quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O presente

Ela entrou na sala com um semblante sério. Uma senhora velhinha, com a pele castigada pelo sol. Na mão, trazia uma prótese embrulhada em um guardanapo. Em meio à correria dos atendimentos, eu ainda encaixava alguns pacientes para ajustes das próteses que nós entregamos em junho.
Assim que terminei o atendimento de uma criança a chamei e perguntei como havia ficado a peça.
- Eu nem usei! Ficou muito grande aqui na frente, machucou muito. Muito ruim. - disse de forma seca.
A primeira coisa que me veio, foi algo ruim. Como se fosse ficar bravo, pela senhora não ter que reclamar com tanta veemência, visto que é normal ter que fazer alguns ajustes na prótese e, ainda por cima, aquela havia sido doada, com muito carinho.
"Calma, não julgue antes de solucionar o problema...", me veio à cabeça. Logo espantei aquele nervosismo inicial e pedi que ela sentasse. Disse que era normal ter que ajustar a prótese e que faríamos o possível para deixá-la boa.
Vi que, realmente, a parte da frente estava alta, o que seria bom deixar para aumentar a retenção, mas que se ela não se acostumava, era ideal diminuir o tamanho.
Desgastei com carinho, experimentei, tirei mais um pouco.
- Nossa, agora tá muito boa! - disse, abrindo um ligeiro e tímido sorriso.
- Dona Maria, se sentir algo incomodar, ainda estou aqui amanhã o dia inteiro, e no terceiro dia, só pela manhã. Pode voltar que eu dou um jeito. - eu disse, e ela saiu contente com a peça ajustada.
No terceiro dia, após o almoço, estava desmontando toda a aparelhagem, guardando os materiais, limpando as caixas. Olhei para a porta, a vi do lado de fora, olhando como se quisesse me dizer algo.
"Pedi que ela viesse até hoje de manhã se precisasse, agora já guardei tudo...", pensei.
Olhou para mim e fez um sinal com o dedo, para que eu me aproximasse. Larguei os materiais e me dirigi até ela. Seu semblante era sério, mas o olhar sereno. Percebi que era o mesmo olhar do primeiro dia, mas eu não havia percebido. A aparência séria e o modo ríspido de descrever o problema da prótese, não era por ser uma pessoa dura, ou mal agradecida, apenas alguém que cresceu em um lar mais sério e lacônico e não aprendeu a falar de forma polida ou suave.
- Tudo bem, dona Maria?
- Você me desculpa que eu não entrei na sala agora, mas eu tava com vergonha, porque não sabia se você gostava disso. Mas eu trouxe esses abacates que deram lá em casa pra você e para seu amigo - o Manolo, que trabalha comigo -. Se não gostar não tem problema não.
Aquilo me emocionou, ainda mostrou a netinha, de seus 7 anos, que segurava um saco menor, com dois abacates. "Ela quis trazer de presente pro senhor também", me disse, e a menina me entregou também o saquinho dela.
Eu disse que adorava abacate, que misturava com açúcar e ainda gotejava limão, e ficava uma delícia.
Ela deu o mesmo tímido sorriso, só que dessa vez ele durou mais tempo, e saiu feliz, como saiu depois que a prótese havia sido ajustada.

12 comentários:

  1. Olá Wolber!

    Esses relatos das coisas simples do dia-a-dia me emocionam mais do que tudo! São as verdadeiras crônicas dos brasileiros, pequenas grandes coisas que passam despercebidas pela maioria das pessoas... mas que marcam profundamente os corações atentos. São essas pequenas coisas que permanecem na memória, não são nunca esquecidas e fazem uma diferença surpreendente na vida!

    Com seu relato aqui do presente singelo da senhora agradecida, lembrei-me do trecho bíblico que menciona a doação do homem rico - doou de sua sobra, com exibicionismo, para ser visto. Mas aproximou-se uma viúva, com uma moeda apenas, e doou tudo o que tinha.

    Tenho certeza de que os abacates valeram ouro para ti. E ainda mais precioso foi o sorriso!

    Um abraço, amigo Wolber!

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  2. Olá Suzy! Tudo bem?

    Sem dúvida, um presente dado de todo coração, do que a senhora tinha para dar.

    Muitas vezes, chegam crianças orgulhosas e me dão uma bala. Parece pouco, mas é difícil para elas comprarem uma, mesmo custando centavos.

    Um presente, dado com o coração, não tem preço.

    Um abraço, minha amiga!

