quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Rei do Baião

Uma das coisas que me ficaram impregnadas pelas andanças no sertão, foi o amor ao forró. Ao forró pé-de-serra, como dizem por lá, principalmente por Luiz Gonzaga.
Esse ícone da música brasileira tem minha admiração por vários fatores. Primeiro, claro, o musical. Sua criatividade, melodias, letras e a habilidade com a sanfona, instrumento que deveria ser esculpido a ouro, pela beleza e capacidade de soar um som tipícamente brasileiro, quase cheirando à caatinga molhada em épocas de chuva.
Outro ponto de minha admiração é seu orgulho de ser sertanejo e cantar a vida dos nordestinos, seja sofrida - como "Asa Branca" - seja no feliz contato com a natureza - como a "Estrada de Canindé" - entre tantas e tantas histórias.
É muito comum um paciente entrar em meu consultório e meu rádio estar ao som do velho Gonzaga; um forrozão "lascado"! Alguns dão risada e estranham que eu goste de forró. Outros gostam.
Marcos sorriu. Um sorriso de nostalgia, como quem lembra um gosto puro de infância.
- Oh, meu amigo, você gosta do Gonzagão, então? - me perguntou.
Nordestino, veio para São Paulo há algumas décadas. Mas até os 15 anos, morou em Juazeiro no Ceará.
- Foi lá que conheci Luiz Gonzaga, no começo dos anos 80. Ele vinha para nossa cidade toda terça, com Patativa do Assaré, e eu ganhava uns trocados como engraxate e tive o prazer de engraxar os sapatos do homem.
Na primeira vez, velho Luiz gostou de Marcos e disse: "Moleque, venha engraxar meu sapato na terça que vem que te trago um saco de laranja do meu sítio!". Soltou com a voz inconfundível de trovão.
E foi assim, na outra semana o menino terminou o serviço e levou contente um saco de laranjas para casa.
- Um dia, ele me levou na F-1000 dele para a sua casa, no Exú. Engraxei os 60 pares de sapato. Muitos que ele usava nos shows. Olha que honra! - disse com um grande sorriso de felicidade.
Ficamos conversando ainda por um tempo, lembrando de curiosidades, do prazer e orgulho de ter engraxado os sapatos do Rei do Baião.
Que inveja boa eu fiquei!

domingo, 31 de outubro de 2010

Tráfico de água

A seca. Exposta desde os livros de história do Brasil nas escolas, ainda hoje é um problema no sertão. A solução poderia manar, assim como a água brota de poços artesianos em locais áridos, não fosse os interesses políticos escusos e desejo em manter a miséria, de uma das pragas mais antigas e presentes de nosso país: o coronelismo.
Em uma cidade do interior seco do Brasil, meses atrás, a seca vinha de forma intensa. A época de chuvas havia passado e isto significava esperar por mais um ano pela sonhada água. O nível das cisternas (reservatório ligado aos telhados das casas para armazenar a água das chuvas) estava no fim, e os caminhões pipa se esforçavam em manter água nas escolas e comunidades mais afastadas.
Luis, fotógrafo, visitou o açude da região, onde o nível baixava cada vez mais e as mulheres sertanejas buscavam a água barrenta para o sustento de sua família. Latas d´água na cabeça, andavam, muitas vezes, mais de 5 quilômetros, equilibrando 10, 15, 20 ou mais, litros de peso sobre o velho pano enrolado sobre os sofridos cabelos.
Enquanto retratava essa dura realidade, alguns caminhões pipa passaram, despejando água no maltratado açude. O motorista de um deles parou e veio em sua direção. Seu Raimundo, era um homem de meia idade, olhar duro, mas sereno, caminhou até Luis e lhe disse, ao pé de um morro onde estava.
- Por que você está tirando fotos? É de alguma revista ou jornal? - perguntou sério, porém sem agressividade.
Luis disse que não, estava apenas retratando o dia a dia das sertanejas e sua luta pela água.
Ele disse que não havia problemas, mas pediu que apagasse qualquer foto que tivesse saído os caminhões pipa.
- Sei que estamos fazendo algo errado, essa água é ilegal, buscamos no município vizinho. Mas não temos água para abastecer a cidade e a situação está perigosa para toda a população.
Explicou que, durante a noite, saíam escondidos e enchiam seus tanques no açude de outra cidade, despejando o conteúdo no seu, quase seco.
Não havia problema, apagou as fotos onde haviam caminhões despejando a água e pensou no certo e errado. A luta pela vida, o que fazer? Uma população toda pode morrer sem água, bem inestimável à vida. Sem dinheiro para comprar e, mesmo se houvesse, municípios vizinhos também se preocupavam com seus níveis.
O tráfico, ali, era uma necessidade. Vida ou morte.

Volta

Queridos amigos! Estou de volta.
Trabalhamos durante duas semanas no Maranhão (Balsas e Nova Iorque), Piauí (São Raimundo Nonato) e Ceará (Crateús). A véspera de viagem foi tão corrida, que não pude avisar a ausência que seguiria neste blog.
Novas histórias foram encontradas, pessoas conhecidas, amigos reencontrados. Aos poucos tudo será dividido com vocês.
Senti saudades.

Enorme abraço a todos!!

Wolber Campos