Noel e tudo. As crianças que moram ali o conhecem, mas nunca viram um “ao vivo”.
Quem tiver interesse em presentear uma família pode ligar para o IBS (Tel: (11) 3791-0015) e pegar a lista de uma família – há diferentes números de familiares e de crianças – e mudar o natal de pessoas maravilhosas que nunca tiveram a oportunidade de viver um natal como nos filmes que povoam sua tv no fim de ano.
Já o Posto de Saúde é um sonho antigo do Instituto. Do mesmo modo como foi feita a biblioteca o Luis propôs aos moradores nova parceria: nós daríamos o material e eles subiriam a construção. Será uma grande casa geminada, onde de um lado funcionarão salas médicas e odontológica e do outro uma casa para os voluntários. Em dezembro, junto com o natal da comunidade, será inaugurado o Posto.
Refaço aqui meu convite aos amigos dentistas e médicos. Será uma semana de trabalho/férias, o tipo de trabalho que não cansa, faz um bem enorme a todos e recebemos muito, mas muito mais do que poderíamos se ganhássemos em dinheiro. Além disso conhecerá um lugar mágico (coloquei essa palavra assim mesmo, sem aspas) onde o tempo parece correr de forma completamente diferente ao que estamos acostumados. Acordar, tomar um banho na represa, atender, conhecer pessoas de bem, noites muito agradáveis... Recomendo muito!
No dia seguinte à reunião acordamos já com aquela conhecida sensação de tristeza. Seria o dia da despedida. Daríamos “até logo” a pessoas que não só nos recebem, mas também nos consideram, como se fôssemos da sua família.
O Luis costuma chamar a Madalena de mainha. Naquele pouco tempo em que convivi com ela – nas outras vezes que havia ido à comunidade não fiquei hospedado em sua casa – me senti realmente como se fosse da família. No café da manhã, meio sem jeito, perguntei à Madalena se podia chamá-la de mainha também, ao que ela respondeu:
- Ô meu filho, mas eu ia ficar feliz é demais!
Partiríamos logo depois do almoço rumo à Salvador, por isso resolvemos aproveitar a última manhã e nos despedir também da bela represa sobre a antiga cidade de Bello Monte. O sol estava quente e no horizonte, em alguns pontos espalhados, víamos aquela pequena cortina de chuva.
Enchemos o carro com nossos amigos e com todas as crianças e descemos para a água, que estava naquela temperatura perfeita.
Ali o Luis inventou um novo esporte: o arremesso de crianças à distância. O Gabrielzinho e a Gabriela, dois irmãos de 4 e 6 anos, bem levezinhos voavam alto para cair na água alguns metros à frente.
Quando íamos ao simpático e rústico barzinho que descansava ali na beira da represa, as crianças nos acompanhavam e faziam a festa nos salgadinhos e refrigerantes. Eu e o Luis deixávamos que os pequenos se lambuzassem e se divertissem, comendo tudo o que seus pais não deixariam antes do almoço. Como é bom ser criança!
O preferido de todos era um saquinho de uns 15 centímetros – como aqueles de chup chup, ou geladinho, só que mais grossos – cheio daqueles salgadinhos amarelos e fininhos, gostosos mas que paradoxalmente tem gosto de nada com sal. Comiam tudo e logo vinham pedir para que pegássemos mais. Depois de me pedirem uns trocentos, comentei com o Luis: “caramba, como as crianças estão se empanturrando com esses salgadinhos”, dava até medo de passarem mal. Então descobrimos o motivo da fome incessante: cada saquinho tinha bem lá no fundo uma bexiguinha colorida, dessas de aniversário. Eles comiam tudo e depois ficavam enchendo e brincando com as bexigas.
A hora de subir estava se aproximando, logo teríamos que almoçar e arrumar as malas. Nesse momentos estávamos todos na água. O Luis então juntou toda a turminha para um agradecimento. Nos demos as mãos e ele começou um pequeno discurso, de tudo o que sentíamos mesmo, dizendo que nós agradecíamos muito por todos nos receberem tão bem, que somos todos uma família mesmo, num tom bem emocionante. De repente olhei para o horizonte e não pude acreditar: havia um halo esverdeado/ avermelhado, uma luz colorida sobre a região do parque estadual, onde houve a guerra. Nunca havia visto algo parecido, imaginei ser um arco-íris mas não sabia que ele poderia se deitar, tão caprichoso numa só região, fugindo àquela conhecida forma de arco que lhe dá o nome.
- Luis, dá uma olhada ali - o interrompi, ainda boquiaberto com a visão.
Ele parou, olhou pra mim com os olhos arregalados e começamos a dar risada. Depois conversaríamos sobre esse momento e vimos que pensamos a mesma coisa: não podíamos cortar aquele clima de agradecimento sincero com os amigos de uma vez, mas ao mesmo tempo nossas máquinas "gritavam" de dentro das mochilas: "O que vocês tão fazendo parados aí!! Acha que todo dia tem um fenômeno desses??!!"
Ainda estávamos todos de mãos dadas, Luis rapidamente agradeceu, demos aquele abraço geral em todos, como num time de futebol americano e saímos correndo, em disparada, para nossas desesperadas máquinas fotográficas.
Graças a Deus (e só ele podia nos presentear com uma visão daquela...) conseguimos chegar a tempo de fotografar aquela cena magnífica.
Assim, pouco a pouco, o árco-íris foi nascendo, subindo no horizonte, retomando sua forma habitual.
- Meninos, vocês viram que coisa mais linda que foi aquele arco-íris que apareceu?? - nos perguntou a Madalena quando subimos, pouco mais tarde. Disse que estava preocupada que nós não estávamos ali e se estávamos vendo aquilo. Assim percebemos o quanto o fato foi único: ninguém ali também tinha visto algo igual. Mesmo no lugar mais mágico que eu conheço...
Ficamos ali, na frente da represa, assistindo ao espetáculo da natureza, ao vivo, para todos nós. A tristeza de ir embora sumiu, esmagada pela euforia de ver algo tão bonito.
Com este fechamento perfeito sabíamos que havia chegado a hora de voltar. Agradecidos por tudo o que passamos naqueles poucos dias em Canudos.





terça-feira, 23 de setembro de 2008

Ponto de vista (por João Arantes)

