sábado, 22 de maio de 2010

Escravidão

É incrível pensar que há pouco tempo atrás - cento e poucos anos! - a humanidade aceitava a escravidão como algo possível. "Calma lá Wolber, até hoje ainda existe trabalho escravo em muitos lugares do próprio Brasil". Eu sei, mas digo escravidão como instituição, aceita por muitos países.
Como um homem podia comprar um semelhante, como se fosse um animal, trancafiá-lo numa senzala e forçá-lo a trabalhos duros, recebendo apenas comida em troca? No livro 1808, de Laurentino Gomes, há o relato do diplomata inglês Henry Chamberlain, que observou como era a compra de um escravo na época:
"Quando uma pessoa quer comprar um escravo, ela visita vários depósitos (...) até encontrar aquele que lhe agrada. Ao ser chamado, o escravo é apalpado em várias partes do corpo, exatamente como se faz quando se compra um boi no mercado. Ele é obrigado a andar, correr, a esticar os seus braços e pernas bruscamente, a falar, a mostrar a língua e os dentes. Essa é a forma considerada correta para avaliar a idade e julgar a saúde do escravo."
Desde criança, quando ouvia as histórias dos traficantes de escravos, pensava que se arriscavam, guerreavam na África com tribos e os aprisionavam. Imaginava que deviam ser pessoas ruins, porém deveriam ser guerreiros corajosos para conseguir esse fim.
Hoje, aprendendo um pouco mais sobre o assunto, vi que nem isso podemos elogiar nesses homens. Sua coragem se resume a atravessar o Atlântico e voltar, pois na África eles compravam os escravos já presos, na maioria das vezes por próprios africanos. Eram países praticamente tribais, que viviam em guerra entre si. Os perdedores se tornavam escravos, vendidos aos traficantes portugueses e destinados ao Brasil.
Não aceito, nesse caso, o comentário de "se colocar na época em que aconteceu o fato" e suavisar a barbárie que foi esse período obscuro de nossa história. Já naquele tempo haviam muitas pessoas contra a escravidão, abolicionistas que lutavam pelo fim daquela vergonha. Pessoas que não só estavam inseridas no tempo, mas que tentavam melhorar as condições de seu país.
Bom saber que hoje a escravidão é um mal extirpado de nosso mundo. O ser humano pode sonhar em melhorar um pouco como ser vivo à partir do momento que começa a respeitar, pelo menos um pouco mais, o seu semelhante.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Histórias d(n)o Lixo: O CD (por Valter Lima / Wolber Campos)

Eles moravam juntos há algum tempo. Já tinham brigado outras vezes, mas naquele instante tinham uma certeza: era a última vez.
Ele saiu de casa, cabeça quente, pensando em nunca mais voltar. Ela ficou em casa, cabeça mais quente ainda, querendo eliminar qualquer lembrança. Juntou tudo que dele havia em casa, ternos, tênis e sapatos, relógios, livros e até a sua amada coleção de CDs. Não queria nenhum vestígio. Colocou tudo em sacos de lixo e jogou fora.
No dia seguinte, cabeças mais tranquilas, pensaram que haviam se precipitado. Independente de qualquer problema, sabiam que se amavam e queriam viver um ao lado do outro.
Ele ligou, ela atendeu feliz e fizeram as pazes. "Estou indo até aí!".
Chegou em casa, se abraçaram e trocaram juras de amor. Ao se sentar, ela disse encabulada:
- Amor, só tem um probleminha... - pausa, respira e continua - Eu joguei todas as suas coisas no lixo.
"TODAS???", é meu amigo, todas.

Valter estava sentado em sua mesa, checando uma papelada que havia chegado, quando tocou o telefone. "Alô".
- Bom dia, não sei se você pode me ajudar. Na verdade já contei essa história para várias pessoas, que me deram outros telefones, até que cheguei ao seu. Ontem tive um desentendimento com minha namorada... - e contou todos os detalhes de sua inusitada história.
- Bom, os caminhões que recolhem os lixos da sua região os trazem para essa central e como passam de manhã, devem estar chegando a qualquer momento, se ainda não chegaram. - respondeu Valter.
Disse ainda que avisaria aos separadores que guardassem quaisquer objetos que pudessem ser os relatados pelo rapaz e que ele poderia comparecer ali para tentar achá-los.
Pouco mais tarde, Valter estava em sua sala, ouvindo um CD do Pink Floyd, quando batem à porta.
- Bom dia, você é o Valter? - perguntou educado e com certo nervosismo na voz, com a confirmação da pergunta continuou - Prazer. Vocês encontraram alguma coisa?
Se encaminharam então para uma área onde havia um punhado de objetos separados. Ali o rapaz, contente, foi encontrando várias de suas coisas. Foi separando tudo e juntou em um grande monte, erguendo ao lado uma pilha de CDs - sua amada coleção.
- Aliás, este do Pink Floyd que eu estou ouvindo estava no lixo também, deve ser seu. - disse pegando a caixa e se dirigindo para o som.
Era dele, mas o rapaz não o quis, estava muito feliz em ter achado grande parte do que procurava. Fazia questão que o companheiro aceitasse o presente. Pegou seus pertences, contente, e foi embora.
Hoje, nas viagens, Valter pode colocar no som do carro um CD do pink Floyd, que além de ter belas canções ainda tem uma boa história pra contar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Feijões

