sábado, 15 de maio de 2010

O empecilho - Seu Zazu

Como um bom pensador, Zazu pensava. Pitando seu cigarrinho de palha e olhando o belo pôr-do-sol do sertão estava perdido em suas divagações, até que a idéia de evolução o acertou em cheio.
"Se nascemos nesse mundo, temos um objetivo. Se Deus nos colocou aqui, é porque quer que a gente melhore espiritualmente", concluiu.
Foi mais além ainda, "mesmo quem não acredita em Deus tem que concordar que viemos aqui para evoluir". É intrínseco do ser humano querer melhorar. O problema é que a maioria das pessoas foca na melhora material e esquece o principal: a espiritual.
Zazu conhecia muitos homens da cidade grande que iam até sua cidade passar férias, tirar alguns dias para descansar e colocar a cabeça no lugar. Vários lhe contavam da loucura que é viver em uma cidade grande, do trânsito caótico, violência e o estress do trabalho aliado a tudo isso. Uma vez um desses viajantes, invejando a vida tranquila e feliz que os sertanejos levavam, disse: "Seu Zazu, aqui vocês vivem, lá a gente sobrevive".
Assim percebeu que a cidade grande pode ser um empecilho à evolução espiritual. O homem entra nessa loucura, onde todos levam a vida do mesmo modo e, sem perceber, está seguindo o mesmo caminho traçado por uma população inteira, a rotina, estudo para uma faculdade, concorrência no trabalho, a esperada promoção. Quando vê a vida passou e mal teve tempo de melhorar como pessoa.
Naquela hora Zazu, ainda fitando o lindo pôr-do-sol à sua frente, agradeceu a Deus por ser um sertanejo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Belezas

Carolina é uma linda cidade, localizada no sul do Maranhão. É bem conhecida pelo grande número de cachoeiras e paisagens bonitas que a cercam, como já mostrei nesse blog com uma filmagem na casa do seu Pedro. Um dia conhecemos um local lindo, com duas enormes quedas d água.
Pudemos conhecê-la – durante um deslocamento para o trabalho em outra cidade – em um domingo. É uma propriedade particular e, como é costume em muitos lugares assim, foi cercada pelo dono. Cada visitante paga sua entrada.
Ao descermos para as cachoeiras nos deparamos com uma estrutura levantada para receber muitas pessoas: bar, mesas, bebidas e petiscos e muita, mas muita gente. Não sei sé é algo errado comigo ou se a maioria das pessoas é assim, mas quando vejo uma beleza natural desse modo, abarrotada de gente, é como se ela perdesse um pouco a importância. Muito diferente de se pegar uma trilha, andar alguns metros e se deparar com enormes cachoeiras, desertas.
Em outra etapa, passando pelo mesmo local, retornamos a visitá-la, porém, em uma terça-feira. Ali sim, fiquei boquiaberto com aquele lugar. Não havia uma pessoa além de nós, tudo vazio. Dava pra imaginá-lo como um local virgem. Sem perceber, pude prestar atenção em cada detalhe. Era como se fosse um lugar novo para mim.
No último feriado, fui ao Ibirapuera, aqui em São Paulo. Um parque enorme, muito arborizado e bonito. Depois de muito tempo, voltei a correr e após quase “cair duro” no fim do percurso, parei para descansar em uma sombra, sentado na grama, em frente ao lago. Havia muitas pessoas e mesmo assim pude me dar conta do quanto o parque é bonito e nunca havia parado para reparar. O sol brilhava forte sobre o lago com muitos cisnes e patos, que se divertiam buscando as migalhas de pão jogadas por felizes crianças. Outras brincavam de correr pela grama, casais de namorados andavam de mãos dadas e muitas pessoas corriam, andavam ou passavam em bicicletas.
Inúmeras vezes em que fui ao Ibirapuera esse cenário estava lá, só que eu olhava sem vê-lo. Naquele momento me senti como se estivesse conhecendo o parque pela primeira vez, mesmo abarrotado de gente.
Muitas vezes exaltei as belezas das cidades por onde passo, aquele dia voltei com uma enorme vontade de exaltar uma grande beleza da minha cidade.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Crônicas de um brasileiro, ex-soldado americano (por Euller Fernandes/ Wolber Campos)

