Hoje cheguei tarde do trabalho. Senti saudade de um tempo em que as preocupações eram bem menores: provas, trabalhos da faculdade, treinos...
Junto à turma de amigos, um de nossos passatempos nessa época, era ir ao Select (loja de conveniência do posto Shell) jogar papo fora e comer o enorme "dog", com direito a cheddar e molho chilli.
Numa dessas noites o João - ele mesmo, o João Arantes, cronista desse blog - nos contou uma história:
"Sabe aquela situação em que você não sabe se fez a coisa certa ou não? Pois é, semana passada estava indo à casa de um amigo meu estudar e em frente ao seu prédio um homem, de seus 40 anos, terno e gravata, cabelos compridos num rabo de cavalo, me perguntou: ´do you speak english?´. Respondi o meu ´yeah, so so´ e ele, com cara de desespero me contou a sua história. Seria americano, professor da Unicamp (Iuniquemp, em seu inglês perfeito) e estava na Avenida Paulista quando foi assaltado. Levaram tudo, seu lap top, relógio e carteira com todos os documentos. A única coisa que pedia eram 30 reais para poder pegar um ônibus (comêtcha, em seu sotaque) de volta à Campinas.
Bom, na hora fiquei meio baqueado, sem saber o que fazer. Me comovi com tudo o que disse, porém vocês sabem, né?! Há tantos malandros por aí... Fiz o que minha consciência mandou: dei os 25 reais que tinha no bolso. Meus amigos da facul disseram que eu viagei, que caí no conto do vigário e tal. Se era verdade ou não eu não sei, mas estou tranquilo comigo mesmo."
Dissemos que estava certo, que era muito difícil julgar e tal. E só para mencionar, isso aconteceu em uma época em que 25 reais, para nós, fazia falta.
Tempos depois - em torno de uns 6 meses - estávamos nós, de volta ao Select, devorando os mesmos cachorros-quentes, com os mesmos molhos furiosos em cima. Como sempre conversávamos e ríamos bastante e foi assim, com sorriso no rosto que saímos da loja. Estávamos em 4 amigos e eu ia à frente. Antes de entrar no carro ouvi uma voz vinda da calçada:
- Hey, do you speak english?
Longe de lembrar da, agora antiga, história do João respondi o meu "so so", como se sua resposta ainda estivesse implantada em meu subconsciente.
Quando o homem começou a se aproximar e já ia balbuciando algo num inglês perfeito, João ao meu lado ficou pálido e apenas disse:
- Meu Deus, eu não acredito. - assim mesmo, sem exclamação, não por falta de vontade de usar o temido sinal gráfico, mas provavelmente por falta de força perante a surpresa que o abocanhava.
- É o cara. Vocês lembram da história?...
Nesse momento a lembrança surgiu e todos ficamos atônitos, sem saber que reação tomar. Fôssemos uma turma de playboyzinhos e o gringo malandro correria sério risco de ser espancado.
- Cara, por que você faz isso? - foi a única coisa que um João incrédulo ao nosso lado conseguiu dizer.
O gringo, agora branco de susto também por perceber o risco que corria, disse algo como apenas estar procurando a embaixada dos Estados Unidos - que antigamente ficava ali perto - e se mandou.
Ainda falamos a ele que é por causa de pessoas assim que deixamos de ajudar outras que realmente necessitam. Mas de que adiantaria. O melhor a fazer era consolar nosso decepcionado amigo.
Chegamos a uma conclusão: O João havia feito a coisa certa na hora. Agir diferente seria seguir contra uma vontade nobre de ajudar, algo que devemos sempre exercitar e nunca evitar. Um dia, em nosso país, hão de mudar as inversões de valores que hoje existem, onde o malandro, o esperto, quem tira vantagem, é visto como o sagaz e quem agiu honestamente, deixou de levar vantagem passa por tolo.
Nessa história toda havia apenas um tolo, um coitado, uma pessoa a quem devemos ter pena: um pobre diabo que passa seus dias tentando ganhar alguns trocados enganando pessoas honestas.
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