domingo, 31 de outubro de 2010

Tráfico de água

A seca. Exposta desde os livros de história do Brasil nas escolas, ainda hoje é um problema no sertão. A solução poderia manar, assim como a água brota de poços artesianos em locais áridos, não fosse os interesses políticos escusos e desejo em manter a miséria, de uma das pragas mais antigas e presentes de nosso país: o coronelismo.
Em uma cidade do interior seco do Brasil, meses atrás, a seca vinha de forma intensa. A época de chuvas havia passado e isto significava esperar por mais um ano pela sonhada água. O nível das cisternas (reservatório ligado aos telhados das casas para armazenar a água das chuvas) estava no fim, e os caminhões pipa se esforçavam em manter água nas escolas e comunidades mais afastadas.
Luis, fotógrafo, visitou o açude da região, onde o nível baixava cada vez mais e as mulheres sertanejas buscavam a água barrenta para o sustento de sua família. Latas d´água na cabeça, andavam, muitas vezes, mais de 5 quilômetros, equilibrando 10, 15, 20 ou mais, litros de peso sobre o velho pano enrolado sobre os sofridos cabelos.
Enquanto retratava essa dura realidade, alguns caminhões pipa passaram, despejando água no maltratado açude. O motorista de um deles parou e veio em sua direção. Seu Raimundo, era um homem de meia idade, olhar duro, mas sereno, caminhou até Luis e lhe disse, ao pé de um morro onde estava.
- Por que você está tirando fotos? É de alguma revista ou jornal? - perguntou sério, porém sem agressividade.
Luis disse que não, estava apenas retratando o dia a dia das sertanejas e sua luta pela água.
Ele disse que não havia problemas, mas pediu que apagasse qualquer foto que tivesse saído os caminhões pipa.
- Sei que estamos fazendo algo errado, essa água é ilegal, buscamos no município vizinho. Mas não temos água para abastecer a cidade e a situação está perigosa para toda a população.
Explicou que, durante a noite, saíam escondidos e enchiam seus tanques no açude de outra cidade, despejando o conteúdo no seu, quase seco.
Não havia problema, apagou as fotos onde haviam caminhões despejando a água e pensou no certo e errado. A luta pela vida, o que fazer? Uma população toda pode morrer sem água, bem inestimável à vida. Sem dinheiro para comprar e, mesmo se houvesse, municípios vizinhos também se preocupavam com seus níveis.
O tráfico, ali, era uma necessidade. Vida ou morte.

20 comentários:

  1. Inadmissível que isso ainda ocorra no nosso país. A gente sabe que ainda existe. Belo texto. Beijos!!

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  2. Esse assunto me entristece tanto. Por que é tão real, está tão próximo de mim. Por que é exatamente como você descreveu, o coronelismo bizarro não tem interesse que as coisas no Nordeste melhorem, senão, como vão poder controlar tudo?
    É claro que com vontade política, senso humanitário e se eles, os governantes cumprissem sua obrigação, o problema por aqui já teria, senão melhorado, pelo menos amenizado bastante.
    Mas entra ano e sai ano, a história do povo sertanejo não muda. Os capítulos são os mesmos e a perspectiva de um final feliz inexiste.

    Que bom que voltou, moço.

    Beijos.

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  3. Olá Ká! Tudo bem?

    É uma triste e dura realidade. Ainda existe e maltrata nossos irmãos do sertão. Infelizmente.

    Grande beijo a você!

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  4. Olá Milene!! Tudo bem?!

    Vemos essa praga, o coronelismo, forte como nunca. E nem precisamos ir até lá para comprovar. A eleição de governo de um grande estado do nordeste mostra isso.

    A perpetuação da miséria. Por isso brigamos tanto pela educação, o único antídoto contra esse veneno que consome nosso povo.

    Seja sempre bem-vinda, minha amiga!!

    Grande abraço!

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  5. Isso é uma vergonha, né Wolber???

