terça-feira, 26 de agosto de 2008

"Diário de Bordo": Canudos - E o barquinho vai...

Nossa sexta seria tranqüila pela manhã, eu conheceria a biblioteca construída pelo IBS, veríamos alguns materiais de reforma e poderíamos fazer um esperado passeio de canoa. Assim que acordei tive uma frustração: vi dois pernilongos por dentro do meu mosquiteiro. Ele não tinha furo algum, muito provavelmente os dois já estavam lá dentro quando eu deitei, o que me fez parecer um idiota tirando um barato dos outros famintos do lado de fora na noite anterior. Sarei minha pseudo-raiva esmagando a dupla dinâmica. O café da manhã seguiu implacável, como sempre, e nós saímos rolando, como sempre. A biblioteca, que nos esperava, foi construída pelo IBS, junto com os moradores, ao lado da escola. Ficou muito bonita, bem abastecida com livros e equipada com uma televisão. Após a visitarmos e checarmos os materiais que compraríamos mais tarde seguimos com nossos amigos para o passeio de canoa, aproveitando o sol da manhã.
O plano que eu e o Luis fizemos era seguir de barco até a região onde está a cidade antiga. Daríamos um mergulho, sem nenhum equipamento mesmo, para tentar enxergar algum resquício da igreja ou muro de alguma constução. O único “apetrecho” que eu levava era um solitário e surrado óculos de natação, que não serviu para nada além de fazer a festa das crianças, que adoravam colocá-lo e pedir para tirarmos fotos.
Chegamos no local, mas não conseguimos enxergar nada. Ali deveria ter uns 7 metros de profundidade e nosso medo de meter a cara em algum tronco ou resto de muro fazia não descermos tão à vontade.
Seguimos então na canoa sabiamente guiada pelo Cristiano, que remava com "know how", para uma ilhota onde havia um marco, simbolizando a área da cidade inundada. Eu e o Luis íamos numa ponta com as máquinas tirando muitas fotos e o Jackson - com sua cueca-sunga - e Quinha na outra, mergulhando a toda hora, o que fazia balançar a pequena canoa e espirrar água nas nossas máquinas.
Atracamos o barquinho na ilhota e fomos recebido por um enorme sapão, que indiferente à nossa chegada continuou parado ao lado da canoa. Talvez ele pensasse:"Vou ficar quieto aqui e quem sabe esses manés passam e vão embora...". Pensou errado, logo o Luis o pegou para "brincar" e a antítese de príncipe seguiu no barco conosco na volta com uma cara mal humorada de quem não queria fazer passeio algum.
Dali navegamos até o Parque Estadual de Canudos, região onde houve os combates entre os sertanejos e o exército republicano. Pela represa se chega a uma região mais preservada do parque, onde não aparecem muitos turistas. Ali se pode encontrar muitos vestígios da batalha ocorrida em 1886-1887. Restos de casas, balas, cartuchos de fuzil, porcelanas quebradas que juntas formam pratos antigos, enfim, muitos objetos que nos transportam até a época da guerra. Parece que podemos sentir a angústia do pobre - e corajoso! - povo massacrado pela intolerância e ignorância da incipiente república brasileira.
Cartucho de fuzil, um dos muitos artefatos espalhados pelo parque de Canudos





Ainda dentro do Parque Jackson me apresentou o fruto do mandacarú. Sempre havia visto nas viagens aquele fruto vermelho preso na espinhosa planta do sertão, porém não sabia que podíamos comê-la e mesmo depois de saber nem imaginava que seria tão gostosa. Tudo bem, o aspecto não é lá tão atrativo e mesmo sua consistência meio pegajosa não chama muita atenção. Porém é muito gostosa! Tem algo de crocante enquanto mastigamos e é levemente adocicada. Olhando de perto lembra - visualmente, claro - um sushi, aquele arroz com gergelim preto. Vale a pena experimentar!
Mais tarde, pra fechar um ótimo dia, só mesmo um lual no bar da Madalena. Ali, com nossos amigos ficamos o começo da fresca noite. Embalados ao som do violão e aos petiscos frescos retirados do açude, uma noite perfeita.

