quinta-feira, 24 de junho de 2010

O sobrevivente

Eu sou um sobrevivente. "Nossa, mas como ele se acha!", pode pensar o leitor, porém, os fatos descritos a seguir são incisivos, me transformaram em uma pessoa que quase volta do além.
O mundo de hoje se tornou muito, mas muito mais seguro. Antigamente, nós estávamos expostos a uma gama de males que colocavam nossas vidas em risco. Hoje esses males foram espantados pela tecnologia e avanços da medicina.
Me lembro, ainda pequeno, quando eu, criança inocente, almocei e em seguida tomei banho. Ah, criançada de hoje em dia! Com o avanço tecnológico, comer e tomar banho depois é uma coisa simples que não causa mal algum. Há 20 anos atrás era um risco seríssimo de morte! Minha mãe me deu uma bronca e eu esperei com angústia os minutos seguintes enquanto escutava o toque fúnebre como uma música de fundo em meus ouvidos. Para o espanto geral, eu sobrevivi.
Pouco depois já havia esquecido do risco passado anteriormente. Criança é fogo, come de tudo durante a tarde interminável que tem depois da escola de manhã. Hoje olho para trás e lembro que achava pouco ter uma tarde inteira livre depois de uma manhã de estudos. Uma tarde livre, hoje em dia, seria uma eternidade, acho que construiria uma nave espacial. Bom, volto às tardes de criança, num belo dia em que minha falta de inteligência me fez comer uma manga e poucos minutos depois tomar um copo cheio de leite com Nescau. Mal sabia eu da tenebrosa equação: Manga + Leite = Morte Certa. Dessa vez porém, não ouvi a música sinistra, não havia ninguém por perto para me dizer que a morte estava próxima. Quando escutei dias mais tarde que isso era um perigo, só pensei em uma coisa: "meu Deus, escapei de mais uma!".
Meu próximo risco, foi na adolescência. Trabalhava eu no Mc Donald´s e, como qualquer funcionário, tinha direito a comer um lanche por dia. Pois bem, na sexta-feira santa, estranhava que muitas pessoas pediam lanche que continha carne vermelha. "Mas não se pode comer carne vermelha nesse dia...", eu pensava, mas tinha que vender, então vendia. MInha avó já havia me avisado várias vezes, "se comer carne vermelha na sexta-feira santa, você vira lobsomem". Ali eu tinha consciência, sabia do mal que poderia me causar, mas resolvi desafiar o perigo e comi um Big Mac. Nem pensei que nesses dias de lua cheia, poderia estar coberto de pêlos, em cima do telhado e uivando sob a luz do luar. Nada, continuo um ser humano normal.
Já quebrei espelhos, alguns deles, e pimba: não tive 7 anos de azar! Mais uma escapada fulminante do lado escuro da força.
É claro, já caí da rede e levei vários pontos na cabeça, caí de uma caixa d´água, meti a testa na quina da TV e etc, mas isso não é nada. Uma mãe e um pronto-socorro davam conta facilmente, perigo mesmo foram esses fatos anteriores.
Diante de tudo isso, só posso me considerar um sobrevivente. As crianças de hoje nem imaginam, vivem num mundo seguro, embaixo de tanta tecnologia avançada. A própria internet e suas explicações científicas espantaram inúmeros riscos de vida que nos cercavam na infância.
Viver a 20 anos atrás era um eterno perigo.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Reggae