    Meu Deus, um País tão rico como o nosso, e ainda vemos tantos lugares assim.
    Uma seca de doer na alma, jogos politicos e o coronelismo que ainda impera em tantos lugares.
    Vergonhosoooooo isso!

    Um abração meu amigo mais queridoooo!

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  6. Tem gente lavando a calçada com mangueira,
    Tem gente abafando a poeira,
    Tem gente que não sente a sede na garganta seca,
    Tem gente que ama o próximo de esguelha,
    Tem gente que não ama a vida,
    Água é vida e o que é vida a gente preserva!

    Abraços,
    Lanelle

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  7. Olá Lanelle! Tudo bem?

    São os paradoxos de nossa terra. Tão grande, tão rica e com tamanha desigualdade.

    Fico feliz em saber seu nome. Grande beijo Lanelle! :)

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  8. Wolber, querido,

    Questões duras, essas! Um país de várias grandezas, onde poderíamos ter o mínimo de dignidade e ainda vemos o sertanejo submisso ao poder dos coronéis (mts políticos), que manipulam essa seca e a ignorância desse povo em benifício próprio.
    O caminho é, realmente, a educação, mas como, se os poderosos não a querem?
    Difícil!

    Mt bom o post, bjão

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  9. Esse é um grande dilema Ira. Por isso, nesse trabalho que fazemos no sertão, priorizamos a educação, em todos os sentidos.

    Mesmo um projeto de saúde bucal, implantado com escovação diária, escovódromo, tem o objstivo de manter as crianças por mais tempo na sala de aula, visto que muitas vão embora com dor de dente.

    É um trabalho de formiga, mas a cada dia o formigueiro vai aumentando... :)

    Um beijo Ira!

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  10. Wolber,

    Eu nunca havia lido ou ouvido falar disso: tráfico de água, furto de água!

    E as mulheres carregando baldes pesados nas cabeças por quilômetros... com aqueles poucos panos enrolados tentando driblar o peso, as dores... parece que estamos num passado longínquo, mas não estamos, não é?

    Uma lástima! E tanta gente aí falando asneiras, falando do progresso do país. Progresso? Onde?
    Em algumas áreas, eu sei, informática, eleições rápidas, sistema de funcionamento dos Bancos, medicina... e poucos outros mais. Mas, as necessidades básicas, o Brasil que ninguém vê... tudo igual décadas atrás.

    Vivo no deserto da Califórnia, e, quando aqui cheguei (eu nunca havia saído do meu país), fiquei chocada, perplexa. Aqui é um deserto, Wolber, mas você só o sente no ar seco e na sede eterna, na falta de chuvas... por todo lado há flores, jardins, palmeiras, tudo lindo feito um paraíso. Você vê as árvores com os troncos retorcidos, vê a natureza se esforçando para vingar, mas vê principalmente a mão do homem. Fiquei sabendo há pouco tempo, que aqui é o estado americano que mais produz hortaliças, legumes. Morangos? Parece banana aí, e você sabe que não é fácil cultivar morangos.

    Vejo essas coisas e meu coração dói, dói de tristeza desse meu país, nosso país tão rico em tamanho, em beleza, em fontes naturais...

    Muito bom o post. Obrigada por compartilhar.

    Um abraço!

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  11. Oi Sil!! Tudo bem??

    Sabe que tinha respondido seu comentário e não saiu? Percebi porque o número estava ímpar... rs

    Pois é amiga, essa é uma triste realidade de nosso sertão. Tão sábio, pessoas de valor, de alma pura, porém, nas mãos dessa gente mesquinha e vil.

    Vamos tentando mudar esse panorama...

    Um beijo, minha amiga querida!

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  12. Oi Suzana!!

    Seu comentário completa com perfeição o texto. Como um país pode ter as mesmas dificuldades climáticas e dar a volta com progresso e beleza?

    Progresso... Lema de nossa bandeira e tão longe de atingirmos no sentido total da palavra.

