domingo, 19 de julho de 2015

Filho de Tupãberapa

Não haviam muitas tribos isoladas no país. Na verdade, nos dedos de uma, ou no máximo, duas mãos, ainda descobriríamos um grupo de seres humanos completamente isolados de outros de sua espécie. Porque um brasileiro, hoje, está tão próximo de outro homem, quanto um chinês.
Mas tribos de índios brasileiros que se mantém na mesma etapa evolutiva desde que Cabral pisou nestas terras, há pouquíssimo, em mais de 500 anos.
"Nossa, mas quinhentos anos é muito tempo!", já pensou, lembrando daquela amiga que sempre julgava tudo pelo status quo do pensamento corrente.
- Você tá louca?!! Enquanto esses caras andavam pelados pelas ruas daqui da cidade, outros estavam estudando música clássica na escola no Velho Continente! E sabia que eles ainda andam pelados?!!! - diria tão diretamente quanto um verdugo em frente ao muro de fuzilamento.
Por tudo isso, se sentia um privilegiado em conversar com aquele jovem.
O outro, à sua frente, também se sentia um "escolhido". Por ser o filho mais velho o pajé - algo na atualidade comparável a ser filho do príncipe Charles, da Inglaterra (e aqui, um outro parênteses - pensou -, uma adolescente do interior do sertão do Piauí, conhece os pormenores da vida deste príncipe e de sua família real inglesa...).
Ele não fora "o escolhido". O índio sabia de sua colocação em sua época na terra. Por estar ali, deveria agradecer à luz de Tupãberaba. Por ter nascido naquela tribo, por ser o filho mais velho do soberano dos seus. E sabia também da brutal responsabilidade daquela posição.
Estava ali, naquela reunião de homem-branco, por causa de uma ong que cuidou da saúde de sua tribo e começou um trabalho de parceria por lá.
Pensando em tudo isso, o rapaz da cidade grande, decidiu tentar estabelecer o maior diálogo possível - claro, com a ajuda de um intérprete - com seu "semelhante".
- É um enorme prazer conhece-lo! - disse o outro em um tupi-guarani difícil de assimilar mesmo ao experiente intérprete.
- Meu amigo, você nem imagina quanto estou feliz em estar aqui...
E ali conversaram, sobre tantos assuntos quanto poderia imaginar. Porém, marcou muito quando o jovem riu, quando ouviu sobre o cotidiano de sua gente. Era difícil entender esse negócio de segunda, terça..., enfim!
Só poderia ser coisa de Jurupari, pegar cinco dias sagrados, como parte de sete, os transformando em tristeza, em troca de dois que seriam felizes, assim como os sete deveriam ser.
Se desculpou com o novo conhecido pelo riso que deu. E ele percebeu ainda que o outro também sorria como seus amigos.
Percebeu também, que algo não andava bem com sua sociedade. Não era apenas uma crítica de alguém que sentava num bar e tomava 10 chopps em sua frente, e discorrias sobre possibilidades e correntes humanistas. O rapaz em sua frente vivia sete sexta-feiras por semana, aclamada por dez entre dez amigos seus como o melhor dia de todos!
- Trabalhar é bom, comemorar é bom, Por quê dividir essas coisas? - ele não soube responder.
Não sabia se conseguiria deixar as coisas que aprendeu em sua sociedade, mas tinha certeza que a partir daquele dia, procuraria ser uma coisa simples: apenas um ser humano melhor.
E sua meta dali para frente era apenas ser melhor do que ontem.