quarta-feira, 24 de março de 2010

À paisana

Neste sábado, dia 27 de março, estaremos partimos novamente para o sertão. Serão mais de 20 dias na estrada e tentarei postar algo de lá (se bem que é difícil...).
Voltar às cidadezinhas do interior do Brasil é sempre um grande prazer. De tudo o que vemos, sentimos, aprendemos e conhecemos por lá, o calor humano do povo é, realmente, o sentimento mais forte. Sempre nos acerta em cheio.
Em nossa última viagem - novembro de 2009 -, no Ceará, sentimos a alegria de observar que isso se dá não somente pelo fato de fazer um trabalho social ou ser reconhecido pelo uniforme que usa. O calor humano é forte e intenso, independente de qualquer coisa.
No final de um dia de trabalho, no meio de semana, procuramos um barzinho para refrescar a quente lua que brilhava sobre a cidade.
- Vixe! Aqui "num" tem bar perto hoje não. Vocês só vão encontrar láaaaaaa pra perto da estrada. - nos disse um camarada.
Como o calor - e a sede! - era grande, pegamos o carro e fomos até o bar. Por coincidência eu, Luis e o Válter estávamos com camisetas normais, à paisana. Estamos acostumados a ter sempre um sorriso aberto e reconhecimento com o uniforme do IBS, já que a população conhece e apoia muito o trabalho social que fazemos. Chegamos no lugar assim, como forasteiros.
Tomamos nossa cervejinha e fizemos amizade com uma turma que também estava ali, ouvindo o sonzinho que tocava ao estilo de "Moleca 100 vergonha". Pessoal bacana, nos perguntaram de onde éramos. Respondemos de São Paulo, sem mencionar o trabalho que fazíamos e continuamos um bom papo, como se todos já nos conhecêssemos.
O Lugar era uma pintura, tinha até um vendedor de balas e chocolates, segurando sua bandejinha apoiada na barriga e em um laço em volta de seu pescoço, no melhor estilo "vendedor de doce de cinema nos anos 60".
No final de uma agradável noite, na hora de ir embora, Ronaldo, um de nossos novos amigos falou:
- Espera um pouco! - e saiu correndo para dentro do bar, onde sua simpática mãe era garçonete. Voltou com uma câmera fotográfica.
Nós quatro tiramos a foto com aquela triste impressão de que nunca mais o veríamos.
Dia seguinte, Luis, que ia para a escola de quadriciclo, passou em frente ao bar da noite anterior, viu Ronaldo e parou para cumprimentá-lo. Ele, muito feliz, acenou e o chamou. Ao chegar perto, pegou algo no bolso e disse:
- Olha só como ficou linda!
Era a foto que tínhamos tirado na noite anterior. Ronaldo já a havia revelado e mostrava orgulhoso, fato que deixou o Luis - e nós posteriormente - emocionado.
Na noite seguinte fomos a um outro barzinho, indicado por Ronaldo. Ali, sua mãe estava de folga e se sentou conosco. Um pouco mais tarde ela me abraçou e disse:
- Olha, sabe que quando vocês voltarem aqui de novo, quero que fiquem na minha casa! Considero vocês como filhos já! - falou com os olhos marejados.
Atestamos ali que não é só o trabalho social que abre as portas no sertão. Elas sempre estiveram abertas.

terça-feira, 23 de março de 2010

"Brincadeiras" de criança

Em menos de duas semanas, observei duas situações parecidas com adolescentes. Algo mais próximo da agressão, do que da brincadeira.
Na viagem de lua-de-mel, em um lugar estranho, esperava, pacientemente na loja de um shopping, que a Ju escolhesse alguns apetrechos para comprar. Todo homem que já passou por isso (e basta ter uma mulher ao lado para passar) sabe que é um ótimo exercício de paciência e sabedoria. Usamos praticamente técnicas orientais de meditação e contemplação para esperar a esposa, com um sorriso no rosto. Porém o cansaço bateu e resolvi sentar em um banco, na frente da loja.
Tenho o costume de sempre olhar o lugar onde sentarei, para ver se não está sujo, ou se há algo no local. E havia algo. Uma tachinha. Aliás, este diminutivo nem cabia ao prego que estava sobre o banco, apontando para uma indefesa bunda que ali sentasse. Graças a Deus não foi a minha! E assim que eu retirei a tacha (desisti do diminutivo, era um prego em forma de tachinha, de mais de um centímetro) não seria a de ninguém.
Olhei em volta e não vi ninguém suspeito, algum garoto ou marmanjo olhando de lado e vendo quando alguém se machucaria em sua "brincadeira". Nada.
Joguei o prego no lixo e voltei para a loja assustado, o cansaço até havia passado. Minha bunda até doía, pensando no tamanho do prego que quase a espetou.
Enquanto contava a história para a Ju, vi três moleques, adolescentes, olhando no banco, procurando seu prego. Olhavam no chão, em volta, em vão. Fiquei irado, vontade de meter bronca, a maior lição de moral - e adiantaria? Não sei -, mas estava em um lugar estranho, com pessoas estranhas e achei melhor não arranjar encrenca.
De volta à São Paulo, também em um shopping - o Eldorado - estava no segundo andar esperando o elevador, quando vi no terceiro um garoto, de seus 14 anos. Olhou para o térreo, mãos no parapeito, movimentou a cabeça para trás, para frente e "CUSP!", cuspiu lá embaixo, onde várias pessoas subiam pela escada rolante. Ainda olhou por um tempo, para ver em quem tinha acertado e saiu, antes que eu pudesse falar qualquer coisa do andar de baixo.
Entrei no elevador, ainda abismado com a cena, a porta se fechou e ele subiu. Ao abrir novamente, entraram dois garotos, um deles, o autor da cusparada. Ali não resisti:
- Cara, vê se não faz mais isso! Cuspir na cabeça dos outros?
- Pegou em você?!! - me perguntou assustado, como quem esperava receber uma bofetada.
Eu disse que não, mas poderia ter caído, ou numa pessoa que ainda trabalharia o dia inteiro, ou numa mãe com seu bebê de colo.
O outro garoto deu-lhe um "esporro", que não acreditava que ele tinha feito aquilo.
O que fazer? Dar um corretivo? Lição de moral? Conversar? Eu acho que uma conversa, na boa, resolve mais que um safanão.
Na verdade, é torcer para que esses adolescentes não virem adultos piores ainda.