Com minha máquina, mesmo com pouquíssima luz, consegui filmar o Cristiano tocando uma música que eu havia conhecido no ano anterior e era louco pra aprender. O vídeo segue aqui...

"Diário de Bordo": Canudos - O dia seguinte

Acordamos cedo na primeira manhã; eram 7 horas. O sol começava a despontar brilhante no céu, porém o tempo ainda estava um pouco frio, bem característico daquela região próxima à represa: frio de noite e de manhã e muito calor durante o dia.
Como tínhamos acabado de chegar de São Paulo – onde o tempo também não estava quente – a manhã estava muito agradável. Para tomar um bom banho descemos os cerca de 50 metros que separam o quintal da Madalena até o limpo e bonito açude de Cocorobó.
Um senhor estava de pé e de braços cruzados em frente as calmas águas, ao lado de 5 canoas que balançavam pacientemente amarradas a um toco encravado na terra. O cumprimentei e ele respondeu com um amável sorriso. Seu nome era Vicente, tinha uma casinha simples, bem próxima à represa e era pescador.
Àquela hora da manhã já havia pescado e voltado. Disse que algumas vezes sai com sua canoa antes das 5 da manhã.
- Mas esses dias não estão bons pra pescar, não. Além de estar frio o vento tá batendo muito as águas, os peixes somem. – me contou.
Naquelas águas existem vários tipos de peixes. Além deles, o camarão de água doce, em abundância por ali, também enche as redes dos pescadores. Eu o experimentaria mais tarde numa deliciosa farofa que a Madalena faria especialmente por eu nunca ter comido os bichinhos.
Banho tomado, subimos de volta para o café da manhã. “Meu Deus, desse jeito vou me acabar aqui!”, pensei no momento em que vi a farta mesa que nossa amiga preparou à nossa frente, com pão francês, sovado, queijo, manteiga de garrafa, cuz cuz, ovo frito, café, leite em pó... Tudo o que adoramos. Comemos como se fosse a última vez.
Quase “rolando” seguimos para a pequena escola, onde as crianças nos esperavam para um exame clínico onde verificaríamos a quantidade de cáries e qualidade da escovação. Eu estava muito empolgado com a implantação deste trabalho, o mais importante planejado nestes anos de IBS.
O intuito é capacitar alguns voluntários locais com todas as informações necessárias para que os pais possam criar seus filhos longe das cáries. Esses voluntários visitarão primeiro as casas das mulheres grávidas, depois das mães com filhos pequenos e assim por diante, com uma apostila de prevenção e kits com escova e creme dental.
A idéia será retornar a cada ano para verificar uma melhora no índice de cáries das crianças menores de 5 anos, algo plausível numa comunidade pequena como aquela, onde há crianças com dentes completamente destruídos pela falta de escovação.
Após o almoço fizemos essa capacitação, onde cinco pessoas se interessaram em contribuir com o projeto. No meio da tarde conseguimos um tempo para descer até o açude. Devia estar mais de 30 graus e o calor (aliado à beleza das águas azuis de várias tonalidades da enorme represa) convidava a um mergulho.
Como não levamos o odontoportátil (cadeira de dentista que levamos na van e que funciona em qualquer tomada como se fosse um consultório completo, com motores, sugador e podemos fazer restaurações; quase tudo o que fazemos num consultório) pude conhecer bem a região desta vez. Quando temos a possibilidade de restaurar dentes, tirar a dor, enfim, atender as pessoas da região, é muito difícil ter tempo para visitar alguns locais. Desta vez juntamos nossos amigos Cristiano, Jackson e Quinha e preparamos um roteiro para conhecer Canudos – bem, pelo menos eu conheceria, todos ali já eram veteranos – nas horas vagas.
Descemos até a represa. A água estava muito boa, na temperatura ideal para umas braçadas. Me lembrei da história do Luis, que na primeira vez que mergulhou naquelas águas teve alguma reação alérgica, daquelas de se ficar todo inchado. Por alguns anos ficou com receio de entrar de novo. “deve ser algo do povo do Conselheiro”, brincavam. Porém no ano passado entramos com ele no começo da noite, no fim de um dia de trabalho. Mas foi nesse ano ele fez as pazes com o local numa “conversa” franca com o açude e hoje entra sem medo.
De noite jantaríamos uma deliciosa galinha caipira, a mesma que Madalena estava depenando na panela quando acordei de manhã. Fiquei com pena – sem trocadilhos – da galinha na hora, mas tenho que admitir que de noite nem me lembrei com a fome e com o tempero gostoso da pobrezinha...
No dia seguinte iríamos para Bendengó – cidade a alguns quilômetros da comunidade – comprar telhas para a biblioteca e fazer um orçamento para uma futura construção, plano que discutiríamos no sábado com os moradores.
Deitei na cama carinhosamente arrumada pela Madalena e, com cuidado, fechei o mosquiteiro sob o colchão; haviam muitos pernilongos, muitos mesmo. Podíamos até ouvi-los cantar sua assustadora sinfonia. Mas para minha alegria podia rir da cara deles por ver que paravam a poucos centímetros de seu alvo. Não seria comigo que matariam sua fome; e, pronto para dormir, imaginei uma risada maligna.