Há cerca de uns dois ou três mêses atrás, recebi um e-mail de uma amiga: neste, ela encaminhava um texto não assinado de um autor que citava uma série de razões para mostrar porque (na opinião dele, é claro) comprar um iPhone seria um “mico”; na introdução do texto, de forma irônica, ele critica aqueles que colam um adesivo em forma de uma maçã (símbolo da Apple) no pára-choque do carro.
Foi aí que me senti estimulado a responder o tal e-mail: já tive um dia um carro com um adesivo de uma maçã colado no para-choque; me senti portanto na obrigação de colocar aqui meu ponto de vista.
Vamos lá: vou começar pelo título do texto: "Por que você não precisa de um iPhone"
Na minha opinião, aqui o autor foi pouco específico em sua colocação; explico: ele começa o texto dizendo que apesar deste aparelho da Apple (ainda mais na nova versão 3G) ser "inovador e revolucionário" (sic), a euforia observada por alguns consumidores ao redor do mundo em obtê-lo não se justifica por nada; até aí, beleza: opinião dele - mas na hora de justificar porque acha isso, ele cita um tal japonês que ficou na fila e foi o primeiro a comprar o aparelho.
Ok, entendi que ele achou o cara ridículo por isso, mas porque? De repente foi por que o centésimo consumidor, que chegou na fila três dias depois do primeiro, e apesar de ter perdido muito menos tempo esperando, comprou o mesmo aparelho apenas três horas depois do japa... Ou seria porque se o nosso protagonista oriental tivesse deixado para comprar dois dias depois do lançamento, provavelmente não teria encontrado fila alguma?
É claro que, de um modo irônico, fiz as perguntas acima para evidenciar que o autor, apesar da intenção (acredito eu), fez um pequena confusão entre "você creditar sua felicidade em consumo compulsivo" e "o fato do coitado querer ter o tal iPhone 3G Mega Plus o mais rápido possível". E se o japonês é tão aficcionado em tecnologia que para ele é importantíssimo ter o telefone "ban ban ban"? Imagino que o cara jamais quis ter sido o primeiro consumidor dessa nova versão, mas apenas quis tê-la assim que ela estivesse no mercado (ao pé da letra).
Achei que ele fosse discorrer sobre um problema crônico de sociedades onde as economias têm se desenvolvido bastante: consumo compulsivo como remédio para estresses, depressões, problemas em casa, no trabalho e etc. Também achei que ele fosse falar sobre valores que começam a se deturpar; onde possuir determinado objeto da marca X ou Y, faz a pessoa melhor ou pior. Onde deixa-se de lado uma vocação, para se trabalhar em outro ramo apenas para aumentar ou manter a capacidade de ter - nome disso menos "eufemizado": "escravo do consumo".
Por outro lado, que atire a primeira pedra quem nunca quis ter algum determinado objeto por desejo! Oras, é natural! É do ser humano! Acho que deva existir aí um ponto de equilíbrio: desde que você, de forma absolutamente ética, esteja disposto a pagar o preço por ele (que aí entenda-se todos os custos além do monetário), maravilha!
Portanto aqui fica uma sugestão de mudança para o título do texto: "Por que você não precisa de um iPhone para ser feliz"
Em relação às 10 razões técnicas que o autor comenta para justificar porque o tal iPhone "não é perfeito" (sic): eu, que apesar de admirar, "manjo bulhufas" de tecnologia. Acho que os argumentos dele devem até estar bem fundamentados sob todos aqueles aspectos.
Mas pensem comigo: quem é que compra esse aparelho por motivos tão objetivos assim? Ele foi projetado para ser desejado, independente do que o faz e do que não o faz tão bom! Tanto é verdade, que apesar de todos os defeitos listados pelo nosso amigo autor, ele é um arrasa-quarteirões por onde quer que ele seja colocado a venda! Aqui, embora ainda estejamos às vésperas da sua venda autorizada, já podemos ver um monte de gente com ele e habilitado!
"E daí que a câmera só tem 2 megapixels? E daí que o "troço"não grava vídeos? E daí que etc (os demais motivos todos)?" Acredito que esse sejam os pensamentos do pessoal consumidor desse aparelho. Essas pessoas que não conseguiram nem esperar sua venda formal aqui no Brasil: vocês acham mesmo que elas estão preocupadas se o Office roda no sistema operacional do iPhone? E olha que só não existe mais gente com esses aparelhos piratas, por que ele tem um preço super inacessível (acredito que seja por volta de R$ 1.500,00); já começa aí uma peneirada forte!
Na minha opinião o iPhone vende p/ caramba por ter inovado mesmo! Por ter saído do óbvio - aliás uma característica do produtos da Apple: quando você acha que já existe um super equipamento, aparecem os caras com outro mais arrebatador! Nas poucas oportunidades que tive de pegar um nas mãos, o achei impressionante.
Por fim, sobre o sujeito que cola um adesivo da maçã no carro: aqui não vou estimar pelos outros; falarei apenas por mim: tive a oportunidade de trabalhar alguns mêses fora alguns anos atrás - lá conheci um "tocador de mp3" chamado iPod, e pouco antes de retornar ao Brasil, adquiri um. Na caixinha vinha um adesivo com duas maçãzinhas que na minha opinião eram bem bacanas - como citei acima, eu, por não conhecer direito o mercado de tecnologia, colei o tal adesivo na época por simplesmente achar que meu carro ficou mais simpático com aquele adorno!
Aqui fica outro ponto que só me dei conta escrevendo esse texto - vejam o que não é uma marca bem pensada, bem bolada! Hoje, no meu carro atual, só não tenho o tal adesivo colado pois tenho mais consciência do que se trata, e não quero sair por aí fazendo propagandas sem causa. Não tivesse, talvez eu já teria colado a segunda maçãzinha! :-)
Bom, é isso aí.
Abs,

João Arantes é engenheiro, tem 31 anos. Tentou "plagear" a foto do meu profile nesta foto que segue abaixo...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tropa de elite: sucesso e tortura (por Fernando Martins)

