terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tropa de elite: sucesso e tortura (por Fernando Martins)

Tropa de Elite foi sucesso de público e até ganhou prêmio internacional. O protoganista do filme virou herói nacional. Na Europa, pode-se ver a propaganda do filme brasileiro nos ônibus e nos metrôs. Tudo isso à primeira vista, parece glamouroso para o nosso país. Porém, uma reflexão se faz necessária.
Analisando o filme mais atentamente, percebe-se que há elementos contidos nele, que não foram discutidos ou percebidos por nossa sociedade. Além da narrativa que relata a corrupção da polícia, o consumo de drogas pela classe média e a guerra causada pelo tráfico, também nos é apresentada uma prática terrível, hedionda, e inconcebível para a maioria dos seres humanos: a tortura.
A tortura já foi objeto de várias obras na história do cinema. Desde a tortura perpetrada por assassinos psicopatas, passando pelos crimes de guerra, indo até a tortura exposta em filmes como Lutero, baseado na história da igreja católica apostólica romana, escrita com tinta de sangue.
A novidade que traz o filme brasileiro é a forma com que este apresenta a tortura. Esta prática que bem poderia ser eleita como a mais vil, mais repugnante, mais covarde e a mais sombria prática humana, é encarada no filme, como um meio de estabelecer a justiça e fazer triunfar a ordem. Certamente até Maquiavel, um dos primeiros teóricos do Estado Moderno, se espantaria em ver até onde estenderam a interpretação de sua velha máxima:“os fins justificam os meios”.
É uma pena que novamente a grande mídia e boa parte do público, tenham valorizado mais o lado Rambo ou Hollywodiano do filme, do que condenado uma prática hedionda, que já deveria ter sido extinta há muitos anos de nossa civilização. A tortura não educa, não transforma, não repara dano algum, ao contrário, no máximo reduzirá sua vítima a um cadáver ou transformará seu algoz num monstro maior.
Além de lamentarmos o modo com que o filme apresentou a tortura, legitimando-a a partir de seu uso por representantes da justiça e da ordem de nosso país, devemos esperar que a bandeira da tortura não seja hasteada nos salões de Hollywood, mas que seja posta sobre o caixão da crueldade humana e enterrada, deixando em sua lápide, uma mensagem àqueles que ainda anseiam por uma sociedade mais justa, mais sensata, menos desigual e mais sensível ao sofrimento alheio.

Fernando Martins é engenheiro e brasileiro

domingo, 7 de setembro de 2008

"Diário de Bordo": Canudos - seu Henrique

Em Canudos conhecemos seu Henrique. Um senhor de 94 anos, que nasceu nos anos pós-guerra e é praticamente o único morador da comunidade que vive quase nas mesmas condições em que os habitantes daquela época viviam.
Sua casa - que sobrevive bravamente ao passar do tempo - é feita de barro sobre uma estrutura de galhos finos entrelaçados, do mesmo modo que eram levantadas no final do século XIX. Apenas uma parte mais nova - um pequeno cômodo que construiu na entrada - foi levantada com tijolos de barro queimado.
- Tem muita gente de fora que vem até aqui e diz que é pra eu não derrubar essa casa nunca, pelo amor de Deus! - disse, deu risada e continuou - Mas eu digo que não vou derrubar não. Que vou morrer aqui.
Seu pai, ainda garoto, participou da guerra. Tinha 14 anos. Estava na batalha final e mesmo recebendo um tiro na perna conseguiu escapar.
- Depois que ele tomou uma bala coseguiu fugir, ajudaram a levar ele por trás para longe, antes de acabarem com tudo por aqui.
Como muitos dos sobreviventes, viveu um tempo longe e retornou para Canudos, ajudando a reerguer a comunidade.
Alguns meses após o fim da guerra a imagem era desoladora. Os soldados haviam incendiado tudo para que não sobrasse nada para reavivar a memória do local. A muitos kilômetros dali, era possível se ver uma tenebrosa nuvem escura sobre a região, como se anunciasse a tragédia ocorrida recentemente. Se aproximando um pouco era possível se distinguir o que a formava: milhares de urubus. O próprio cheiro dizia-se insuportável. Podemos imaginar o que as primeiras pessoas tiveram que passar para repovoar sua terra.
Depois que seu pai retornou para a região seu Henrique nasceu, em 1914.
Sentados no pequenos quintal, passamos um bom tempo ali, conversando e ouvindo suas histórias. Por alguns instantes parecia que éramos transportados para o começo do século passado. O banquinho de tronco, a casa de barro, as cabras andando e balançando seus sinos de metal.