quarta-feira, 30 de julho de 2008

"Diário de bordo": Canudos

A guerra de Canudos. Desde de minhas primeiras aulas de história conheci, superficialmente, esse fato. Depois de muitos e muitos anos pude conhecer o local pela primeira vez e, empolgado, devorei um livro de um historiador que contava todos os detalhes desse embate que acabou em 1896 (se bem me lembro).
A região onde ocorreu a guerra foi inundada por um açude, o de Cocorobó. Em dias de estiagem ainda são visíveis os restos da igreja nova (a última construída por Antônio Conselheiro), nascendo no meio das águas como se pudesse brotar novamente e nos relembrar os fatos ocorridos.
Uma Nova Canudos surgiu, a uns 20 Km do local, cidade com mais de 20 mil habitantes. Porém, em volta da represa - onde seria a parte mais alta da antiga cidade - ainda persiste uma comunidade: a Canudos Velha, lugar encantador e que respira história.
Hoje estamos no caminho para essa querida comunidade, realizar um trabalho. Na minha área é o mais importante que já fiz e se chamará: Sorria Canudos. Também veremos a biblioteca instalada pelo IBS (Instituto Brasil Solidário) a pouquíssimo tempo.
Aqui, depois de nossa volta, colocarei um diário de bordo dessa viagem, misturado com o pouco de história que eu conheço e "causos" da região. Voltaremos domingo (ou melhor, segunda de manhã) na esperança que tenha dado tudo certo.
Um grande abraço e até lá!
Wolber Campos