Tropa de Elite foi sucesso de público e até ganhou prêmio internacional. O protoganista do filme virou herói nacional. Na Europa, pode-se ver a propaganda do filme brasileiro nos ônibus e nos metrôs. Tudo isso à primeira vista, parece glamouroso para o nosso país. Porém, uma reflexão se faz necessária.
Analisando o filme mais atentamente, percebe-se que há elementos contidos nele, que não foram discutidos ou percebidos por nossa sociedade. Além da narrativa que relata a corrupção da polícia, o consumo de drogas pela classe média e a guerra causada pelo tráfico, também nos é apresentada uma prática terrível, hedionda, e inconcebível para a maioria dos seres humanos: a tortura.
A tortura já foi objeto de várias obras na história do cinema. Desde a tortura perpetrada por assassinos psicopatas, passando pelos crimes de guerra, indo até a tortura exposta em filmes como Lutero, baseado na história da igreja católica apostólica romana, escrita com tinta de sangue.
A novidade que traz o filme brasileiro é a forma com que este apresenta a tortura. Esta prática que bem poderia ser eleita como a mais vil, mais repugnante, mais covarde e a mais sombria prática humana, é encarada no filme, como um meio de estabelecer a justiça e fazer triunfar a ordem. Certamente até Maquiavel, um dos primeiros teóricos do Estado Moderno, se espantaria em ver até onde estenderam a interpretação de sua velha máxima:“os fins justificam os meios”.
É uma pena que novamente a grande mídia e boa parte do público, tenham valorizado mais o lado Rambo ou Hollywodiano do filme, do que condenado uma prática hedionda, que já deveria ter sido extinta há muitos anos de nossa civilização. A tortura não educa, não transforma, não repara dano algum, ao contrário, no máximo reduzirá sua vítima a um cadáver ou transformará seu algoz num monstro maior.
Além de lamentarmos o modo com que o filme apresentou a tortura, legitimando-a a partir de seu uso por representantes da justiça e da ordem de nosso país, devemos esperar que a bandeira da tortura não seja hasteada nos salões de Hollywood, mas que seja posta sobre o caixão da crueldade humana e enterrada, deixando em sua lápide, uma mensagem àqueles que ainda anseiam por uma sociedade mais justa, mais sensata, menos desigual e mais sensível ao sofrimento alheio.

Fernando Martins é engenheiro e brasileiro

domingo, 7 de setembro de 2008

"Diário de Bordo": Canudos - seu Henrique

Em Canudos conhecemos seu Henrique. Um senhor de 94 anos, que nasceu nos anos pós-guerra e é praticamente o único morador da comunidade que vive quase nas mesmas condições em que os habitantes daquela época viviam.
Sua casa - que sobrevive bravamente ao passar do tempo - é feita de barro sobre uma estrutura de galhos finos entrelaçados, do mesmo modo que eram levantadas no final do século XIX. Apenas uma parte mais nova - um pequeno cômodo que construiu na entrada - foi levantada com tijolos de barro queimado.
- Tem muita gente de fora que vem até aqui e diz que é pra eu não derrubar essa casa nunca, pelo amor de Deus! - disse, deu risada e continuou - Mas eu digo que não vou derrubar não. Que vou morrer aqui.
Seu pai, ainda garoto, participou da guerra. Tinha 14 anos. Estava na batalha final e mesmo recebendo um tiro na perna conseguiu escapar.
- Depois que ele tomou uma bala coseguiu fugir, ajudaram a levar ele por trás para longe, antes de acabarem com tudo por aqui.
Como muitos dos sobreviventes, viveu um tempo longe e retornou para Canudos, ajudando a reerguer a comunidade.
Alguns meses após o fim da guerra a imagem era desoladora. Os soldados haviam incendiado tudo para que não sobrasse nada para reavivar a memória do local. A muitos kilômetros dali, era possível se ver uma tenebrosa nuvem escura sobre a região, como se anunciasse a tragédia ocorrida recentemente. Se aproximando um pouco era possível se distinguir o que a formava: milhares de urubus. O próprio cheiro dizia-se insuportável. Podemos imaginar o que as primeiras pessoas tiveram que passar para repovoar sua terra.
Depois que seu pai retornou para a região seu Henrique nasceu, em 1914.
Sentados no pequenos quintal, passamos um bom tempo ali, conversando e ouvindo suas histórias. Por alguns instantes parecia que éramos transportados para o começo do século passado. O banquinho de tronco, a casa de barro, as cabras andando e balançando seus sinos de metal.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A legalização das drogas - por Pedro Paulo

Aproveitando o espaço cedido pelo meu amigo Wolber aqui neste blog, eu acho que devíamos discutir sobre assuntos mais polêmicos. Concordando, ou não, poderemos chegar a um senso comum ou pelo menos exercitar nosso raciocínio.
Começando essa série de temas queria falar sobre as drogas. Esse assunto que é tabu em qualquer meio e aquece os ânimos onde quer que apareça.
Sei que minha opinião não é lá muito popular, mas quem sabe eu me explico bem ou alguém me convence do contrário. (acho difícil, mas vamos lá) Portanto as pessoas de coração fraco ou que não gostam de emoções fortes podem sair da sala.
De sopetão: sou favorável à legalização das drogas! "Ai, o que é isso! Deve ser um drogado!" algumas menininhas podem pensar e já respondo: não. Tudo bem que vez ou outra gosto de dar uma ligeira relaxada com algo suave, se é que me entendem, mas além de ser muito de vez em quando, nem dá pra me considerar como um lesado.
"Ok Pedro, mas porque então você é a favor da legalização??"
Tudo bem querido leitor, já respondo sua pergunta. Primeiro porque eu quero ter a liberdade de saber o que é bom ou não pra mim. Só isso. Antes dos 18 devia (na verdade devo até hoje, por respeito) satisfação aos meus pais, que sim, deviam me guiar dizendo o que era ou não bom para mim. Agora, quem é o estado para dizer: "Não rapaz, isso não é bom para você, vai te fazer mal, não use senão eu te prendo!"??
Ele deve sim me dizer que eu não devo prejudicar os outros e punir os que fazem isso, com toda certeza, senão tudo viraria uma anarquia só. Agora não me venha dizer que eu não posso usar porque fará mal a mim. Daqui a pouco não me deixará usar desodorante barato porque pode espantar as mulheres e futuramente diminuir minha probabilidade de casar! (tudo bem, sei que exagerei, mas me entenderam, não?)
Em segundo lugar, creio que a legalização diminuirá drasticamente a violência. O tráfico existe porque as drogas são proibidas e recebem enormes quantias de dinheiro.
Terceiro: A cerveja, o cigarro. Tudo droga. Porque eles são liberados e um simples baseadinho não? Pra mim não tem diferença fumar um ou tomar cinco chopps em um bar.
"Ah Pedro, agora já chega! Como não tem diferença? O cara fica chapado!"
Ué meu amigo, e quantos não vemos trançando as pernas ao sair de um bar. O problema é quem exagera. Tudo em exagero é ruim! Pra isso tem a lei seca e pode ter a lei sem fumaça. É só não dirigirmos depois e tudo bem.
Podia continuar listando aqui muitos outros tópicos, mas acho que estes já dizem por si só.
Mais uma polêmica: não acho que seja correto ficar jogando a culpa toda nas costas do usuário. Ele tem a sua parcela de culpa? Claro que tem. Mas tão grande quanto a dos homens que poderiam melhorar esse país e não melhoram! É fácil fazer propaganda e mostrar que um baseado comprado vira bala na arma do bandido. Eu poderia fazer uma que uma assinatura não dada por homem para legalizar as drogas manda para vala milhares de adolescentes. Mas preferia mostrar que uma assinatura num banco da Suiça vira um monte de mortes nas filas dos hospitais e desempregados sobre as pontes do nosso país.
Sei que estou sendo um pouco agressivo e peço desculpas se pareci arrogante, não era minha intenção. Mas agradeço ao Wolber o espaço para poder jogar todas essas palavras que me ficavam presas na garganta. Estou mais aliviado!
Até mais.

