quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Crianças do sertão

Toda vez que atendo uma criança que dá muito trabalho no consultório me lembro, automaticamente, das criancinhas do sertão.
A carência de atendimento que existe por lá - e também a criação sem cuidados excessivos como temos nas grandes cidades - as deixa com uma serenidade impressionante.
É como se em seus olhos eu pudesse ler "Estou com medo, mas sei o quanto é difícil receber um tratamento para essa dor que incomoda há tempos. Pode ir".
Esta semana, quando um garotinho de 6 anos chorou muito para ser atendido, me lembrei da garotinha, da mesma idade, que atendi em Quatipuru Mirim, comunidade de pescadores no Pará. Atendimento odontológico para aquelas pessoas consegue ser mais difícil do que continuar os estudos após o quarto ano.
Ela se sentou quietinha e percebi que estava com medo. Ao examiná-la entendi: restos de um dente destruído em uma gengiva inflamada. Quanta dor havia sentido?
Expliquei o que iria fazer e contei a minha mentira sobre a anestesia (iria apenas "espirrar" uma "aguinha" que faria adormecer o dente) e pedi para que fechasse os olhos, para não espirrar nada que pudesse ardê-los. Ela apertava tanto os olhinhos que estes quase se abriam novamente. Já estava com a seringa próximo à sua boca, quando ela levantou a mão pedindo para falar.
Escondi o anestésico rapidamente para ela não o ver e disse que podia falar, imaginando que diria que não queria a "aguinha".
- Eu posso fechar meus olhos com minhas mãos, tio? - disse, colocando as duas mãos, uma sobre cada olhinho tenso a minha frente.
Anestesiei por completo, ela nem se mexeu. Foi a anestesia mais emocionante da minha vida.