quinta-feira, 29 de julho de 2010

Histórias d(n)o Lixo: O eletro-imã (por Valter lima / Wolber Campos)

Na usina de compostagem em que Valter trabalhava, o intuito era separar apenas o lixo orgânico - vendido posteriormente para agricultores, por exemplo -, retirando de seu interior todo material inorgânico, passível de reciclagem.
Foi uma grande alegria, quando conseguiram instalar o sonhado eletro-imã. Este, se tratava de um imã gigante, suspenso sobre a mesa que, ligado, atraía de uma vez, quase todo material metálico misturado ao lixo, facilitando muito o trabalho dos separadores que se dividiam por toda a mesa. Assim voavam do montante tampinhas, pregos e moedas, muitas moedas. No final do dia, elas totalizavam em torno de 50 reais.
Com o novo aparelho operando, Valter começou a fazer, toda manhã, um saboroso café para todos os funcionários. Pão, leite, suco, faziam a festa de todos, criando um bom ambiente para começar o trabalho.
Para declarar tudo, e não haver problema, fez um ofício à prefeitura, comunicando sobre o dinheiro encontrado e o destino que estava sendo dado ao mesmo. Demorou quase seis meses para obter um retorno da área jurídica, que dizia "o dinheiro é público e não deve ser usado para esse fim." E, o truculento texto, encerrava ordenando que o café deveria acabar imediatamente.
Incrédulo, nosso amigo fez outro ofício, perguntando então se era possível usar o tal "fundo público" para a aquisição de alguns materiais necessários para o escritório, como impressora e fax. Mais seis meses de espera por mais uma resposta negativa. E, para piorar, não davam uma indicação do que poderia ser feito com tal dinheiro.
Valter, todos os dias, apenas juntava as moedas e colocava em tambores de metal de 200 litros, os enchendo como cofrinhos de crianças ituanas.
Após mais uma negativa da prefeitura - e de encher 8 tambores de 200 litros com moedas! -, conversou com uma amiga advogada pública.
- Olha Valter, eu trabalho há anos aqui e sei como funciona. Se eu fosse você, pegava todo esse dinheiro, depositava direto na conta da prefeitura e deixava essa história de lado. Pode acabar dando problema para você. - ela orientou.
Assim ele fez. Depois de levar 8 tambores cheios ao banco, ouvir reclamações do gerente dizendo que não aceitaria aquilo - "você tem que aceitar, é dinheiro!", disse Valter -, pôde trabalhar em paz.
A prefeitura desligou o eletro-imã, devido à burocracia, moedas continuaram a ir embora e os separadores de lixo nunca mais tiveram seu gostoso café-da-manhã.

4 comentários:

  1. Muito triste isso Wolber.

    Por isso as vezes me pergunto: Valeu a pena fazer esse oficio a prefeitura???
    A gente quer ser honesto, e acho mesmo que devemos ser, mas nesse caso em especial, a troco de que?

    Mundo injusto...

    Me deu uma baita raiva aqui.

    Um abraço grande!!

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  2. Olá Sil!!
    Infelizmente é assim mesmo. O Valter é uma das pessoas mais corretas que conheço. Um cara totalmente do bem e vejo com ele que devemos ser assim: Fazendo a nossa parte. As vezes, realmente, dá vontade de jogar tudo pro alto. Mas a consciência limpa lá na frente é a recompensa.
    Nesse caso, se soubesse, acho que ele continuaria com o cafezinho, sem estardalhaço.
    Prazer tê-la aqui!

    Grande abraço!

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  3. Olá Dr.

    Bom dia!

    Muito interessante esse texto. Você pode até achar que fiquei louca, mas o artigo 1.233 do Código Civil Brasileiro diz exatamente assim: "aquele que achar coisa alheia deve devolvê-la ao dono ou ao legítimo possuidor. Na falta desses, a coisa deve ser entregue à autoridade competente".

    O coitado do parecerista que respondeu ao ofício não fez mais que sua obrigação e de forma correta. Porque, diante de um Ofício a coisa se torna pública. De fato ele não poderia ter respondido de outra forma.

    No meu ponto de vista é um absurdo aplicar esse artigo do Código Civil ao caso específico da Usina onde o Valter trabalhava, por óbvio. Mas pra isso serve o juízo, acho que valeria a pena procurar a Defensoria Pública (não paga) para questionar o parecer da prefeitura judicialmente. Até porque se o juiz atendesse ao pedido da Usina, isso seria um exemplo valoroso de inteligência na aplicação da lei. A Administração pública não pode questionar a aplicação ou não de uma lei, ela simplesmente cumpre baseando-se no princípio da legalidade. Já o juiz está lá pra isso mesmo, pra sanar essas aberrações que a lei não enxerga.

    Concorada comigo?
    (Inveja desse Valter Lima que escreveu esse texto contigo)

    Beijo! Tenha um bom dia.

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  4. Olá minha amiga!

    Você não podia ser mais clara! Concordo plenamente. Acaba sendo uma situação completamente delicada, um funcionário entrar na justiça, teoricamente, contra o parecer que lhe deram, mesmo sendo por uma bela e justíssima causa. Ou fazer o que parecia mais certo - comentado pela Sil -, continuar com o café, na "surdina" e fazer o bem, mas e se alguém conta e cai sobre as costas do Valter...

    Difícil isso.

    Mas pelo menos agora sei que o "Crônicas de um Brasileiro" pode contar com acessoria judicial da "Mulher na Polícia".

    Recorreremos a você sempre que haja alguma dúvida (ou estivermos em perigo...) rs.

    Um prazer receber seu comentário!

    Grande abraço!

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