Pedro Paulo é administrador, tem 32 anos

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

"Diário de Bordo" : Canudos - Monte Santo

Dia seguinte, como era de praxe, acordei e matei mais dois pernilongos MacGyvers que misteriosamente entravam em meu mosquiteiro.
Nesta manhã seguimos para Bendengó com a missão de comprar telhas transparentes que melhorassem a iluminação das duas salas de aula e da biblioteca. Os fortes ventos da região fazem as janelas ficarem fechadas por grande parte do tempo e as fracas lâmpadas - penduradas no teto por um longo fio - não dão conta de iluminar as salas.
Lá também fizemos o orçamento para a futura (e breve!) novidade do Instituto para a comunidade: um posto de saúde. Nesta noite seria afirmada mais uma parceria com os moradores. Até dezembro será construída uma casa que possuirá consultórios médico e odontológico e abrigará os voluntários que trabalharão ali.
Aqui já fica um convite aos meus amigos dentistas que quiserem conhecer uma região maravilhosa e ainda realizar um bonito trabalho social. Poderá trabalhar durante uma semana atendendo a população, se hospedar na sede do IBS e ainda fazer grandes amigos.
Voltamos com as telhas que rapidamente foram instaladas nas 3 salas, o que melhorou muito a iluminação.
Pudemos então almoçar e pegar o carro para conhecer (mais uma vez, pelo menos eu conheceria...) a cidade de Monte Santo. Ali há uma igreja famosa, que recebe romeiros da Bahia inteira. Se localiza no topo de uma enorme montanha e podemos vê-la de longe e de qualquer parte da cidade. Ganhou sua fama quando, pouco antes de fundar o Arraial de Canudos, Antônio Conselheiro a reformou com seus seguidores.
Seguimos para lá eu, Luis, Cristiano, Marluce, Damiana e o Quinha - os quatro se apertando atrás do pequeno celtinha que alugamos em Salvador.
Como estava muito calor compramos algumas garrafas de água e nos encaminhamos para os infindáveis dagraus, menos a Marluce que grávida de alguns meses preferiu não se esforçar tanto.
Logo nos primeiros degraus vi algo se mexendo no canto do caminho; levei um susto: uma cobra coral!
Tirei a foto e fiquei um pouco preocupado, já que voltaríamos no finalzinho da tarde e a luz já teria ido embora. "Vai que a gente pise numa cobra na volta!" O medo continuaria até o final da descida (ainda mais que ninguém havia levado uma lanterna. Nesse sinal o celular ajudou um bocado...).
A subida é bem cansativa, mas vale muito à pena. A cada trecho percorrido olhamos para a cidade menorzinha, lá embaixo. A escadaria de pedra leva até, mais ou menos, metade do morro, o restante é uma estradinha que segue serpenteando até o topo, onde está a linda Igreja de Monte Santo.
No final da escadaria o Luis se lembrou da foto que levava para seu Manoel, vigia que passa dias inteiros lá em cima, cuidando de tudo. Ele a havia esquecido no carro. Desceu tudo de novo para ir até o carro e nos alcançar novamente. Parecia piada...
Nessa hora um cachorrinho começou a nos seguir. Fiel, como se fosse nosso andava e respondia a nossos chamados, bem curioso. Parece que estava procurando companheiros para o passeio.
Lá em cima a vista compensa todo o sacrifício; e pensar que tem velhinhas que sobem tudo aquilo de joelhos, carregando pesados apetrechos e crianças no colo. O que não é o poder da fé.
O Luis entregou a foto que tirou meses antes do seu manoel, um tiozinho sertanejo que qualquer posição que fique parece ótima para uma foto Se está na janela a mão está no queixo e o olhar no horizonte, se está sentado numa pedra as mãos abraçam o joelho e o olhar se perde no infinito. Gente finíssima, nos convidou para visitar sua casa numa próxima vez para comer uma galinha caipira: quase fomos naquela hora mesmo!!
Assim que presenciamos o lindo pôr-do-sol nos despedimos da igreja mágica de Monte Santo e retornamos pelo mesmo caminho de pedras que nos levou até lá em cima. Desta vez, sem topar com cobra alguma...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

"Diário de Bordo": Canudos - E o barquinho vai...

