sábado, 15 de agosto de 2009

Os dois textos

A partir dessa semana tentarei algo que necessita muita coragem, que pessoas cardíacas ou que não aguentam emoções fortes não deveriam tentar: escreverei dois textos por semana.
Veremos até quando resistirei a isso...
Grande abraço!
Wolber Campos

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A noite especial

Toda noite era sempre igual. Ao chegar do trabalho, na calçada em frente ao meu prédio, estava aquele senhor, dormindo no chão, enrolado em um velho cobertor. Como infelizmente acontece conosco, mesmo situações que nos tocam, tornam-se menos agressivas na repetição do cotidiano. Fato que era quebrado esporadicamente, nas noites mais frias onde a compaixão voltava a aflorar com violência.
Todo dia era quase sempre igual. Eu sabia se estava atrasado ou não apenas de olhar para aquele senhor. Se desço para o trabalho às 7:10h ele está sentado, como quem espera aquela democrática preguiça ir embora para despertar completamente e se levantar. Quando saio pouco mais cedo ele ainda está enrolado na coberta, dos pés à cabeça, como estava de noite e se saio atrasado - mesmo 5 minutos - ele não está lá. Parece um relógio!
Essa convivência até nos aproxima, o senhor passa a ser, praticamente, o meu vizinho. Eu o vejo mais do que muitos vizinhos que moram dentro do prédio (não tanto como a mulher de baixo...) e com isso virou natural cumprimentá-lo. Desço de manhã com minha namorada e solto o meu "bom-dia", que é correspondido com um aceno de mão e um abaixar de cabeça.
Uma noite eu cheguei mais cedo e ele estava arrumando um papelão - seu colchão - no mesmo lugar de sempre. Passei e o cumprimentei. Ele dessa vez ergueu a mão e me dirigiu, pela primeira vez, a palavra:
- "Ei fio. Viu, eu gosto muito. Você todo dia passa com sua mulher e me fala "bom dia". Olha, eu gosto muito viu!"
E me disse de como se sente bem ali; ninguém reclama dele, o deixam em paz. E novamente me agradeceu muito o gesto de lembrar dele todo o dia.
Fiquei muito feliz em vê-lo contente por causa de algo tão simplório, apesar de saber que para ele não era nada simples receber um alô de qualquer pessoa. Não sabia que ele recebia tão bem meu cumprimento.
Toda noite era igual. Aquela foi diferente. Pelo menos para mim foi especial.