sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Muros (Zazu)

Sentado na calçada, em frente sua casa, Zazu enrolava seu cigarro de palha e observava a casa nova que seu vizinho construíra. Uma bonita casa, com um grande muro na frente e um portão, que ao abrir permite a entrada de dois carros.
"Parece casa de cidade grande", pensou, com um ligeiro aperto em seu coração, imaginando se um dia o sertão de que tanto gostava se pareceria muito com os grandes centros.
Olhando aquela casa, pensou no absurdo desse detalhe: o muro. "É um absurdo termos muros, totalmente! Tê-lo em frente às nossas casas significa que temos que proteger nosso patrimônio de alguém, que queremos evitar que entrem em nossas casas quando não estamos ou até pior, nos proteger quando estamos lá dentro."
O que há com as pessoas para não respeitarem os outros? Como eu posso, simplesmente, tentar tomar algo que não me pertence? Que direito eu teria de tornar a outra pessoa infeliz, retirando aquilo que lutou tanto para conseguir?
Realmente, o muro é a personificação de todo esse absurdo. De nossa preocupação para que outros não queiram tomar o que é nosso indevidamente.
Concluiu: "prefiro as pontes, que unem, aos muros que separam...".

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Encontros e desencontros

Mulheres e homens vivem em encontros e desencontros.
Quando tem 12 anos a menina começa a deixar de lado a boneca. A brincadeira de casinha começa a ser levada mais à sério, já pensando em sua vida após o casamento. Começa a gostar dos meninos, mas não pelos da sua classe, que são terrivelmente infantis, mas por aqueles de 15 e 16, que já são mais maduros.
O menino de 12 não está nem aí, não gosta daquelas meninas chatas mesmo. Quer saber é de jogar futebol e video-game.
Aos 15 ou 16, a garota já deixa de brincar, com qualquer coisa. "Deus me livre, parecer uma menina!", afinal, já é uma mulher muito madura. Não liga pros meninos da sua sala, eles são incrivelmente infantis, mas sim para aqueles que estão se formando no colégio e entrando na faculdade. Esses sim são mais maduros.
O garoto de 15 ou 16, já começa a se interessar completamente pelas garotas de 15 ou 16, pena que elas não dão bola. Se interessa, mais ainda, por aquelas que estão quase se formando. "São gostosíssimas!", mas infelizmente, lhe dão menos bola ainda. Também se interessa por aquela professora, gata e novinha, que dá aula para o primário. "Ah, se ela me desse bola...". Acha também que, se a tiazinha que serve a merenda desse bola, ele não desperdiçaria a chance.
A mulher de 18 ou 20 anos já se interessa pelos rapazes de sua classe, apesar de achá-los ainda infantis, porém, são engraçados. Mas prefere aqueles que estão quase se formando: muito mais maduros. Aquele professor, quarentão e bonitão, que vive jogando charme em cima dela, lhe dá um friozinho na espinha, mas gosta só de provocá-lo. Gosta daquele rapaz bonzinho, bonito e já maduro, até fica com ele, mas prefere aquele cachorro, descolado, bonitão, imaturo, que a deixa louca porque fica com todo mundo.
O homem de 18 ou 20 anos se interessa muito pelas mulheres de sua classe, fica com um monte delas, mas também se interessa por algumas veteranas. Fica com elas também. Vive saindo para festas e baladas cheias de mulheres, também fica com muitas delas. Fica com todo mundo. Fica também com aquela garota de 15 ou 16 anos que se interessa muito pelos homens dos 18 ou 20 anos, que estão entrando na faculdade. Fica com as amiguinhas dela também.
A mulher perto dos 30 trabalha muito, pensa na carreira e em sucesso profissional. Cansou de rapazes galinhas e imaturos. Namorou com algum deles, sofreu um bocado. Hoje pensa: "o que viu neles?", não tinham conteúdo algum. Ah, se voltasse atrás namoraria aquele rapaz bonzinho, "que partidão!". Procura algum do mesmo tipo, mas não se acha mais homens assim hoje em dia: estão todos namorando.
O homem perto dos 30 também trabalha muito, pensa em sua carreira e em sucesso profissional. Os bonzinhos se dão bem: chegou a época em que são completamente valorizados e suas ações estão lá no alto, subindo cada vez mais. Os galinhas não entendem muito bem porque a procura por suas ações caíram tanto. Tenta virar bonzinho.
Depois dos 30, mulheres e homens finalmente se encontram. Ambos passam a se curtir mais, na mesma idade, afinal de contas, estão maduros. A partir daí, erros e acertos já não dependem mais da idade. Se unem e se tornam felizes quando conseguem enxergar que o importante é tentar amadurecer juntos, a cada dia mais, e passar os anos vendo filhos e netos continuando a mesma busca.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Beatles