Nossa sexta seria tranqüila pela manhã, eu conheceria a biblioteca construída pelo IBS, veríamos alguns materiais de reforma e poderíamos fazer um esperado passeio de canoa. Assim que acordei tive uma frustração: vi dois pernilongos por dentro do meu mosquiteiro. Ele não tinha furo algum, muito provavelmente os dois já estavam lá dentro quando eu deitei, o que me fez parecer um idiota tirando um barato dos outros famintos do lado de fora na noite anterior. Sarei minha pseudo-raiva esmagando a dupla dinâmica. O café da manhã seguiu implacável, como sempre, e nós saímos rolando, como sempre. A biblioteca, que nos esperava, foi construída pelo IBS, junto com os moradores, ao lado da escola. Ficou muito bonita, bem abastecida com livros e equipada com uma televisão. Após a visitarmos e checarmos os materiais que compraríamos mais tarde seguimos com nossos amigos para o passeio de canoa, aproveitando o sol da manhã.
O plano que eu e o Luis fizemos era seguir de barco até a região onde está a cidade antiga. Daríamos um mergulho, sem nenhum equipamento mesmo, para tentar enxergar algum resquício da igreja ou muro de alguma constução. O único “apetrecho” que eu levava era um solitário e surrado óculos de natação, que não serviu para nada além de fazer a festa das crianças, que adoravam colocá-lo e pedir para tirarmos fotos.
Chegamos no local, mas não conseguimos enxergar nada. Ali deveria ter uns 7 metros de profundidade e nosso medo de meter a cara em algum tronco ou resto de muro fazia não descermos tão à vontade.
Seguimos então na canoa sabiamente guiada pelo Cristiano, que remava com "know how", para uma ilhota onde havia um marco, simbolizando a área da cidade inundada. Eu e o Luis íamos numa ponta com as máquinas tirando muitas fotos e o Jackson - com sua cueca-sunga - e Quinha na outra, mergulhando a toda hora, o que fazia balançar a pequena canoa e espirrar água nas nossas máquinas.
Atracamos o barquinho na ilhota e fomos recebido por um enorme sapão, que indiferente à nossa chegada continuou parado ao lado da canoa. Talvez ele pensasse:"Vou ficar quieto aqui e quem sabe esses manés passam e vão embora...". Pensou errado, logo o Luis o pegou para "brincar" e a antítese de príncipe seguiu no barco conosco na volta com uma cara mal humorada de quem não queria fazer passeio algum.
Dali navegamos até o Parque Estadual de Canudos, região onde houve os combates entre os sertanejos e o exército republicano. Pela represa se chega a uma região mais preservada do parque, onde não aparecem muitos turistas. Ali se pode encontrar muitos vestígios da batalha ocorrida em 1886-1887. Restos de casas, balas, cartuchos de fuzil, porcelanas quebradas que juntas formam pratos antigos, enfim, muitos objetos que nos transportam até a época da guerra. Parece que podemos sentir a angústia do pobre - e corajoso! - povo massacrado pela intolerância e ignorância da incipiente república brasileira.
Cartucho de fuzil, um dos muitos artefatos espalhados pelo parque de Canudos





Ainda dentro do Parque Jackson me apresentou o fruto do mandacarú. Sempre havia visto nas viagens aquele fruto vermelho preso na espinhosa planta do sertão, porém não sabia que podíamos comê-la e mesmo depois de saber nem imaginava que seria tão gostosa. Tudo bem, o aspecto não é lá tão atrativo e mesmo sua consistência meio pegajosa não chama muita atenção. Porém é muito gostosa! Tem algo de crocante enquanto mastigamos e é levemente adocicada. Olhando de perto lembra - visualmente, claro - um sushi, aquele arroz com gergelim preto. Vale a pena experimentar!
Mais tarde, pra fechar um ótimo dia, só mesmo um lual no bar da Madalena. Ali, com nossos amigos ficamos o começo da fresca noite. Embalados ao som do violão e aos petiscos frescos retirados do açude, uma noite perfeita.

Com minha máquina, mesmo com pouquíssima luz, consegui filmar o Cristiano tocando uma música que eu havia conhecido no ano anterior e era louco pra aprender. O vídeo segue aqui...

"Diário de Bordo": Canudos - O dia seguinte

Acordamos cedo na primeira manhã; eram 7 horas. O sol começava a despontar brilhante no céu, porém o tempo ainda estava um pouco frio, bem característico daquela região próxima à represa: frio de noite e de manhã e muito calor durante o dia.
Como tínhamos acabado de chegar de São Paulo – onde o tempo também não estava quente – a manhã estava muito agradável. Para tomar um bom banho descemos os cerca de 50 metros que separam o quintal da Madalena até o limpo e bonito açude de Cocorobó.
Um senhor estava de pé e de braços cruzados em frente as calmas águas, ao lado de 5 canoas que balançavam pacientemente amarradas a um toco encravado na terra. O cumprimentei e ele respondeu com um amável sorriso. Seu nome era Vicente, tinha uma casinha simples, bem próxima à represa e era pescador.
Àquela hora da manhã já havia pescado e voltado. Disse que algumas vezes sai com sua canoa antes das 5 da manhã.
- Mas esses dias não estão bons pra pescar, não. Além de estar frio o vento tá batendo muito as águas, os peixes somem. – me contou.
Naquelas águas existem vários tipos de peixes. Além deles, o camarão de água doce, em abundância por ali, também enche as redes dos pescadores. Eu o experimentaria mais tarde numa deliciosa farofa que a Madalena faria especialmente por eu nunca ter comido os bichinhos.
Banho tomado, subimos de volta para o café da manhã. “Meu Deus, desse jeito vou me acabar aqui!”, pensei no momento em que vi a farta mesa que nossa amiga preparou à nossa frente, com pão francês, sovado, queijo, manteiga de garrafa, cuz cuz, ovo frito, café, leite em pó... Tudo o que adoramos. Comemos como se fosse a última vez.
Quase “rolando” seguimos para a pequena escola, onde as crianças nos esperavam para um exame clínico onde verificaríamos a quantidade de cáries e qualidade da escovação. Eu estava muito empolgado com a implantação deste trabalho, o mais importante planejado nestes anos de IBS.
O intuito é capacitar alguns voluntários locais com todas as informações necessárias para que os pais possam criar seus filhos longe das cáries. Esses voluntários visitarão primeiro as casas das mulheres grávidas, depois das mães com filhos pequenos e assim por diante, com uma apostila de prevenção e kits com escova e creme dental.
A idéia será retornar a cada ano para verificar uma melhora no índice de cáries das crianças menores de 5 anos, algo plausível numa comunidade pequena como aquela, onde há crianças com dentes completamente destruídos pela falta de escovação.
Após o almoço fizemos essa capacitação, onde cinco pessoas se interessaram em contribuir com o projeto. No meio da tarde conseguimos um tempo para descer até o açude. Devia estar mais de 30 graus e o calor (aliado à beleza das águas azuis de várias tonalidades da enorme represa) convidava a um mergulho.
Como não levamos o odontoportátil (cadeira de dentista que levamos na van e que funciona em qualquer tomada como se fosse um consultório completo, com motores, sugador e podemos fazer restaurações; quase tudo o que fazemos num consultório) pude conhecer bem a região desta vez. Quando temos a possibilidade de restaurar dentes, tirar a dor, enfim, atender as pessoas da região, é muito difícil ter tempo para visitar alguns locais. Desta vez juntamos nossos amigos Cristiano, Jackson e Quinha e preparamos um roteiro para conhecer Canudos – bem, pelo menos eu conheceria, todos ali já eram veteranos – nas horas vagas.
Descemos até a represa. A água estava muito boa, na temperatura ideal para umas braçadas. Me lembrei da história do Luis, que na primeira vez que mergulhou naquelas águas teve alguma reação alérgica, daquelas de se ficar todo inchado. Por alguns anos ficou com receio de entrar de novo. “deve ser algo do povo do Conselheiro”, brincavam. Porém no ano passado entramos com ele no começo da noite, no fim de um dia de trabalho. Mas foi nesse ano ele fez as pazes com o local numa “conversa” franca com o açude e hoje entra sem medo.
De noite jantaríamos uma deliciosa galinha caipira, a mesma que Madalena estava depenando na panela quando acordei de manhã. Fiquei com pena – sem trocadilhos – da galinha na hora, mas tenho que admitir que de noite nem me lembrei com a fome e com o tempero gostoso da pobrezinha...
No dia seguinte iríamos para Bendengó – cidade a alguns quilômetros da comunidade – comprar telhas para a biblioteca e fazer um orçamento para uma futura construção, plano que discutiríamos no sábado com os moradores.
Deitei na cama carinhosamente arrumada pela Madalena e, com cuidado, fechei o mosquiteiro sob o colchão; haviam muitos pernilongos, muitos mesmo. Podíamos até ouvi-los cantar sua assustadora sinfonia. Mas para minha alegria podia rir da cara deles por ver que paravam a poucos centímetros de seu alvo. Não seria comigo que matariam sua fome; e, pronto para dormir, imaginei uma risada maligna.