terça-feira, 29 de julho de 2008

Tudo pela educação

Mateiros é uma cidade localizada no coração do Jalapão, região abençoada pela natureza, que fica no Tocantins, entre a Bahia, Piauí e Maranhão. Lá, nós do Instituto Brasil Solidário fizemos um trabalho em 2007.
É uma pequena cidade - deve ter em torno de 2000 habitantes, contando com toda a zona rural – e guarda peculiaridades das pequenas cidades de interior. A duzentos metros da escola havia um rio onde podíamos nos banhar – e refrescar o intenso calor da região – durante o dia e servia de palco para um revigorante lual durante a noite.
Depois de um longo dia de trabalho combinamos com amigos uma roda de violão naquele lugar. Ali havia uma frondosa árvore que cobria grande parte de um espaço onde troncos deitados pelo chão nos serviam de bancos.
Para se chegar até o local levávamos lanternas, já que poucas ruas da cidade possuem iluminação e a noite sem lua tornava a caminhada difícil sem a ajuda de pelo menos a luz de um celular aberto.
Sob a copa da grande árvore, que ouvia alegremente o som do violão, ficávamos impressionados com o número de estrelas que havia no céu. Eram muitas e a ausência da lua as fazia brilhar com ainda mais nitidez. Bastava um olhar atento de, no máximo, cinco minutos e víamos – boquiabertos – enormes estrelas cadentes cruzando a noite escura.
Para alguns de nós era a primeira vez que víamos um céu tão limpo e cheio de estrelas daquela forma. Deitávamos na própria grama, olhando para cima, contando quantas estrelas cadentes mergulhavam sobre nós.
A fogueira aquecia o clima ligeiramente frio, comum na região àquela época do ano, e ao som de um bom violão ficávamos ali, como que hipnotizados pelo espetáculo da natureza.
No dia seguinte trabalharíamos na mesma cidade, porém desta vez em uma zona rural. O bairro se chamava Galhão e se estendia ao longo da estrada que deixava Mateiros em direção à Bahia e Piauí.
A pequena escola, que descansa preguiçosamente na margem direita da pista, possui apenas uma sala de aula, onde estudam em torno de 20 crianças, dos 6 aos 10 anos. Isso gera ainda mais dificuldades para o jovem professor Fabiano, de 25 anos, que precisa dar aula ao mesmo tempo para 3 séries diferentes.
Do outro lado da estrada há uma casa bem simples que, assim como a escola é cercada pelo mato e árvores. As duas assistem solitárias o passar dos dias pela calada estradinha de terra. Durante todo o dia em que atendemos ali passaram apenas dois carros levantando poeira à sua frente – um deles foi o que nos buscou de noite.
Quando estávamos descarregando todo material para o atendimento o Trilha – labrador do Luis, presidente do IBS, que viaja muito conosco - entrou em uma das 3 salas que existem na escola e saiu com um ursinho de pelúcia na boca. O surrado urso o acompanhou por um bom tempo. Foi assim que descobrimos a área de brinquedos das crianças. Em um canto de uma pequena e escura sala haviam poucos e velhos brinquedos, a maioria quebrados.
Na segunda oportunidade em que passamos por ali o Manolo (grande amigo e parceiro nos trabalhos) deixou dois enormes sacos de brinquedos novos para os pequenos - não tivemos tempo de vê-los recebendo, mas devem ter se animado bastante.
A história dessas crianças corta o coração. Todos moram a quilômetros de distância da escola e acordam muito cedo, ainda durante a madrugada, para chegar na hora certa à aula. Quando não há merenda são liberados antes, para voltarem e almoçar em casa, fato que vem ocorrendo com muita freqüência, segundo o professor.
Neste dia em que trabalharíamos naquela comunidade o motorista da prefeitura que nos levou passou em uma mercearia e comprou bolachas, leite e pães: depois de muitos dias os alunos teriam um lanche novamente.
- É de cortar o coração. Alguns alunos quando não tem merenda voltam para casa e também não tem comida. Acabam almoçando farinha e mais nada. – me contou Fabiano com um ar triste.
Geralmente essas famílias vivem da agricultura de subsistência, que nem sempre os provém com tudo o que necessitam.
Ao acabar a aula a maioria dos alunos, que seria atendida depois, voltou para casa para retornar à tarde. Saíram todos com o uniforme da escola, bem usados, porém limpos. Quando voltavam geralmente estavam usando bermudas muito surradas, furadas, camisetas rasgadas e às vezes até sem elas – modo dos pais pouparem a roupa do dia a dia.
Quando o Fabiano fez o pedido de roupas usadas para as crianças atendemos prontamente. Seriam deixadas junto com os brinquedos do Manolo.
O trabalho seguiu intenso durante o dia. As crianças, como o esperado, apresentavam uma condição muito ruim dos dentes. Tanto que foi um dos dias em que mais trabalhamos em nosso pequeno consultório, montado na sala de aula, durante toda a viagem.
No final do dia ainda haveria uma sessão de cinema. Levamos uma grande tela e um projetor especial que não perde em nada para muitos cinemas de algumas cidades. Este já estava sendo montado em frente à casinha simples do outro lado, ao ar livre.
Após atender a todos os alunos da sala, atendi o professor Fabiano, que mora na escola, em uma das 3 salas que existem ali. Ele só volta para Mateiros de quinze em quinze dias.
Perguntei a ele como era morar em uma região tão parada e longe de Mateiros – que já é uma cidade muito pequena.
- Ah, não é fácil, fico um pouco sozinho. Não tem muita coisa para fazer. Depois da aula eu estendo a rede, leio algum livro... – respondeu.
Não devia ser fácil mesmo. Ainda bem que encontramos pessoas como o Fabiano, que se desdobram e não medem sacrifícios para continuar levando a educação às nossas crianças. Mesmo que tenha que ensinar 3 séries ao mesmo tempo. Mesmo que tenha que abdicar de sua vida social a maior parte de seus dias. Tudo para tentar melhorar o futuro dessas crianças. Tudo pela educação.
Acabei de atendê-lo quando a noite estrelada do limpo céu do Galhão já ia avançando. Pela janela podia ver a tela montada brilhando e passando o desenho “Carros” para uma platéia pequena e atenta. Nenhum daqueles garotos, nem mesmo os adultos ali presentes, já tinham assistido a um cinema. Olhos bem abertos, sorrisos largos. Olhavam atentamente ao filme, do mesmo modo que nós olhávamos o céu no lual da noite anterior. Realmente tanto eles quanto nós havíamos visto ali uma maravilha pela primeira vez, e que, sem dúvida, estaria para o resto da vida gravada na memória de todos nós. Na deles um desenho colorido numa tela branca, na nossa pontos brilhantes numa tela negra.