Em 2005, num trabalho em uma escola, acabei o almoço correndo e fui direto atender - depois escovaria os dentes. Quem já foi nesse trabalho social, sabe que a correria é grande e como a fila estava enorme, saí da cozinha para a sala de aula, onde estava montada a cadeira de dentista.
No meio da tarde, chamaram todos os voluntários para uma foto no estúdio fotográfico montado em outra sala, onde a fotógrafa Roberta ensinava às crianças a arte da fotografia digital.
Ali, coloquei o Tião (macaco de pelúcia que é o mascote da odontologia no IBS) no pescoço, abri um sorriso e "clic" a foto estava batida.
Saí de lá e, só aí, escovei meus dentes, antes de voltar ao trabalho.
Fim do dia, todos estavam se divertindo, vendo as fotos e poses engraçadas de cada um, quando a Lílian, amiga dentista da equipe, viu minha foto na tela e me perguntou: "você está com gengivite?".
Ah, "maldito" olhar detalhista que nós, dentistas, temos para o sorriso. Eu disse que não e o computador, que não deixa nada passar foi dando um "close", aumentando, aumentando minha boca e ali estava: uma casquinha de feijão, sutil, mas clara, bem sobre meu dente da frente, junto à gengiva!
Não preciso comentar as risadas e piadas que seguiram, afinal, um dentista com um feijão no dente já é uma piada por si só...
Ontem, no almoço, estava "mandando brasa" em uma feijoada no meu consultório. Chegou uma paciente para pagar e aguardou na sala de espera. Eu, ingênuo e esquecido da antiga lição, terminei o almoço e, para não deixá-la esperando por mais tempo, fui recebê-la.
Conversei, marquei outro horário, brinquei com a filha que ia colocar aparelho, rimos. Na sala de espera estava sua irmã com o filho. Ao me mostrar os dentes do pequeno chamei sua atenção, havia muitas cáries, deveria escovar melhor os dentes e tudo mais.
Foram embora. Uma luz me veio na cabeça. "Comi feijoada e ainda não escovei os dentes...". A história de 2005 veio automaticamente na memória. Corri para o espelho. Ali estavam, três casquinhas, pequenas, mas tão chamativas quanto três focas negras no meio da geleira.
E eu chamando a atenção do menino que precisava escovar melhor os dentes, com três casquinhas de feijão, pretas, nos meus.
O garoto deve ter pensado: "Olha quem fala!". Ainda bem que ficou quieto.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Jegue

"O jegue é o animal mais taradão que existe!", nos conta Antônio, amigo paraibano, que conhece a fauna nordestina como poucos. Ele nos contou há tempos a curiosa história de suas aventuras, na adolescência, com as mulinhas sertanejas.
O reencontramos em abril e logo continuou suas histórias engraçadas e - espantem-se -verídicas.
Voltando o assunto do reino animal sertanejo, ele nos soltou a máxima que inicia esse texto. Para os que leram o texto da mulinha acalmem-se: ele não comeu um jegue. Até porque o mais lógico seria o contrário, devido à tara conhecida do animal (do jegue, não do Antônio) e isso o rapaz jura de pé junto que nunca aconteceu.
- Se tivesse acontecido eu não estaria aqui pra contar história...
Ele conta que quando o jegue quer traçar uma mula, égua, ou seja lá o que for, ninguém segura. O bicho fica louco e não descansa até saciar seu desejo.
- Pode acreditar. Eu só não entendo da pica do jegue, mas da transa dele eu entendo! - disse, engraçado como sempre.
Algo que não sabíamos é que, assim como o cachorro, a glande (o ápice do pênis, ou nas palavras de Antônio "a cabeça do pinto") do animal se incha durante o ato sexual, mas não fica presa lá dentro como no caso canino.
- A cabeça incha e se abre, parecendo um guardachuva na ponta - disse, mostrando que também entende da pica do jegue.
Sua fêmea é a jega ou jumenta, mas ele traça também, éguas, mulas e até outros jumentos mais alegrinhos. "Ja vi até jegue viado, o bicho só gostava de dar", diz nosso amigo. Seu filhote com uma égua é o "burro sangue puro", melhor do que o burro nascido entre um cavalo e uma jumenta.
- O burro puro é um animal bom demais, forte que só o capeta, e tem muito fazendeiro que paga uma fortuna por um bicho bom desses.
Disse-nos uma história que aconteceu há alguns anos na pequena cidade do interior da Paraíba, onde nasceu.
Era tarde de domingo e a praça estava cheia de gente, mocinhas e rapazes, famílias, a garotada toda. De repente passa pela rua uma égua em disparada, correndo, "quase dava pra ver o medo nos olhos da bichinha", e atrás vinha um jumento, louco pra subir em cima dela.
Alguns riam, a maioria disfarçava, meio constrangida, fingindo que não acontecia nada e torcendo para que os bichos não voltassem. Mas dava uns segundos e eles voltavam, ela fugindo de medo, ele correndo atrás, cheio de tesão. Até que ali, no meio da praça: "Vlapt!", conseguiu "atarracar" na égua. Foi um espanto geral:
- Imagina o jumentão, no meio de todo mundo, com aquela jeba enorme, subindo em cima da égua. Um monte de mocinha ficou vermelha.
Antônio Marinho, poeta paraibano, estava entre os que se divertiam com a cena. Um de seus amigos gritou: "Marinho, faça uma poesia pra esse momento!". Ele, sem titubear, encheu o peito de ar e clamou:
"Eita jumento danado
Cadê a vergonha sua?
Tanta mocinha na praça
E tu com a espada nua
Deixa de fudê no mato
E vem fudê no meio da rua!"