São Luís do Maranhão é a capital brasileira do reggae. A cidade respira o ritmo e amigos meus que já foram para lá - eu infelizmente ainda não fui -, dizem que existem várias radiolas, barzinhos que tocam esse tipo de música e lançam suas bandas e cantores.
É comum ouvir músicas internacionais, muito conhecidas, e trazidas para o ritmo com perfeição. Eu tenho várias num cd e, para ser sincero, a maioria - pra não dizer todas - fica muito melhor nas regravações.
Me perguntava de onde vem essa disseminação que o reggae conseguiu em São Luís, como sementes boas espalhadas num solo fértil.
Acabei de atender um paciente, o Weberson. Eu estava ouvindo Bob Marley quando ele entrou na sala e durante o tratamento falou:
- Ótimo gosto musical, hein?
Descobri que também gostava de reggae, já tinha ido à São Luis e comentando sobre a cidade me respondeu a origem da cultura musical de lá. Nos anos 30 e 40, as rádios locais pegavam algumas transimssões de rádios da Jamaica, que fica mais ao norte e as ondas alcançavam a cidade. A população começou a beber na mesma fonte que Bob Marley bebeu desde que nasceu. Então não teve jeito: o que é bom fica mesmo.
Assim como o velho Bob, que mesmo anos após sua morte ele ainda continua cantando em meu aparelho de som.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Contraste

O contraste social está sempre em nossas vistas. Em São Paulo, vemos inúmeros moradores de rua deitados em frente a prédios luxuosos. No bairro do Morumbi, condomínios enormes fazem divisa com grandes favelas. Porém é em pequenas cidades do sertão que essas diferenças são ainda mais marcantes.
Em abril, num deslocamento no estado de Minas Gerais, paramos para descansar em uma pequena cidade. Saímos com a turma para jantar e fomos conhecer o único lugar aberto da cidade: um clube que naquele dia teria músicas em um telão e um dj, tocando o sucesso regional brasileiro (Anjo Azul, Djavu, bandas no estilo da Calypso).
O local era tão simples, que não nasceu ainda a idéia de conscientização do lixo, ou alguma educação nesse sentido. Todos bebiam sua lata de cerveja e a jogavam no chão. Nós mesmos, quando tomamos as nossas, procuramos em vão, algum lixo solitário. Tivemos que jogá-las no chão, assim como todo mundo.
Naquele local pudemos perceber a diferença de classes nitidamente. A maioria eram jovens muito simples, vestidos com camisetas surradas, porém limpinhas e passadas, o que denunciava serem suas roupas de sair. O boné e a calça jeans completavam o visual. O público geral, contrastava com algumas caminhonetes importadas estacionadas na porta do clube. Eram de alguns filhos de fazendeiros da região. A diferença social ali era muito mais gritante: alguns poucos rapazes, filhos de fazendeiros milionários e muitos outros bem pobres, filhos de lavradores.
Fui pegar mais uma latinha de cerveja, havia uma fila e um pequeno bate-boca. Me aproximei e alguns garotos pediam para a pessoa do bar uma cerveja de graça, dizendo algo como "depois a gente acerta, estou sem dinheiro". A latinha custava dois reais.
Voltei ao encontro de meus amigos e, incidentemente, esbarrei num cara, derrubando um pouco de sua bebida.
- Putz, mil desculpas, meu amigo. - pedi.
Ele me estendeu a mão, me cumprimentou e deu um ligeiro abraço. Percebi que tinha um estilo diferente da imensa maioria. Vestia uma camiseta nova e chamativa, calça da moda e uma enorme corrente no pescoço, imaginei ser de prata. Estava acompanhado de um amigo troncudo, que vestia uma roupa semelhante à sua e me olhou feio enquanto eu conversava com o "playboizinho gente boa".
Me despedi e comecei a entender: muito provavelmente o outro era um guarda-costas disfarçado, fingindo estar se divertindo com um amigo, para não constrangê-lo em ir a um lugar escoltado. Mas bastasse um desentendimento e ele cobriria algum infeliz de porrada.
Uns de guarda-costas, outros implorando dois reais, tudo ali, embaixo do mesmo teto, ouvindo o mesmo som.
O mais cruel da discrepância social do interior, é que em uma cidade grande um filho muito pobre, tem mais chance de trabalhar, por exemplo, em uma lanchonete, subir de cargo, acabar virando gerente e melhorar muito sua condição. Em lugares muito pequenos, geralmente, o filho do fazendeiro milionário se tornará fazendeiro milionário, e o do lavrador pobre já tem sua sina escrita.