domingo, 24 de agosto de 2008

E se vão as Olimpíadas

Pois é, mais uma Olimpíada se foi. Independente da campanha "male male" do nosso país o evento é emocionante e apresenta histórias de vida impressionantes.
Tudo bem, a mídia fica completamente entorpecida com o clima lúdico e muitos escândalos somem das manchetes, mas também somos filhos de Deus e temos direito de torcer ser felizes de vez em quando.
Histórias como a da brasileira que ganhou medalha de bronze no judô são lições e exemplo para todos nós, e o modo como as jogadoras do futebol feminino brasileiro jogaram e, infelizmente, perderam, nos enchem de orgulho mesmo em face à derrota. Uma raça e empenho que nos faz pensar que se os homens da seleção jogassem com tamanha garra teríamos um time imbatível no masculino!
Com o encerramento do evento começamos a ouvir as muitas críticas quanto a má campanha do Brasil. "Deveríamos ter mais incentivos" ou "Falta apoio" saltam por quaisquer canais por onde passemos.
Realmente precisamos mesmo. Não é ser ufanista - no melhor (ou pior...) estilo "Galvão Bueno" -, mas o brasileiro é um povo que realmente é bom no que faz. Não sei se pela miscigenação histórica, pela ginga nata, ótima desenvoltura e simpatia, vários outros motivos que poderíamos listar, temos ótimos atletas no que nos empenhamos a fazer.
Um exemplo é a ginástica artística. Tudo bem que ainda não decolamos ali também, mas em questão de 15 anos atrás o país era nulo nessa área. Me lembro do nome de Luíza Parente, que solitária tentava levar o nome do país nas competições dominadas por um mundo inteiro antes do nosso. Em questão de alguns anos, incentivo financeiro nos treinos, instalações, um ótimo técnico da Europa Oriental e surgiram muitas estrelas. Nível de campeões mundiais como a Daiane, o Diego ou a Jade.
É uma pena que não aproveitamos muitas ondas que aparecem com toda uma chance de fazer algo decolar, como o tênis, com o Guga. Um gênio surgiu, se tornou número um, passou e com ele passou também o tênis. Temos muito ainda que aprender.
Se o país der incentivo ao esporte o Brasil estará em breve disputando as primeiras posições no ranking de medalhas? Não tenho a menor dúvida, a própria China é um exemplo disso.
Porém não devemos esquecer que antes de incentivo ao esporte precisamos MUITO MAIS de incentivo à educação, à saúde, à cultura e aí sim, ao esporte. E antes de ter um país primeiro do ranking teremos um país campeão em cidadania.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Diário de Bordo: Canudos - Primeiro dia

São Paulo ficou para trás. Já se passava das 20h quando seguimos, eu, Luis e Damiana (professora da comunidade que aproveitou nossa carona) pela estrada que liga Salvador à Feira de Santana. Lá pegaríamos outra que nos levaria a Canudos. Um total de 400 km, deixados para trás em 5 horas e meia devido aos trechos esburacados de uma boa parte do caminho.
Canudos Velho é a comunidade que restou na região do famoso conflito: a Guerra de Canudos. Após a destruição total do antigo Arraial (que era chamado por Antônio Conselheiro de Bello Monte) alguns sobreviventes retornaram à região e reergueram a cidade.
Após algumas décadas - a guerra acabou em 1897 - o governo resolveu criar uma represa, bem em cima da cidade reconstruída, inundando toda a antiga cidade e sua história, talvez como se uma gigantesca borracha apagasse o trágico e desastroso ato da antiga República. Uma nova Canudos foi construída a cerca de 20 km dali e hoje possui mais de 20 mil habitantes - quase o mesmo número que possuía o Arraial do Conselheiro, só que em 1897 isso significava ser a segunda maior cidade da Bahia, perdendo apenas para Salvador.
Porém, na parte mais alta da antiga comunidade, Canudos Velho guarda ainda um pouco de sua história, do Parque Nacional, onde houve o conflito e podemos encontrar vestígios reais da batalha, e de seu povo, a maioria descendentes de personagens e sobreviventes da guerra.
Ali fizemos grandes amigos - eu em 2007 o Luis a muito mais tempo: em 2000 - que nos recebem sempre de braços abertos. Mesmo chegando no começo da madrugada Madalena - dona da casa e de um simpático bar vizinho de parede - estava nos esperando com um abraço bem apertado.
Pelo cansaço da viagem iríamos logo dormir, nâo sem antes escovar os dentes, afinal de contas fomos até lá para implantar um projeto de saúde bucal e eu tinha que dar o exemplo...
Madalena nos contou que a bomba, que trás água da represa até a parte alta da cidade, estava quebrada, por isso não haveria água nas torneiras e chuveiros. Avisados, pegamos uma caneca de alumínio na pequena e aconchegante cozinha e a enchemos num enorme galão de plástico (que lembra aqueles barris que assistíamos no antigo desenho do pica pau quando ele queria descer as cataratas) que fica do lado de fora. Naquele instante pode-se sentir o primeiro arrepio, uma ótima sensação do choque cultural que temos: onde em São Paulo eu escovaria os dentes num quintal de terra sob um céu forrado de estrelas, olhando ao fundo a escura represa, assoprando um vento fresco e constante?
Antes de dormir ainda fiz o "xixi da madruga"; como não tinha água no banheiro a dez passos do meu solitário escovódromo encontrei um matinho amigo para "regar".
Assim estava pronto para descansar, certo de que o dia seguinte seria longo e proveitoso.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

