Era uma senhora alta, magra, de seus 60 anos, com a força da mulher sertaneja e um sorriso sempre presente no rosto. Acompanhava a netinha, que seria atendida por mim, e como é extremamente simpática, a conversa fluiu facilmente.
A encontrei no final da tarde, na frente da escola, onde me agradeceu pelo atendimento ao seu pequeno tesouro: a neta. Continuamos a conversa, disse que hoje está aposentada e o pouco que ganha cuida da casa e da pequenina "com todo o amor do mundo".
Fiquei surpreso ao conhecer sua história. Foi professora, mas abandonou a carreira para seguir uma nova, que dava mais dinheiro: cafetina de um cabaré.
- Não acredito, Dona Heloísa. Sério? - perguntei.
- É, meu filho. Mas eu não fazia programa não, que eu não sou desavergonhada. Eu tomava conta das meninas, como uma mãe e cedia a minha casa. - contou.
E me disse como é o funcionamento de um cabaré no sertão do Brasil, algo que eu não imaginava, nem de longe, como seria.
A imagem que se tem de uma dessas casas é de uma dona que colocava as meninas para trabalhar em troca de lugar para dormir e ficava com o dinheiro do programa, dando a elas uma porcentagem do ganho.
Segundo Dona heloísa o esquema é bem diferente. Me explicou contando sua história.
Quando seus pais morreram, deixaram uma grande e espaçosa casa que ela reformou e decidiu transformar num cabaré. Ficou um lugar lindo, "uma casa bonita e espaçosa, com uma piscina grande no jardim bem cuidado", em suas palavras. Nesse grande espaço faziam até churrascos durante o dia, clientes nadavam na piscina e festas às luzes das estrelas.
- Construí vários quartinhos de dormitório, porque, você sabe, as meninas vem de longe. Não se pode ter menina da cidade numa casa dessas, dá problema. Que homem vai pular a cerca arriscando alguém da cidade contar pra todo mundo? Ligava para uma agência na capital que me mandava as meninas.
"Elas não podiam conhecer, nem fazer amizade com ninguém da cidade. Tinham uma "lei do segredo".
Fiquei surpreso! Não imaginava que havia algo tão bem organizado para esse meio. E imaginei, com tristeza, a semelhança de importar meninas como se fossem um produto.
Disse que a maioria das "raparigas" vinham da capital ou de alguma cidade grande que ficasse mais próxima de lá.
- Fiz um alojamento bem arrumadinho pra elas, assim como eram os quartos para o programa. Tudo limpinho e cheiroso, nem os hotéis daqui eram tão bem cuidadinhos!
Mas tinha também seus problemas. Grande parte das meninas "gostavam por demais de uma bebidinha" e acabavam se afundando mais e mais no vício. O único ponto positivo disso é que o bar vendia muito bem, já que os clientes pagavam muitos "drinks" para elas.
- E eram meninas bonitas, meu filho, do tipo que se você conhessece num bar, cairia feito um patinho, acharia que era a princesinha mais santa do mundo. Tinha muito frequentador que namorava com elas. Namoravam mesmo. Se uma estivesse se engraçando, tentando conquistar outro freguês, assim que chegasse "o seu" ela levantava do colo do outro num pulo e ia até lá, dar atenção especial ao "seu home".
"Quase todas saem de suas casas dizendo que vão para faculdade no interior - geralmente enfermagem - e pode ter certeza: a maioria dos pais acredita! Mesmo as pessoas, amigos, parentes... Todo mundo acha que estão fazendo faculdade em outra cidade."
Comentou que ficam por um tempo e vão embora, combinam de voltar duas, ou três vezes por ano. Muitas vezes chegam para conseguir um dinheiro rápido, quitar dívidas, não tendo a intenção de se tornarem raparigas para o resto da vida.
Concluiu, dizendo que todo o dinheiro que as meninas ganhavam eram delas. Ela dava abrigo, comida e toda estrutura da casa. Ganhava dinheiro apenas com as bebidas e o aluguel dos quartos, pago pelos fregueses.
- E dava um bom dinheiro, Dona Heloísa? - perguntei.
Ela riu.
- Ganhava melhor do que quando eu era professora...
E continuou contando histórias sobre o lugar, brigas das meninas, ciúmes, figurões da cidade...
Ríamos. Era uma senhora, sobretudo, feliz. E mais uma vez eu aprendia uma coisa nova por essas pequenas cidades do sertão
Grande Wolber! Parabéns por esses dois ultimos textos! A história de Pedro e a cascavel não poderia ser escrita melhor: no início parece um conto, mas o melhor fica para o final: provavelmvelmente uma história dividida nas horas e horas na estrada. Essa última, sobre o cabaré: magnifíca. Me deu vontade de ler Graciliano Ramos.
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