domingo, 24 de agosto de 2008

E se vão as Olimpíadas

Pois é, mais uma Olimpíada se foi. Independente da campanha "male male" do nosso país o evento é emocionante e apresenta histórias de vida impressionantes.
Tudo bem, a mídia fica completamente entorpecida com o clima lúdico e muitos escândalos somem das manchetes, mas também somos filhos de Deus e temos direito de torcer ser felizes de vez em quando.
Histórias como a da brasileira que ganhou medalha de bronze no judô são lições e exemplo para todos nós, e o modo como as jogadoras do futebol feminino brasileiro jogaram e, infelizmente, perderam, nos enchem de orgulho mesmo em face à derrota. Uma raça e empenho que nos faz pensar que se os homens da seleção jogassem com tamanha garra teríamos um time imbatível no masculino!
Com o encerramento do evento começamos a ouvir as muitas críticas quanto a má campanha do Brasil. "Deveríamos ter mais incentivos" ou "Falta apoio" saltam por quaisquer canais por onde passemos.
Realmente precisamos mesmo. Não é ser ufanista - no melhor (ou pior...) estilo "Galvão Bueno" -, mas o brasileiro é um povo que realmente é bom no que faz. Não sei se pela miscigenação histórica, pela ginga nata, ótima desenvoltura e simpatia, vários outros motivos que poderíamos listar, temos ótimos atletas no que nos empenhamos a fazer.
Um exemplo é a ginástica artística. Tudo bem que ainda não decolamos ali também, mas em questão de 15 anos atrás o país era nulo nessa área. Me lembro do nome de Luíza Parente, que solitária tentava levar o nome do país nas competições dominadas por um mundo inteiro antes do nosso. Em questão de alguns anos, incentivo financeiro nos treinos, instalações, um ótimo técnico da Europa Oriental e surgiram muitas estrelas. Nível de campeões mundiais como a Daiane, o Diego ou a Jade.
É uma pena que não aproveitamos muitas ondas que aparecem com toda uma chance de fazer algo decolar, como o tênis, com o Guga. Um gênio surgiu, se tornou número um, passou e com ele passou também o tênis. Temos muito ainda que aprender.
Se o país der incentivo ao esporte o Brasil estará em breve disputando as primeiras posições no ranking de medalhas? Não tenho a menor dúvida, a própria China é um exemplo disso.
Porém não devemos esquecer que antes de incentivo ao esporte precisamos MUITO MAIS de incentivo à educação, à saúde, à cultura e aí sim, ao esporte. E antes de ter um país primeiro do ranking teremos um país campeão em cidadania.