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  3. Bom senso foi aguardar os acontecimentos, pois, apesar da frustração inicial, depois veio a satisfação no final!
    Deve ter sido gratificante saber que deixastes a pessoa feliz...Além de ganhar os abacates, é claro!
    Abraços, desbravador!

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  4. Grande Leonel!

    Pois é, amigo, é um trabalho que sempre faço comigo. Deixar aquela impressão inicial ir embora e pensar mais calmo na situação.

    Sabe que todas as vezes que fiz isso, deu certo? Até quando a outra pessoa, realmente é mal intencionada, ou está equivocada, manter a calma e passar serenidade quase sempre desmonta o outro.

    Aí, ao vencedor, os abacates! :)

    Um abração, amigo!

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  5. Lidar com tanta gente, cada um com seu jeito peculiar é de fato uma tarefa complexa, mas vc parece cumprir isso com maestria. Usar de empatia, se colocar no lugar do outro é um bom caminho. Tento fazer isso toda vez que alguém chega na escola em busca de algum documento, de um jeito não tão delicado.

    Siga fazendo melhor esse nosso mundo doido, doutor.

    Beijo.

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  6. Olá, minha amiga Milene! Tudo bem com você?

    Empatia é algo que precisamos exercitar todos os dias. Como é fácil nós julgarmos, sem nos colocar no lugar do próximo.

    E muitas vezes nos irritam erros que nós mesmos cometemos.

    Um prazer te receber por aqui, Milene!!

    Grande abraço!

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  7. Hi Wolber, guess what? I love avocados! :-)
    Nice story!

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  8. Olá Lea!

    Sabia que é um prazer recebê-la aqui em meu blog, vinda de tão longe?

    Também adoro abacates (tive que usar o tradutor para saber que em inglês, se chamam avocados, lol). Ainda mais quando recebidos de presente, com tanto carinho.

    Um grande abraço!

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  9. EITA PRESENTE BOM QUE AMOOOO ABACATE COM LIMÃO ..ADORO MESMO

    SABE WOLBER É TÃO LINDO OUVIR ESSAS HISTÓRIAS SUAS POR QUE EU VEJO A FISIONOMIA DA PESSOA ENGRAÇADO QUE VI ESSA SENHORINHA DE CABELO PRESO,COM UM COQUE NO CABELO UM VESTIDO ESTAMPADO ..A MENININHA TAMBÉM MAGRA SRSRS VOCE VAI CONTANDO DE UMA FORMA TÃO EMOCIONADA QUE NÃO DÁ PARA NÃO IMAGINAR COMO UM FILME
    OLHA MÁS NÓS ESTAMOS MESMO ASSUSTADOS COM AS PESSOAS QUE AS VEZES NOS TRATAM MAL QUE ATÉ NOS PROTEGEMOS ANTES NÃO É?
    MAS QUE BOM QUE A VOLTA DA SENHORA TENHA SIDO PARA TE DAR ESTE LINDO PRESENTE ...FICO FELIZ POR VOCE E FELIZ POR ELA TER DADO A VOCE ESTE MERECIDO ATO DE GRATIDÃO
    OBRIGADA DOUTOR POR FAZER UM TRABALHO TÃO LINDO
    SE DESSE PRA VOCE OUVIR DAQUI ..OUVIRIA MEUS APLAUSOS PARA VOCE É TODA TURMA DO IBS MAS VAI A ENERGIA DO CORAÇÃO CHEGA ATÉ AI
    BJS
    OTILIA

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  10. - Aiii Wolbiiinho!!
    - Choreii agora de emoção!
    - Que LindoOOo
    - Realmente as coiisas são assim como vc fala!
    - Parabééns Wolbiiinho! saudades de vc e Manoleques!

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  11. Olá Kyria! Tudo bem, minha amiga?

    Que bom que curtiu o texto! Sabe que quando releio, me emociono também. Essa humildade e bondade é de tocar o coração. A pessoa que dá o que pode, faz questão de presentear, mostrar sua gratidão com o pouco que tem.

    Esses são felizes e nos ensinam muito!

    Obrigado pela passagem por aqui, minha amiga!!

    Um abraço!

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  12. - Oii Chefiinho.. eu toh bem graças Deus, com saude.. o resto é restoOO!!
    - Curtiii demais o texto!
    - muiita emoção mesmo!1
    - pq vejo muito isso aqui no meu municipio, por onde passo!
    - e graças a Deus aiinda existe pessoas assiim!1
    - que sofrem, maiis dão tudo de si, para serem gratos!
    - Eu que agradeço Chefiinho pelas suas cronicas, tenho aprendido muito com elas!
    - sempre que puder, passareii por aquii!
    - bjOoOO

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