quinta-feira, 18 de junho de 2009

Círculo da vida

Se um dia eu fosse buscar um exemplo, se tivesse que achar alguém para admirar, eu caminharia para o sertão do Maranhão. Mas ali, não me contentaria apenas em chegar a uma pequena cidade, adentraria mais, até a zona rural. Ainda assim, não ficaria na área mais povoada, seguiria por uma estradinha de terra, muito bonita, completamente arborizada, que permeando por entre árvores dos dois lados me fizessem observar pequenas plantações de arroz e milho por trás delas.
Esse caminho me levaria a uma simples e bonita casa, em um sítio, onde a luz elétrica ainda não chegou.
Para nós, que viemos de uma cidade grande e estamos cansados de tanta poluição (do ar, sonora, visual...), é um lugar delicioso em que a ausência de energia apenas aumenta sua beleza bucólica. Mas os moradores sonham com seu advento. Tarefas simples se tornam complicadas em seu dia a dia: conservar alimentos, ter uma televisão, estudar à noite...
“Tomamos sempre muito cuidado com a quantidade de comida a ser feita; não pode sobrar nada, senão temos que jogar para as galinhas...” – dizem por ali.
Nessa casa vive uma feliz família, típica do sertão, onde o pai cuida de suas roças e a mãe das tarefas do lar. Apesar de não terem conseguido seguir com os estudos esses exemplares pais fazem questão dos filhos irem à escola e que concluam os seus. Fato que não é tão comum como pensamos.
“O pai de uma professora daqui da escola não queria que ela estudasse, dizia que mulher tinha é que tomar conta da casa. Ela teve que estudar contra a vontade dele, chegando em casa e ainda dando conta de todos os afazeres domésticos.” – conta uma colega.
A primeira filha já está prestes a se formar na faculdade de letras. Sempre estudiosa seguiu com o magistrado e se tornou uma jovem professora, lecionando na escola de seu bairro. É daquelas pessoas que tem um forte senso de justiça e se incomoda com a falta de atitude alheia para melhorar a vida de seus alunos ou da comunidade em que vive.
Hoje nos conta, emocionada, as dificuldades que passou para entrar na faculdade. Depois de trabalhar durante o dia e ajudar nos afazeres de casa acendia uma vela ao lado de sua cama, para poder estudar para o vestibular.
Certa noite sua mãe se emocionou ao ver a filha cansada dormindo, livro aberto sobre o peito, cabeça pendendo para o lado, deixando os cabelos muito próximo à chama da vela que se consumia vagarosamente, iluminando o quarto com sua fraca luz.
Para chegar à escola em que estudou – e que hoje é professora – seguia uma trilha em meio às árvores, onde se atravessa até um pequeno riacho, caminho que seus irmãos usam atualmente.
Cansaço? Nem pensar, a única parte difícil do trajeto é se proteger das mutucas, inseto que tem uma picada muito forte e habita grande parte do trajeto.
“Nada que uns galhos colhidos pelo caminho não ajudem a espantar.” – dizem seus irmãos batendo com os arbustos nas pernas e costas enquanto andam.
A alguns meses de sua formatura sonha em melhorar a vida de seus alunos, de quem cuida com o carinho de uma mãe que quer o melhor para seus filhos. Sabe que as dificuldades pelas quais passou apenas a deixaram mais preparada para isso e com mais vontade de vencer na vida.
E aguardando o grande dia de pegar o diploma continua rodando o ciclo da vida, ensinando “seus” pequenos, sentados nas mesmas cadeiras em que há alguns anos atrás ela mesma aprendia a ler.
E nesse dia nós estaremos lá, ao lado dela.

7 comentários:

  1. Fiquei emocionada, chorei muito em frente o comutador e minha admiração por vc so aumentou.
    Que Deus te abençoi sempre,que vc seja sempre esse pessoa iluminada.
    Te adoro muito,vc e um irmão que a vida me deu a orportunide de escolher.

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  2. 'dispensa comentários'

    Esta história - claramente real , me faz lembrar que Pedro Bial costuma se dirigir aos seus 'Brothers' chamando-os de 'heróis'; toda vez que ouço isso me questiono quanto à banalização deste termo - sim, porque sendo o sistema como é, os queridos e íntimos 'Brothers' do Brasil são nacionalmente reconhecidos tal qual os nomeou Bial: 'heróis'.

    Afinal, o que significa ser Herói?

    Acredito que Ser Herói não é ter super-poder - mas também está muito longe de ser apenas 'sobrevivente' em um reality show onde se passa o dia entre intrigas, mordomias, nenhuma privacidade e total falta de conteúdo.

    Já me disseram que um Herói é aquele que faz o que tem que ser feito quando precisa ser feito. CONCORDEI. Mas logo me questionei: ’Ok, e daí?! Como é isso?!’