Euller é brasileiro, mas quando tinha 4 anos de idade se mudou para os Estados Unidos, acompanhando seus pais.
Viveu lá por mais de uma década, conhecendo as partes boas e ruins que um latino-americano vivencia na América.
Aos dezenove anos sentiu que sua vida estava monótona. Queria algo novo, estava cansado daquele dia-a-dia sem graça e brotava em seu peito uma enorme vontade em desbravar aquele imenso país. Tinha sede em conhecer lugares novos e de aventura. Foi então que veio a idéia de servir o Exército Americano.
- Estava completamente sem grana e queria conhecer lugares novos. O melhor jeito era entrando para o serviço militar.
Nos EUA, qualquer cidadão do mundo pode servir o exército como voluntário, basta ter o Green Card, sonho de tantos cidadãos por esse mundo a fora. Euller tinha e foi assim que ingressou como soldado americano.
Foram três anos intensos. Tantas situações fortes, pressões, que diz: “muita coisa eu nem me lembro, parece que foi um flash!”.
Outras foram tão marcantes que estão impregnadas em seu ser.
- Me lembro como se fosse ontem dos pulos de pára-quedas.
O primeiro, a gente nunca esquece. O segundo também não. O terceiro então... “Vixe!”. E por aí vai.
Lembra que naquele avião cargueiro, enorme, sentavam vários soldados novos, assim como ele. A maioria muito jovem, molecada mesmo, de seus dezoito anos. Olhavam uns para os outros. Nenhum conseguia esconder o medo, nem nos olhos, nem na face, tampouco nas pernas que tremiam. A única felicidade era notar que todos os companheiros estavam igualmente apavorados.
E o avião subia, subia, e quando pensavam que estava alto demais, ele continuava subindo. Mas um soldado americano tem que ser muito macho! Não pode vacilar. “Então vamos lá suas maricas!!! Escondam essa cara de medo e se preparem para pular!”. Deve ter dito o comandante. O medo era grande demais para se lembrar de uma simples frase. Estava muito preocupado em não deixar que seu coração pulasse pra fora da boca.
A porta se abriu e um barulho ensurdecedor adentrou o interior do avião. Mal podia ouvir o que o comandante gritava. Muitos ali devem ter borrado suas cuecas camufladas. Ele não. Pelo menos me jurou que não. Eu duvido...
- Be prepared! Gooooo!!! (Prepare-se! Váaaaaaai!!!) – gritava o comandante a cada um que saltava.
Chegou a sua vez e vlupt! Saltou. A paz reinou. E quando o pára-quedas se abriu o barulho cessou completamente. Uma intensa alegria tomou conta de seu ser. Primeiro em ver que estava vivo. Segundo, por ter engolido novamente o coração e terceiro pela adrenalina agora saciada com a paz que é estar no alto, onde apenas as aves vivem e o homem deseja estar desde os primórdios de sua existência. Agora ele estava lá, quase planando pelo céu.
Não foram mais do que alguns minutos. O bastante para enchê-lo de orgulho de si mesmo por ter se superado. Imaginou que os próximos seriam mais fáceis. Mas não seriam. E ele nem imaginava o que ainda viria pela frente...

domingo, 9 de maio de 2010

"O céu é das crianças"

A máxima expressa no título acima, dita por Jesus Cristo há dois mil anos, faz todo sentido. Em nosso último trabalho, no estado do Sergipe, ela, mais uma vez, soou para mim com veracidade estrondosa.
Já dizia alguém muito inteligente - e eu não faço idéia de onde ouvi isso - que toda generalização é burra, então não generalizo, mas as crianças são puras. O adulto, em sua maioria, é corrompido, egoísta e, muitas e muitas vezes, maldoso.
Por esse motivo, há muitos anos, parei de atender adultos nos trabalhos do sertão. Crianças nunca me deram problema algum. Muito pelo conttrário, o prazer de atendê-las é inexplicável. Em sua maioria, sentam na cadeira, abrem sua boquinha, me deixam tratar o dente que eu quiser e ao término se levantam, quase sempre sem agradecer, e eu acho a coisa mais legal do mundo. Não precisam nem dizer "obrigado" - e eu também não preciso ser agradecido e nunca espero isso -, um sorriso delas é um pagamento imenso! Quantas não passaram ali do meu lado, durante um dia inteiro, esperando pela chance dde ser atendida e, ao final de longas horas, eu (me sentindo muito mal por sinal) explicava que não conseguiria tratar de seu dentes, o tempo havia esgotado.
Sabe o que elas fazem nesse caso? Dizem que está tudo bem e vão embora sem mágoa alguma, apenas cientes de que eu realmente não tive tempo de restaurar seus dentes.
Já um adulto... Não sei porque perdemos essa paciêcia e sabedoria com os anos.
Parei de atendê-los pelos problemas que tive durante os primeiros anos. A situação das criançças, na maioria das ciidades é assustadora! Sem falar em sua carência. Mas o egoísmo dos "gente grande" não os deixa enxergar ou se comover com isso. Com fila enorme de crianças e suas bocas maltratadas como campos de guerra, me vinham professores e até diretores, dizendo "ah, você vai ter que me atender!".
Não adiantava explicar sobre carência das crianças, que eles tirariam a vaga de alunos carentes. Cansei de ouvir "mas só eu, vai...". E quando eu, perfeito idiota, abria excessão vinha outro: "ah, mas atendeu a fulana, vai ter que me atender também!". Pronto, começava a "rebelião" e se caísse nas lábias não trataria de criança alguma, só de adultos.
Em abril, em Poço Redondo-SE, veio uma professora bem vestida e disparou arrogante: "Você vai me atender hoje!".
Expliquei que não podia, "apenas as crianças" e os motivos "históricos" que me haviam levado a isso. Gastei saliva. Pra caramba! Ela, sorrindo simpaticíssima, me fazia favores enquanto eu montava a cadeira. Pegava água, trazia sacos de lixo e baldes, porque eu ia "arrumar os dentes" dela mesmo. Ia e vinha, com toda disposição do mundo, e eu explicando que agradecia de coração, mas não poderia atendê-la.
Até que comecei a trabalhar, ela quis se sentar antes da primeira garotinha da fila e eu disse sério: "já falei que não posso atender adultos, me desculpe..."
- Eu não preciso de suas desculpas, faça com ela o que quiser! - disse raivosa e saiu batendo os pés no chão, sumindo, furiosa, porta afora.
Fiquei feliz em não ter aberto excessão. Era um adulto se fingindo de "gente boa". Poderia ter caído numa "lábia" de pessoa do bem, atender uma pessoa daquela qualidade e deixar de ajudar uma criança pura.
Ufa!