domingo, 21 de março de 2010

Auto-julgamento

Hoje fiquei um pouco furioso comigo. Enquanto escrevo estas palavras fico em uma briga e decepção comigo mesmo.
Hoje cheguei de um delicioso churrasco na casa de um casal amigo. Levei o violão como companheiro e como pedido dos amigos.
Para expressar o quanto fico bravo comigo mesmo, volto alguns meses atrás.
Há vários meses, voltando de algum passeio do dia-a-dia, trouxe meu violão nas mãos. Ao deixar o carro no estacionamento, o porteiro do local me disse empolgado: “Oh, doutor! O senhor toca um violãozinho também?!”. Disse-me e comentou que gostava de rock and rol, e citou algumas bandas de que eu gostava muito, completando: “qualquer dia desses eu queria muito que você tocasse um pouco comigo aqui, para deixar a noite mais alegre!”.
Assim, a partir daquele dia, ele me cumprimenta como “doutor cantor”, mesmo sem saber do quão pouco eu toco, ou canto, mas pelo simples fato de eu retirar o carro vestido de branco e algum dia tê-lo guardado com um violão nas mãos.
Não foram poucos os dias em que eu, voltando de alguma saída com os amigos, cheguei ao estacionamento com o violão na mão e cansado, com vontade de chegar logo em casa. Meu amigo do estacionamento, humilde como sempre, me falava a cada vez: “Oh, doutor cantor! Qualquer dia toque um pouquinho aqui. Só duas musiquinhas, pra noite ficar mais alegre!”. Sempre com um enorme sorriso no rosto e sem exigir eu tocasse naquele momento.
Faz umas duas semanas, senti falta desse amigo. Não estava mais no estacionamento. “Deve ter saído, ou ter sido mandado embora”, pensei. Uma pena, pois hoje em dia, é cada vez mais difícil de se encontrar um funcionário que, além de cumprir sua função, está sempre de bem com a vida e com um puro sorriso em seu rosto. Assim era o Dias, sempre feliz e bem disposto. Um exemplo!
Hoje, depois de um longo tempo, eu o revi. Novamente ele abriu o portão do estacionamento.
- Oh meu amigo! Você voltou! – eu disse, sinceramente feliz em revê-lo.
Ele, humilde como sempre, sorriu e abriu a porta para que eu entrasse. Tranquei o carro e peguei o violão que havia levado ao churrasco e fui ao seu encontro, curioso em saber o motivo de seu afastamento.
- Meu amigo, nem te falo! Eu quase morri! Fiquei internado esses dias. Deu um problema lá em casa, o proprietário queria a casa e arranjou uma confusão. Eu fui conversar com ele e ele pensou que eu fosse brigar, alguma coisa assim, e me recebeu me “metralhando”. Me deu seis tiros! Dois me acertaram, um me varou aqui – disse e me mostrou um machucado pequeno, por onde tinha penetrado uma das balas e ultrapassado pelas costas – e o outro entrou aqui na barriga. Essa bala ainda está alojada, o médico achou perigoso retirar.
Dias é um homem sincero, alegre, sempre de bem com a vida. Tenho certeza absoluta de que ele nunca arranjaria confusão com o homem que disparou os tiros, tentando matá-lo. Mesmo assim, quase morreu.
Por isso hoje, escrevo tão bravo comigo mesmo. Fiquei muito feliz em revê-lo. Mais feliz ainda, por saber que estava vivo, depois de saber da história. Mesmo assim estava com o violão nas mãos e não toquei nenhuma música para ele. Disse a mesma ladainha de sempre: “Dias, assim que der,a gente faz um sonzinho aqui”. Ele, feliz como sempre, me disse que ficaria muito feliz com isso.
Por muito pouco eu poderia não ter essa oportunidade. E fui embora como das outras vezes, dizendo a mesma coisa que das outras vezes. Hoje eu perdi uma grande oportunidade.