sábado, 19 de fevereiro de 2011

Um ligeiro sorriso

Ela entrou na sala tímida, trazida pelas mãos da coordenadora da escola. Olhava para o chão e tivemos dificuldade para que abrisse a boca para que a examinássemos. 
Tem 15 anos, e lhe faltam os dois incisivos superiores (os dentes da frente). Fala muito pouco e raras vezes olha para quem fala olhando nos olhos. Se esboça um ligeiro sorriso, logo a mão cobre sua boca. 
Assim Wanderson, dentista que faz a parte de próteses do nosso trabalho, decidiu que faria uma peça provisória no mesmo dia, para que ela usasse até maio, quando retornaremos com a definitiva. 
No dia seguinte à moldagem ela voltou, tímida como de costume, tão calada que mal podíamos decifrar a ansiedade por trás de sua já enraizada proteção. 
Wanderson, emocionado como sempre num caso como este, colocou a peça. A garota, em um segundo, voltou a ter os dentes da frente. 
- Agora vocês tem que convencê-la a voltar para a escola, faz um ano e meio que ela abandonou os estudos. - disse a coordenadora, olhos cheios de lágrimas. 
- E sabemos porquê ela saiu da escola, não é? - eu disse, em alusão à perda de seus dentes. 
A coordenadora começou a chorar  de emoção e saiu da sala, sem conseguir falar. 
Olhei para a jovem, agora usando sua nova prótese, segurando um espelho. Agora ela abriu um ligeiro sorriso, rápido, quase imperceptível, e voltou à antiga timidez, que só a abandonará com  o tempo, assim como trejeitos de não abrir a boca ou levar a mão à sua frente quando fala. 
Um pequeno sorriso, inversamente proporcional à alegria que dois dentistas ali sentiam. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A troca

Que recepção! Chegamos na comunidade de Cachoeira do Norte, no município de Chapada do Norte. Descemos dos carros recebidos por uma grande parte dos moradores, cantando musicas locais de recepção a visitantes e batendo palmas. 
Depois dos cumprimentos, nos disseram que veríamos apresentações de um grupo regional de folia de reis. E assim uma banda formada por dois violões, percussão e muitas vozes, com as mulheres cantando nos tons mais altos, típicos das sertanejas do nosso país, começou a interpretar várias cantigas regionais. Estávamos recebendo cultura "na veia". 
O que nos deixava felizes era ver no grupo um bom número de adolescente e até crianças, dançando e curtindo com fervor a folia. Em muitos lugares onde vamos, uma tristeza dos mais velhos é que os jovens não de interessam mais por sua tradição, trazendo o medo de que a cultura se perca. Ali era diferente. 
Uma senhora me chamou a atenção. Estava com um alegre e saltitante pandeiro em sua mão. Com seus 60 anos, Sorria, dançava e tocava seu pandeiro com felicidade singular. Batia o instrumento com a mão e as vezes ate com o cotovelo. Que alegria. 
Dia seguinte, na fila de atendimento ela estava lá, sorridente, como no dia anterior. E assim ela se sentou em minha cadeira, olhou em meus olhos e disse "obrigado". 
Ali, eu teria a oportunidade de retribuir a linda apresentação cultural que ela havia participado. Para nós. Feliz, eu disse:
- Eu que lhe agradeço! 

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pobres cavalos

Estamos saindo de Diamantina, rumo a nossa primeira cidade do Vale do Jequitinhonha, Chapada do Norte. Pelo que ouvimos, é muito provável que não terá sinal de celular, o que deve restringir a comunicação por estes primeiros dias.
Ontem de noite, a chegada foi uma aventura. A falta de placas na estrada - indicando Diamantina - fez com que passássemos a entrada por 140 km, tendo que voltar a mesma distância até o lugar correto. Em vez de chegar as 23h, chegamos às 3:15h da madrugada. As vezes acontece.
Assim que fizemos o retorno na estrada, a caminhonete se adiantou e a van seguiu uns 800 metros atrás, dirigida por Valter com Fernando ao seu lado. Um carro vinha na direção contrária e, logo após cruzar com a caminhonete, se movimentou bruscamente. Fernando viu algo apagar os faróis e alertou:
- Valter, acho que eles pegaram algo! Diminua.
O carro diminuiu e foi para o acostamento. Passamos ao seu lado e e motorista estava saindo, confuso e nervoso, de um carro muito avariado na frente. Vimos que as pessoas estavam bem e seguimos vagarosamente, atentos a qualquer coisa que pudesse estar sobre a estrada. Algo apareceu estirado sobre a pista, dois montes. No meio dela, um cavalo esta estirado, pegando as duas pistas. Outro caído no acostamento, apenas a traseira entrando no lado esquerdo.
O carro os atropelou, em boa velocidade, tendo a grande sorte de ter acertado cada um deles com uma lanterna, o que arrebentou apenas a frente do seu carro. Pegasse de frente e o animal seria jogado contra seu para-brisa, vindo para dentro do carro. Graças a Deus, o desfecho foi diferente.
Passamos assustados, mas agradecidos por nao ter acontecido nada de grave com o outro carro e por termos chegado tarde, mas termos chegado bem.