terça-feira, 5 de agosto de 2008

Diário de Bordo: Canudos - Primeiro dia

São Paulo ficou para trás. Já se passava das 20h quando seguimos, eu, Luis e Damiana (professora da comunidade que aproveitou nossa carona) pela estrada que liga Salvador à Feira de Santana. Lá pegaríamos outra que nos levaria a Canudos. Um total de 400 km, deixados para trás em 5 horas e meia devido aos trechos esburacados de uma boa parte do caminho.
Canudos Velho é a comunidade que restou na região do famoso conflito: a Guerra de Canudos. Após a destruição total do antigo Arraial (que era chamado por Antônio Conselheiro de Bello Monte) alguns sobreviventes retornaram à região e reergueram a cidade.
Após algumas décadas - a guerra acabou em 1897 - o governo resolveu criar uma represa, bem em cima da cidade reconstruída, inundando toda a antiga cidade e sua história, talvez como se uma gigantesca borracha apagasse o trágico e desastroso ato da antiga República. Uma nova Canudos foi construída a cerca de 20 km dali e hoje possui mais de 20 mil habitantes - quase o mesmo número que possuía o Arraial do Conselheiro, só que em 1897 isso significava ser a segunda maior cidade da Bahia, perdendo apenas para Salvador.
Porém, na parte mais alta da antiga comunidade, Canudos Velho guarda ainda um pouco de sua história, do Parque Nacional, onde houve o conflito e podemos encontrar vestígios reais da batalha, e de seu povo, a maioria descendentes de personagens e sobreviventes da guerra.
Ali fizemos grandes amigos - eu em 2007 o Luis a muito mais tempo: em 2000 - que nos recebem sempre de braços abertos. Mesmo chegando no começo da madrugada Madalena - dona da casa e de um simpático bar vizinho de parede - estava nos esperando com um abraço bem apertado.
Pelo cansaço da viagem iríamos logo dormir, nâo sem antes escovar os dentes, afinal de contas fomos até lá para implantar um projeto de saúde bucal e eu tinha que dar o exemplo...
Madalena nos contou que a bomba, que trás água da represa até a parte alta da cidade, estava quebrada, por isso não haveria água nas torneiras e chuveiros. Avisados, pegamos uma caneca de alumínio na pequena e aconchegante cozinha e a enchemos num enorme galão de plástico (que lembra aqueles barris que assistíamos no antigo desenho do pica pau quando ele queria descer as cataratas) que fica do lado de fora. Naquele instante pode-se sentir o primeiro arrepio, uma ótima sensação do choque cultural que temos: onde em São Paulo eu escovaria os dentes num quintal de terra sob um céu forrado de estrelas, olhando ao fundo a escura represa, assoprando um vento fresco e constante?
Antes de dormir ainda fiz o "xixi da madruga"; como não tinha água no banheiro a dez passos do meu solitário escovódromo encontrei um matinho amigo para "regar".
Assim estava pronto para descansar, certo de que o dia seguinte seria longo e proveitoso.