    Onde penso que essa diferença toda exista, é que a população da Califórnia exige de seus governantes um investimento em seu estado. Por isso os políticos e coronéis do sertão insistem em manter a educação longe das simples casas. Fogem da educação como o diabo da cruz.

    População mais culta = maior cobrança nos governantes e maior retorno à população. Equação simples que os homens lá de cima insistem em manter debaixo do solo árido, castigado pela seca.

    Acredito num bom futuro, minha amiga. Já mudou um pouco. Mudará ainda mais. Tenhamos fé. O que não falta ao povo sertanejo.

    Grande abraço e obrigado por dividir a realidade de seu cotidiano! :)

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  13. Wolber, meu amigooooo!

    Vim retribuir seu carinho só agora, porque hj meu dia foi tomadoooooo poe uma pessoa muito especial: Minha filha.
    Hoje, ela completou 17 anos, imagina minha emoção? Sou coruja demais, porque é AMORRRRRRR demais o que sinto por ela (enxugando a baba rs).
    Emoção maior ainda, foi semana passada fazer a matricula dela na faculdade. Imagine o tamanho da minha taquicardia???
    Minha bb tá crescendo, e eu to orgulhosa por tudooo.
    Tive que vir aqui compartilhar isso com vc, meu amigo tão querido!

    Beijo meu!

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  14. Que bom que vc ficou feliz em saber meu nome...
    Já era tempo! rs
    Muito prazer...

    Olha, exclui o ultimo comentário que vc fez no meu blog, sem querer...
    Seria pedir muito para um homem ocupado como vc, para postar outra vez? rs
    Se não for, faça a gentileza!
    Pois ficou mto bonitinho seu comentário, segue:

    Olá Lanelle!! Tudo bem?

    Realmente, nada como apreciar a beleza da natureza, que está em toda nossa volta e muitas vezes não percebemos.

    Quantos não reclamam quando vem uma chuva e precisam sair de casa?

    A maravilha está sempre ao nosso redor, veja quem tem olhos para vê-la.

    Grande abraço!

    Beijo,
    Lanelle

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  15. Belo texto!

    Poucas pessoas sabem dessa informação...

    Bjsss

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  16. Olá Sil!! Que bacana tudo isso, minha amiga!!

    Parabéns!! Colocar uma filha na faculdade é motivo de muito orgulho, ainda mais no nosso país, onde não são muitos os que chegam nesse patamar. Quanta felicidade! :)

    Imagino que você seja uma mãe coruja mesmo. rs. Deve ser daquelas "super mãe".

    Que bom Sil, fico muito feliz em ver a felicidade de uma amiga tão querida. Torço por vocês!!

    Boa sorte em tudo!

    Grande beijo!

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  17. Olá Lanelle!!

    Claro que comento novamente sim, será um prazer.

    E bom que curtiu o comentário. :)

    Beijo!

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  18. Oi Guímel!

    Pois é, também tive uma surpresa ao saber. É curioso, não pensamos em um açude como propriedade de alguém, mas é. Está no território de uma cidade e se outra não tem ou seca...

    Problema sério, um prefeito tem que enfrentar o risco de sua população passar sede, ou até, em casos mais graves, morrer por ela.

    Triste realidade.

    Um abração!

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  19. Olá, parabéns pelo blog, sempre que o tempo me auxilia visito trabalhos bem feitos como o teu. Suas fotos textos, chocam, mas é muito bom saber que alguem faça aparecer o que poucos conseguem ver.

    É injusto é triste, medonho, mas infelismente é real e deve ser mostrado da forma correta, você faz isso bem.

    Um grande abraço!

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  20. Oi Luciene!! Tudo bem?

    Que bom ler um comentário assim. Agradeço muito pelas palavras.

    A chance que temos de ver o cotidiano no sertão é muito boa para descobrir essa realidade, tão brasileira e tão distante das metrópoles.

    Fico muito feliz com sua presença aqui! Um prazer!

    Grande abraço!

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