"Diário de bordo": Canudos

A guerra de Canudos. Desde de minhas primeiras aulas de história conheci, superficialmente, esse fato. Depois de muitos e muitos anos pude conhecer o local pela primeira vez e, empolgado, devorei um livro de um historiador que contava todos os detalhes desse embate que acabou em 1896 (se bem me lembro).
A região onde ocorreu a guerra foi inundada por um açude, o de Cocorobó. Em dias de estiagem ainda são visíveis os restos da igreja nova (a última construída por Antônio Conselheiro), nascendo no meio das águas como se pudesse brotar novamente e nos relembrar os fatos ocorridos.
Uma Nova Canudos surgiu, a uns 20 Km do local, cidade com mais de 20 mil habitantes. Porém, em volta da represa - onde seria a parte mais alta da antiga cidade - ainda persiste uma comunidade: a Canudos Velha, lugar encantador e que respira história.
Hoje estamos no caminho para essa querida comunidade, realizar um trabalho. Na minha área é o mais importante que já fiz e se chamará: Sorria Canudos. Também veremos a biblioteca instalada pelo IBS (Instituto Brasil Solidário) a pouquíssimo tempo.
Aqui, depois de nossa volta, colocarei um diário de bordo dessa viagem, misturado com o pouco de história que eu conheço e "causos" da região. Voltaremos domingo (ou melhor, segunda de manhã) na esperança que tenha dado tudo certo.
Um grande abraço e até lá!
Wolber Campos

terça-feira, 29 de julho de 2008

Tudo pela educação

Mateiros é uma cidade localizada no coração do Jalapão, região abençoada pela natureza, que fica no Tocantins, entre a Bahia, Piauí e Maranhão. Lá, nós do Instituto Brasil Solidário fizemos um trabalho em 2007.
É uma pequena cidade - deve ter em torno de 2000 habitantes, contando com toda a zona rural – e guarda peculiaridades das pequenas cidades de interior. A duzentos metros da escola havia um rio onde podíamos nos banhar – e refrescar o intenso calor da região – durante o dia e servia de palco para um revigorante lual durante a noite.
Depois de um longo dia de trabalho combinamos com amigos uma roda de violão naquele lugar. Ali havia uma frondosa árvore que cobria grande parte de um espaço onde troncos deitados pelo chão nos serviam de bancos.
Para se chegar até o local levávamos lanternas, já que poucas ruas da cidade possuem iluminação e a noite sem lua tornava a caminhada difícil sem a ajuda de pelo menos a luz de um celular aberto.
Sob a copa da grande árvore, que ouvia alegremente o som do violão, ficávamos impressionados com o número de estrelas que havia no céu. Eram muitas e a ausência da lua as fazia brilhar com ainda mais nitidez. Bastava um olhar atento de, no máximo, cinco minutos e víamos – boquiabertos – enormes estrelas cadentes cruzando a noite escura.
Para alguns de nós era a primeira vez que víamos um céu tão limpo e cheio de estrelas daquela forma. Deitávamos na própria grama, olhando para cima, contando quantas estrelas cadentes mergulhavam sobre nós.
A fogueira aquecia o clima ligeiramente frio, comum na região àquela época do ano, e ao som de um bom violão ficávamos ali, como que hipnotizados pelo espetáculo da natureza.
No dia seguinte trabalharíamos na mesma cidade, porém desta vez em uma zona rural. O bairro se chamava Galhão e se estendia ao longo da estrada que deixava Mateiros em direção à Bahia e Piauí.
A pequena escola, que descansa preguiçosamente na margem direita da pista, possui apenas uma sala de aula, onde estudam em torno de 20 crianças, dos 6 aos 10 anos. Isso gera ainda mais dificuldades para o jovem professor Fabiano, de 25 anos, que precisa dar aula ao mesmo tempo para 3 séries diferentes.
Do outro lado da estrada há uma casa bem simples que, assim como a escola é cercada pelo mato e árvores. As duas assistem solitárias o passar dos dias pela calada estradinha de terra. Durante todo o dia em que atendemos ali passaram apenas dois carros levantando poeira à sua frente – um deles foi o que nos buscou de noite.
Quando estávamos descarregando todo material para o atendimento o Trilha – labrador do Luis, presidente do IBS, que viaja muito conosco - entrou em uma das 3 salas que existem na escola e saiu com um ursinho de pelúcia na boca. O surrado urso o acompanhou por um bom tempo. Foi assim que descobrimos a área de brinquedos das crianças. Em um canto de uma pequena e escura sala haviam poucos e velhos brinquedos, a maioria quebrados.
Na segunda oportunidade em que passamos por ali o Manolo (grande amigo e parceiro nos trabalhos) deixou dois enormes sacos de brinquedos novos para os pequenos - não tivemos tempo de vê-los recebendo, mas devem ter se animado bastante.
A história dessas crianças corta o coração. Todos moram a quilômetros de distância da escola e acordam muito cedo, ainda durante a madrugada, para chegar na hora certa à aula. Quando não há merenda são liberados antes, para voltarem e almoçar em casa, fato que vem ocorrendo com muita freqüência, segundo o professor.
Neste dia em que trabalharíamos naquela comunidade o motorista da prefeitura que nos levou passou em uma mercearia e comprou bolachas, leite e pães: depois de muitos dias os alunos teriam um lanche novamente.
- É de cortar o coração. Alguns alunos quando não tem merenda voltam para casa e também não tem comida. Acabam almoçando farinha e mais nada. – me contou Fabiano com um ar triste.
Geralmente essas famílias vivem da agricultura de subsistência, que nem sempre os provém com tudo o que necessitam.
Ao acabar a aula a maioria dos alunos, que seria atendida depois, voltou para casa para retornar à tarde. Saíram todos com o uniforme da escola, bem usados, porém limpos. Quando voltavam geralmente estavam usando bermudas muito surradas, furadas, camisetas rasgadas e às vezes até sem elas – modo dos pais pouparem a roupa do dia a dia.
Quando o Fabiano fez o pedido de roupas usadas para as crianças atendemos prontamente. Seriam deixadas junto com os brinquedos do Manolo.
O trabalho seguiu intenso durante o dia. As crianças, como o esperado, apresentavam uma condição muito ruim dos dentes. Tanto que foi um dos dias em que mais trabalhamos em nosso pequeno consultório, montado na sala de aula, durante toda a viagem.
No final do dia ainda haveria uma sessão de cinema. Levamos uma grande tela e um projetor especial que não perde em nada para muitos cinemas de algumas cidades. Este já estava sendo montado em frente à casinha simples do outro lado, ao ar livre.
Após atender a todos os alunos da sala, atendi o professor Fabiano, que mora na escola, em uma das 3 salas que existem ali. Ele só volta para Mateiros de quinze em quinze dias.
Perguntei a ele como era morar em uma região tão parada e longe de Mateiros – que já é uma cidade muito pequena.
- Ah, não é fácil, fico um pouco sozinho. Não tem muita coisa para fazer. Depois da aula eu estendo a rede, leio algum livro... – respondeu.
Não devia ser fácil mesmo. Ainda bem que encontramos pessoas como o Fabiano, que se desdobram e não medem sacrifícios para continuar levando a educação às nossas crianças. Mesmo que tenha que ensinar 3 séries ao mesmo tempo. Mesmo que tenha que abdicar de sua vida social a maior parte de seus dias. Tudo para tentar melhorar o futuro dessas crianças. Tudo pela educação.
Acabei de atendê-lo quando a noite estrelada do limpo céu do Galhão já ia avançando. Pela janela podia ver a tela montada brilhando e passando o desenho “Carros” para uma platéia pequena e atenta. Nenhum daqueles garotos, nem mesmo os adultos ali presentes, já tinham assistido a um cinema. Olhos bem abertos, sorrisos largos. Olhavam atentamente ao filme, do mesmo modo que nós olhávamos o céu no lual da noite anterior. Realmente tanto eles quanto nós havíamos visto ali uma maravilha pela primeira vez, e que, sem dúvida, estaria para o resto da vida gravada na memória de todos nós. Na deles um desenho colorido numa tela branca, na nossa pontos brilhantes numa tela negra.

