sábado, 16 de janeiro de 2010

Experiências (por Carlos Fonseca)

Estou numa enrascada, preciso expor-lhes nas próximas frases uma sensação. Diria na verdade um sentimento, um estado d´alma. É interessante essa natural dificuldade de transpor em palavras determinados acontecimentos, acho, pois que esta deve ser a razão de cada um ser detentor de suas próprias experiências, ou seja, por mais que uma pessoa tente ensinar ou mostrar uma experiência que teve, somente sente a boa sensação de lembrança, aquela nostalgia solitária e distante, quem viveu.
A experiência é sempre única, e diferente até mesmo para duas pessoas que viveram um mesmo acontecimento, mesmo porque, o importante é a maneira com a qual cada indivíduo interpreta as situações e a relação que mantém com outras experiências já vividas. Portanto, se julgamos únicas as experiências, não podemos mensurar qual delas é mais importante, ou maior, ou mesmo entre duas pessoas da mesma idade, qual delas possui maior experiência, ou experiências “mais importantes”.
Pois bem, vivi no final de 2009 uma experiência única, daquelas que quando paramos para avaliar, mal sabemos mensurar os momentos mais marcantes.
As relações que os seres humanos mantém entre si, independente da classe social ou região do mundo, são fantásticas! E é exatamente nesses momentos, longe de casa, que percebemos a grandeza e a riqueza que um singelo país pode ter. Pessoas que seguem um cotidiano completamente diferente do conturbado mundo paulistano, e que desfrutam, dentre outras coisas, de ar limpo, céu azul ou estrelado, terra produtiva avermelhada, água cristalina e pura; fauna e flora rica e natural. Mal sabem o significado de palavras como trânsito, poluição, assalto... Enfim, vivem vidas dedicadas à família e à agricultura de subsistência.
Mas não sejamos superficiais e generalistas, pois assim como toda região povoada, temos também aqueles que gozam de uma vida um tanto menos simples. Filhos de fazendeiros, empresários, comerciantes... Jovens, a grande massa da população economicamente ativa, que buscam em cidades vizinhas talvez a única grande vantagem paulistana, a formação profissional. Eu, como observador e espectador, fico fascinado em ver tamanha semelhança e ao mesmo tempo tamanha diferença para com a juventude paulista.
Todas as afirmações e questionamentos assim como a reflexão de cada acontecimento recebem seu devido valor num dado momento; em que entramos no ônibus retornando a São Paulo. Daí sim, presenciamos um confronto de sentimentos. São muitas informações transferidas num dia-a-dia alucinante, e finalizadas com uma simples despedida, um adeus que compacta tudo que foi apreendido e nos permite, individualmente, terminar estes dez dias com uma experiência única!

Carlos Fonseca é dentista, 26 anos, e faz parte do Projeto Bandeira Científica, da Universidade de São Paulo. A experiência acima, foi em sua última Expedição, em Ivinhema-MS (12 a 22/12/2009)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Dona Heloísa

Era uma senhora alta, magra, de seus 60 anos, com a força da mulher sertaneja e um sorriso sempre presente no rosto. Acompanhava a netinha, que seria atendida por mim, e como é extremamente simpática, a conversa fluiu facilmente.
A encontrei no final da tarde, na frente da escola, onde me agradeceu pelo atendimento ao seu pequeno tesouro: a neta. Continuamos a conversa, disse que hoje está aposentada e o pouco que ganha cuida da casa e da pequenina "com todo o amor do mundo".
Fiquei surpreso ao conhecer sua história. Foi professora, mas abandonou a carreira para seguir uma nova, que dava mais dinheiro: cafetina de um cabaré.
- Não acredito, Dona Heloísa. Sério? - perguntei.
- É, meu filho. Mas eu não fazia programa não, que eu não sou desavergonhada. Eu tomava conta das meninas, como uma mãe e cedia a minha casa. - contou.
E me disse como é o funcionamento de um cabaré no sertão do Brasil, algo que eu não imaginava, nem de longe, como seria.
A imagem que se tem de uma dessas casas é de uma dona que colocava as meninas para trabalhar em troca de lugar para dormir e ficava com o dinheiro do programa, dando a elas uma porcentagem do ganho.
Segundo Dona heloísa o esquema é bem diferente. Me explicou contando sua história.
Quando seus pais morreram, deixaram uma grande e espaçosa casa que ela reformou e decidiu transformar num cabaré. Ficou um lugar lindo, "uma casa bonita e espaçosa, com uma piscina grande no jardim bem cuidado", em suas palavras. Nesse grande espaço faziam até churrascos durante o dia, clientes nadavam na piscina e festas às luzes das estrelas.
- Construí vários quartinhos de dormitório, porque, você sabe, as meninas vem de longe. Não se pode ter menina da cidade numa casa dessas, dá problema. Que homem vai pular a cerca arriscando alguém da cidade contar pra todo mundo? Ligava para uma agência na capital que me mandava as meninas.
"Elas não podiam conhecer, nem fazer amizade com ninguém da cidade. Tinham uma "lei do segredo".
Fiquei surpreso! Não imaginava que havia algo tão bem organizado para esse meio. E imaginei, com tristeza, a semelhança de importar meninas como se fossem um produto.
Disse que a maioria das "raparigas" vinham da capital ou de alguma cidade grande que ficasse mais próxima de lá.
- Fiz um alojamento bem arrumadinho pra elas, assim como eram os quartos para o programa. Tudo limpinho e cheiroso, nem os hotéis daqui eram tão bem cuidadinhos!
Mas tinha também seus problemas. Grande parte das meninas "gostavam por demais de uma bebidinha" e acabavam se afundando mais e mais no vício. O único ponto positivo disso é que o bar vendia muito bem, já que os clientes pagavam muitos "drinks" para elas.
- E eram meninas bonitas, meu filho, do tipo que se você conhessece num bar, cairia feito um patinho, acharia que era a princesinha mais santa do mundo. Tinha muito frequentador que namorava com elas. Namoravam mesmo. Se uma estivesse se engraçando, tentando conquistar outro freguês, assim que chegasse "o seu" ela levantava do colo do outro num pulo e ia até lá, dar atenção especial ao "seu home".
"Quase todas saem de suas casas dizendo que vão para faculdade no interior - geralmente enfermagem - e pode ter certeza: a maioria dos pais acredita! Mesmo as pessoas, amigos, parentes... Todo mundo acha que estão fazendo faculdade em outra cidade."
Comentou que ficam por um tempo e vão embora, combinam de voltar duas, ou três vezes por ano. Muitas vezes chegam para conseguir um dinheiro rápido, quitar dívidas, não tendo a intenção de se tornarem raparigas para o resto da vida.
Concluiu, dizendo que todo o dinheiro que as meninas ganhavam eram delas. Ela dava abrigo, comida e toda estrutura da casa. Ganhava dinheiro apenas com as bebidas e o aluguel dos quartos, pago pelos fregueses.
- E dava um bom dinheiro, Dona Heloísa? - perguntei.
Ela riu.
- Ganhava melhor do que quando eu era professora...
E continuou contando histórias sobre o lugar, brigas das meninas, ciúmes, figurões da cidade...
Ríamos. Era uma senhora, sobretudo, feliz. E mais uma vez eu aprendia uma coisa nova por essas pequenas cidades do sertão