sábado, 11 de julho de 2009

O mundo novo

Criança é sempre uma alegria. Ainda me lembro quando recebi a notícia de que meu irmão mais novo havia engravidado a namorada – e o namoro já estava quase acabando. Depois daquele susto, das preocupações, do término do relacionamento, logo meu sobrinho estava correndo pra lá e para cá e já tinha se tornado a alegria da casa.
Hoje ele tem 6 anos e está aprendendo a ler. É gostoso observar a curiosidade com que tenta decifrar as palavras e frases espalhadas por toda a cidade. É um mundo novo que se abre diante dos pequenos e atentos olhos e podemos ver a alegria que as crianças sentem em poder compartilhar as letras conosco.
Daí podemos ver a importância da alfabetização dos adultos. Um analfabeto - mesmo um semi-alfabetizado – vive num mundo estranho, se afogando num “mar” de sinais complicados esparramado sobre tudo o que vê.
Imagino-me vivendo na China, sem fazer idéia do que significam aqueles mandarins curiosos. Uma sensação de impotência para conviver bem num lugar que não é o meu.
Um adulto que aprende a ler suas primeiras letras é algo totalmente emocionante. Uma criança tem um mundo se descortinando à sua frente, porém tudo está se abrindo, várias informações e conhecimentos que se somam de uma vez só. O analfabeto já passou muitos anos num mundo desconhecido, misterioso e, de repente, tudo se abre, se torna claro. Aqueles símbolos outrora estranhos passam a fazer sentido e uma enxurrada de informações pode ser absorvida.
Ler o nome do creme dental, saber o que diz a manchete do jornal, decifrar uma propaganda na parede de uma rua, ler uma placa de trânsito. De repente tudo passa a fazer sentido.
Uma pessoa, depois de adulta, começa enfim a pensar que também faz parte deste mundo.

domingo, 5 de julho de 2009

Motivação

Dia 10 de junho eu operei meu joelho direito. Pra ser mais específico ainda: o ligamento cruzado anterior (LCA). Graças a Deus a recuperação está ótima, semana passada já havia abandonado as muletas e quase não manco...
Chegou a época das sessões de fisioterapia, excelente e necessária para uma boa recuperação mas não vou mentir, dói um pouco, em algumas horas até muito. Mas paradoxalmente é uma dor boa, que você sai das sessões já andando melhor e a cada dia movimentando mais ainda o joelho.
Na sexta-feira, depois de uma tranquila parte de alongamentos e exercícios de fortalecimento muscular chegou a hora tão temida: a de dobrar o joelho. Primeiro a mulher já me disse uma frase que soa estranho e temida para qualquer homem:
- Vai, vira de bruço...
Barriga pra baixo, perna direita (a operada) ligeiramente dobrada pra cima ela começou a movimentá-la e dobrar bem de leve, me pedindo para que eu a relaxasse. De repente a dobrou, fazendo uma grande pressão.
Mas doeu... Do tipo que você aperta os dentes e poderia espremer uma laranja sem descascar facilmente se a tivesse nas mãos. Quando me contraí, segurando o grito pelo único motivo da vergonha das outras pessoas que estavam na sala, ela me disse simplesmente:
- Não, relaxa, vamos lá - disse enquanto aumentava a pressão.
Na hora ainda pensei: "mas como é que alguém consegue relaxar enquanto sente uma dor dessas, criatura?".
Quando ela soltou a perna e eu comecei a dar gargalhadas involuntárias (não sei se pelo prazer de acabar aquela série ou de nervosismo). Ainda me disse uma gracinha, fazendo uma analogia pra eu lembrar dos meus pacientes que sentiam dor.
- Mas pelo menos eu anestesio eles antes de mexer - respondi mais alto do que eu gostaria, mas me lembrando que ainda teriam mais duas séries, ponderação era algo impensável para mim.
Me lembrei daquele filme "O virgem de 40 anos", em uma cena que ele vai depilar o peito e a dor é tão grande que ele, involuntariamente, começa a xingar a depiladora. Perguntei à moça se alguém já a havia xingado depois de alguma série sem querer, só para extravasar. Como ela me respondeu negativamente me concentrei pra não ser a primeira pessoa a passar aquela vergonha.
Quando começou a segunda vez ela - uma ótima profissional e gente boa também - me contou uma pequena história:
- Eu sei que não é fácil. E você ainda imagina um outro paciente que eu tenho que perdeu a perna direita num acidente de moto, a esquerda quebrou em quatro lugares diferentes. Eu tenho que dobrá-la, assim como estou fazendo com você, mas ele ainda não tem a outra para apoio.
Quando ela dobrou essa vez eu não soltei um mínimo gemido e ainda pensei: "pode apertar o quanto puder...".