    Ao longo do tempo consultei meus conceitos e um monte de outras fontes.
    Misturei e organizei tudo, e o ‘como’ ficou assim..:

    Ser Herói é ser como a protagonista desta história... É ir além das expectativas do mundo ou mesmo das próprias, é doar seu tempo, ombros, braços, talentos, atenção, energia e até mesmo os sonhos a quem quer que necessite - independente de holofotes, prêmios e aprovações.

    Seguir um Sonho... O Sonho de ser Alguém para ajudar alguém a também ser Alguém.

    Quantos Heróis 'anônimos' existem neste mundo? Quantos homens e mulheres lutaram por este Sonho?
    Pessoas 'comuns' que lutaram para adquirir diplomas, títulos, estabilidade, conforto... Simplesmente para então alcançar seus Sonhos reais... Conquistar sorrisos, semear saúde, distribuir esperança, fortalecer a confiança e a auto-confiança!
    Pessoas comuns que dedicam todo o seu tempo ou parte dele ao próximo, ensinando-o, tratando seus dentes, curando suas enfermidades, respeitando-o, dando-lhe asas aos sonhos...

    Se um BBB for reconhecido como 'herói', o que serão aqueles que dedicam a vida inteira a uma empreitada como a desta professora? O que serão estes médicos, professores, dentistas, contadores de histórias, empresários, artistas, ambientalistas e sonhadores apaixonados que passam parte de suas vidas como voluntários percorrendo aldeias e cidades carentes, maltratadas, devastadas ou simplesmente esquecidas ao redor do mundo?

    A evolução é indispensável, mas a inversão de valores trazida por esta ‘onda’ chega a ser insuportável.
    Assim, há pontos aos quais me entrego (sim, necessito de energia, tecnologia, inovação) – mas também há os que não tolero - como a banalização de conceitos, termos e princípios.

    NÃO, não enxergo outra denominação que não 'Heróis Humanos'.
    Humanos por terem sido capazes de sonhar com a possibilidade de fazer outros também sonharem e Heróis por terem sido capazes de perseguir e alcançar estes sonhos - os seus e daqueles que lhes cruzarem o caminho.

    Aos 'Heróis Humanos', todo o meu Respeito e Admiração.

    Wolber, por favor, aplauda também por mim a entrega deste diploma!

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  3. Em primeiro lugar vou dizer que sou suspeita pra comentar o texto,pois vou comentar sobre uma irmã,prima,cumadre e sobre tudo uma grande amiga...,tenho a honrra de acompanhar e fazer parte da vida dessa grande mulher.Francisca Regea Coelho dos Anjos.
    Uma grande filha,irmã,estudante,professora e amiga,nunca deste dos seus objetivos sabe lutar com tinancidade pelo o que quer tanto para o seu bem quanto para os que a cercam.é vencedora antes mesmo de chegar na linha de chegada.A ela meus parabéms.

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  4. Bem, sou Francineide, enfermeira q por 4 anos convivi de perto com Régea e sua longa tragetória de vida...ela trabalha no P.S do orozimbo o qual fui enfermeira durante 4 anos e foi la q convivi mais de perto com essa batalhadora, só resta dizer: parabéns Régea por cada degrau... vc merece toda felicidade do mundo.

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  5. Esta história conheço bem, ainda hoje quando leio o livro "Caminhos de um Brasil solidário" mim emociono com essa história, embora no livro retrate só a parte em que ela conseguiu o diploma ainda assim mim faz chorar, e isto pra mim é um exemplo de vida, uma lição. E quando chega na parte no bilhete em que ela diz: "Obrigado por vocês existirem", eu mim dismanço em lágrimas não tem que não se emocione com uma história dessas. Uma realização de um sonho, e por mais que as dificuldades insistam em fazer com que agente desista os nossos sonhos falam mais alto, e aparti daí quando sentimos que é verdadeiro pode vim o que for e mesmo assim estaremos firmes e fortes pra continuar a lutar.

    Levo comigo um lema: "Lutas existe, mas elas estão aí que nos deixar mais fortes. E não temo quão grande seja a batelha, pois eu sei que maior ainda será a minha vitória."

    É a motivação que levo comigo, e que eu tenho certeza que com a Regea foi do mesmo jeito!

    Beijos!

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  6. Oi Joyce!!

    É, a Régea é minha irmãzinha e temos muito orgulho dela. Assim como temos de você também.

    É um exemplo, de força, garra, perseverança e fé. Chegou onde chegou, assumiu a poucas semanas a diretoria da escola em que trabalhava (texto para mais uma história) e hoje viaja conosco, implantando bibliotecas em escolas pelo sertão, assim como a dela.

    Uma bela história, não?

    Minha querida amiga Joyce, um grande beijo a você!

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  7. Olá Wolber, você tem toda a razão!
    Passar pelo o que ela passou, só podia ter como recompensa uma vitória dessas!
    É motivo de orgulho não só dos pais e amigos dela, mas, também de nós... admiro muito a história dela.

    Um beijão Wolber!

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