Sou um grande fã dos Beatles. Conheci sua música antes mesmo de ter algum conhecimento musical significativo, aos 7 anos. Morávamos em um bairro bem residencial, daqueles em que as crianças ainda brincavam na rua - de terra -, tinham uma porção de amigos e cada época do ano tinha suas aventuras: pipa, peão, taco (que muitos conhecem como betis), isso sem contar as que corriam todos os dias do ano como o futebol no "golzinho" formado com duas pedras no chão, pega-pega, esconde-esconde e tantas outras.
Nessa época, Michael - meu irmão mais velho - já tnha 12 anos e junto a alguns amigos já vinham desenvolvendo seu gosto musical (que graças a Deus ia certeiro para o rock, e não para o pagode...). Toninho, que tinha a mesma idade, ouviu um disco, um bom e velho vinil, em sua casa e correu para mostrar aos amigos:
- Ouvi esse disco da minha irmã. Olha que legal! - e apresentou os Beatles para meu irmão e Alex, outro amigo da rua.
Os três "piraram"! Acharam aquela banda boa demais e passaram a escutar qualquer coisa que se tratasse dos Beatles.
Algo digno de nota, é que isso ocorreu em 1984. Já fazia 14 anos que os Beatles tinham acabado - bem antes de nascermos -, 4 anos que John Lennon havia sido assassinado, e o rock já não tinha mais aquela potência dos anos 70 (tirando raras excessões como Van Halen e Police).
Com isso penso na força e qualidade dessa perfeita banda. Depois de anos e mais anos, sua música conseguia despertar interesse e admiração em uma turma de 12 anos - e numa criança de 7 -, sem que ninguém a apresentasse e dissesse: ouça.
Foi questão de dias para decidirem formar um cover dos Beatles. Michael seria o John, Toninho o Paul, Alex o George e eu - que andava pra cima e pra baixo com eles - o Ringo. Claro que nosso cover se limitava a dublar os discos que rolavam nas festas e imitar as guitarras com papelões desenhados. No meu caso pegava dois gravetos, uma mesinha e estava criada a bateria. Animávamos algumas festinhas da turma.
Essa nostalgia, misturada a uma total admiração musical, fez os Beatles terem um significado todo especial pra mim e guiar todo meu gosto pela música.
Hoje vinha escutando no carro um cd deles e me ocorreu um pensamento preocupante: "será que, com os anos, essa música vai perdendo sua força?". Afinal de contas, quantas novas bandas surgiram e os anos 60 a cada década fica mais longe (me desculpem o pleonasmo).
Logo concuí que não, imagino que os Beatles serão eternos. Nós, os fãs de música, demos sorte de sermos contemporâneos desses gênios, pelo menos de suas vidas - Paul e Ringo ainda estão vivos. Uma música tão boa e criativa sobreviverá sempre. Não a toa, ainda hoje ouvimos Mozart, Beethoven ou Vivaldi, não importando se são de 1800, 1700, ou seja lá que ano for. A música clássica é eterna. O rock também.
Por isso hoje, depois de mais de 40 anos de seu fim, os Beatles estão tão fortes como antes. A cada ano são lançadas novas coletâneas, caixas de cds, regravações e a atual febre: o Rock band dos Beatles. Um jogo para video-game que está fazendo muitos novos fãs, que antes só ouviam as músicas mais conhecidas.
Com tudo isso, não duvido se um dia meus filhos formarem uma bandinha cover desses caras.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Cofrinho

Ela entrou sorridente, apesar de estar sentindo dor de dente e do rosto inchado do lado esquerdo. Sentou-se no sofá da sala de espera e pacientemente esperou que eu terminasse de atender o paciente que já estava na cadeira e outro que esperava a um bom tempo sua consulta.
Me lembrava dela, uma garota que havia passado no final do ano passado, também sentia dor no mesmo dente. Eu havia limpado, posto um medicamento e explicado a necessidade de tratar o canal, infelizmente um tratamento que não é barato.
- Você pode dividir em quantas vezes precisar, mas precisa começar em breve, antes que o medicamento perca seu efeito e o dente volte a incomodá-la. - expliquei na época.
"Porque não veio fazer o tratamento? Agora o dente voltou pior ainda...", pensei.
Muito simpática, entrou na sala e disse que não pôde tratar no fim do ano, pois estava sem dinheiro, mas agora faria, mesmo que precisasse dividir em muitas vezes, o que eu confirmei que poderia fazer.
Como da outra vez, limpei o dente e passei uma medicação para a infecção que havia inchado seu rosto.
Sentamos na mesa, onde expliquei como seria o tratamento e, ao final, ela me perguntou quanto havia sido a emergência.
- Quarenta reais.
- Ai que bom! Foi exatamente o que eu trouxe! - disse animada. - Abri meu cofrinho e juntei o dinheiro que eu tinha lá.
Até pensei que estava brincando, mas ela colocou um saquinho plástico sobre a mesa e começou a contar "um, dois, três, quatro...".
- Pronto, aqui tem trinta. - e me entregou trinta moedas de um real.
Levou mais algum tempo para contar as outras, de cinquenta, vinte e cinco e dez centavos. No fim ficou triste e disse meio envergonhada:
- Nossa, só deu 38 reais, eu tinha certeza...
Checou em seu bolso e sorriu feliz:
- Ah, tenho uma nota de dois reais! - disse e me entregou, entre alegre e aliviada. Como se eu fosse me preocupar ou ficar bravo pela falta de dois reais.
Saiu sorrindo como entrou, dessa vez sem dor, pensando que dessa vez faria o tratamento.