terça-feira, 8 de julho de 2014

Médicos

Já fazia mais de dois anos que suportava os mesmos problemas. Sabia bem o que era sentir o peso do mundo nas costas. Mesmo que não fosse sobre as suas, essa dor era transferida automaticamente, indo parar bem fundo em seu peito.
Ver uma pessoa, jovem, se tornando cega e se aposentando por invalidez na sua frente, quando diagnosticou a doença lá atrás e era possível se curar com um simples tratamento, gera uma revolta, sensação de impotência, tristeza.
Se tornará em três semanas mais uma médica que abandona o SUS. Não é uma "patricinha" como muitos querem acreditar, nunca teve medo de "meter a cara" nas periferias como políticos dizem, e justamente por não ter um coração de pedra - como muitos também disseram de sua classe - teve que pedir o aviso prévio.
O paciente em questão não era o primeiro, e percebeu há tempos que não seria o último. Em sua cabeça não entendia porque o sistema público de saúde agia assim. Uma pessoa de 38 anos, com diabetes gerando um problema em seus olhos, necessitava de um simples tratamento com laser para estabilizar e preservar sua visão. Nos meses em que aguardava atenderem o pedido do tratamento observava a visão ir diminuindo, diminuindo, diminuindo, até desaparecer definitivamente.
"Mesmo que não quisessem olhar pelo lado humano, você deixar um homem novo, que trabalha e gera impostos para o país, se aposentar cedo e viver do imposto dos outros, já seria motivo!", concluiu.
Mas era o lado humano que gritava ainda mais alto, e esse caso foi um. Quantos pacientes com glaucoma e tantas outras doenças passíveis de tratamento ou cirurgia ficavam presos em meio às engrenagens de um sistema falido, que mutila, invalida e mata tantos brasileiros.
Ainda possui três semanas pela frente. Sai com a tristeza de não ter conseguido vencer esse desafio e com a eterna angústia de saber que embora não receba diretamente sobre seus ombros, esse peso insuportável continuará sufocando a maioria de nossa população. E em saber isso seus ombros ainda doem. Até quando?