domingo, 13 de julho de 2008

A chave interna (por Wolber Campos)

Meu "caminho da roça" de manhã quando vou ao trabalho é pela Marginal do Rio Pinheiros. Isso mesmo, o "limpo e cheiroso" rio que cruza grande parte de São Paulo.
Um dia o cenário estava especialmente bonito. O sol, que havia nascido não há muito tempo, estava imponente no céu azul e limpo (que, infelizmente, em geral tem uma cor acinzentada bem forte no horizonte, devido à poluição). Seu reflexo rebatia deslizando sobre a superfície calma do rio e iluminava a favela no topo do pequeno morro do outro lado da marginal.
Tudo estava tão bonito que mal conseguíamos perceber que o famoso rio paulista funciona como um esgoto ao céu aberto, beleza que até enganava nossos sentidos camuflando o mal-cheiro característico da região.
No topo daquele morro um casebre bem simples, de madeira empilhada, me chamou a atenção. Não devia ter mais do que 20 metros quadrados. Suas paredes eram feitas com uma simples - e fina - folha de madeira, daquelas que nos dá a impressão que seria perigoso espirrar ao seu lado. Porém durante as manhãs ela deveria ter uma vista previlegiada, daquelas em que, ao abrir a janela e fitar o sol refletindo no rio numa limpa manhã, pode-se esquecer por alguns minutos todos os problemas. A falta de dinheiro, de trabalho, muitas vezes de comida... Por segundos tudo vai embora, deixando apenas aquela bonita imagem gravada na memória.
Pensei no porquê de nossa desigualdade social. Num mundo evoluído, onde todos os homens pensassem em conviver em harmonia, esquecendo o egoísmo e pensando mais no bem coletivo do que no próprio, aquela paisagem ganharia contornos ainda mais maravilhosos. Em primeiro lugar o rio seria limpíssimo, pois industriais nunca aceitariam jogar seus detritos e poluir um rio lindo como aquele, diminuiriam seus lucros e tratariam seus dejetos antes de dar a eles um outro fim. Os esgotos teriam também outra saída, já que os honestos políticos deste mundo teriam dinheiro de sobra para tratá-lo. A poluição também não contornaria nossos horizontes com uma moldura cinza pois carros elétricos - que não poluem - estariam aos montes por nossas arborizadas ruas.
Então, aquela pequena casinha lá no topo do morro, seria uma das mais previlegiadas do mundo. Ao abrir sua janela de manhã, observaria o mesmo sol iluminando e refletindo, só que agora, num mundo completamente diferente. Crianças estariam nadando nas águas limpas ali embaixo, pessoas estariam correndo nas pistas de cooper que entrelaçava alegres quiosques nas margens do renovado Rio Pinheiros.
Aquele então seria um lugar concorrido para se morar. No entanto é um casebre, uma simples casinha de madeira tão comum pelas favelas do nosso Brasil.
Uma pergunta ficava me atormentando depois de voltar por essa rápida viagem por um mundo tão perfeito e acordar novamente na poluída Marginal: o que falta para a humanidade acordar e criar esse mundo?
E a resposta estava mais clara do que as águas do rio daquele Brasil utópico. Não precisaríamos esperar um governante salvador que mudaria todo um jeito de viver de uma população. Nem sonhar com um mártir que moveria multidões e renovaria a importância do amor ao próximo e de viver em paz com nossos semelhantes. Nenhuma aparição surpreendente ou mirabolante. Tudo o que precisaríamos é muito mais simples e está ao alcance de todos nós, sem excessão. Basta mudar uma chave interna - e imaginária, é claro - que nos faria agir corretamente sempre. Ética, essa é a palavra. Se todos os homens resolvessem, no mesmo instante, girar essa chave e usar a ética em TODOS os momentos de sua vida, esse mundo perfeito saltaria aos nossos olhos muito mais rápido do que imaginamos.
Com a ética presente em todos os atos dos homens nossos políticos não desviariam dinheiro e com a corrupção extinta sobraria MUITO para se investir em educação, saude, saneamento básico, o que diminuiria completamente nossa desigualdade social. Todos os homens seriam muito mais "irmãos" e não aceitariam o sofrimento alheio ou grandes necessidades. O meio ambiente seria perfeito e o lob do petróleo não seguraria o desenvolvimento de carros elétricos, combístível mais barato e que não agrediria o planeta.
E o mais curioso é que este passaporte para um mundo maravilhoso está ao alcance de cada um. E isso não é novo, não fui eu quem chegou a essa conclusão agora, não ouvi de algum amigo a alguns anos. Tudo isso foi dito a 2000 mil anos atrás, só que poucos ouviram. E hoje muitos escutam, mas não entendem. Quem sabe um dia...