sexta-feira, 18 de maio de 2012

Escassez

Esse é o nosso Brasil: terra dos contrastes. Das favelas na grande cidade, crescendo aos pés de luxosos condomínios. Dos ricos empresários com cultura de sobra, fechando sua janela ao pedinte que lhe estende a mão no farol. Da colossal arrecadação de impostos e do miserável retorno dos benefícios à sua população.
O último texto mostrou nosso espanto pela fartura de peixes em uma comunidade de pescadores do Pará. Porém uma solitária fartura. O peixe é o alimento em abundância, mas há carência de muitas outras coisas. Tão surpresos quanto observamos os peixes que sobravam, visitamos a escola de palafita da comunidade. E não, não era por ser de palafita - o que dava até uma beleza ao local, assim como belas casas da comunidade, erguidas pelas hastes de madeira que as afastam da maré alta -, mas pela continuidade do ensino.
Eram três salas, repletas de lindas crianças. Olhos brilhando ao fitar os kits escolares que ganhavam. Dei uma rápida palestra, olhei seus dentes. A maioria com cáries enormes! Dentes perdidos esperavam por uma extração. Quem faria se para ir a um dentista seria necessário um barco e muito tempo até o destino? A primeira escassez que notamos foi essa: saúde.
Idagamos sobre a educação, ali os alunos estudam apenas até a quarta série. Depois, somente pegando o barco-escola de madrugada até a outra cidade (algo que vimos também na comunidade de pescadores de Paraty-Mirim-RJ). São poucos os que seguem essa rotina. A grande maioria dos alunos não mais são chamados assim. Tornam-se pescadores como seus pais, avós... E nao é problema o fato da profissão, digna e bela como qualquer outra, mas sim o fato de não haver uma alternativa. De crianças não terem chance de sonhar com outros horizontes, mesmo que fosse apenas continuar estudando. Apenas?
Se o acesso à educação, saúde, inclusão social, para brasileiros que vivem com poucos recursos em uma cidade maior não é fácil, o que dizer dos que vivem em uma comunidade mais isolada?
Fizemos uma confraternização com as crianças e adultos na praia, sob uma bela palhoça. Tocamos violão, fizemos um belo churrasco. Eles cantavam, brincavam. As crianças comiam e sorriam. Notamos, com curiosidade, que elas preferiam muito mais a farinha que tínhamos do que o peixe assado, onde observamos o excesso de um em relação ao outro.
Num belo pôr de sol percebi que a fartura de peixes na região não era solitária como disse no começo do texto. Era acompanhada da maior fartura que um povo pode alcançar, e, acredito, a mais rica de todas as outras: a de felicidade.







                                               Fotos: Luis Salvatore

10 comentários:

  1. Amigo Dóctor Wolber....

    Sim, um desenho limpo e solidário é o que nos parece essa situação de nossos irmãos naquela posição de esquecidos num agreste sem opções.

    - Causará espanto em muitos e a ti, EU dizer que é dessa forma "agreste de ser" desse povo sofrido e carente de muitas coisas das quais hoje nem sonhamos viver sem... Que para meus olhos, é a forma mais IDEAL em que o ser humano deveria ser/estar, do que ter a vida corrompida e os sonhos apagados daqueles que estão nas metrópoles e tinham tudo "Ensino, Saúde, Emprego e FUTURO"... Se entregando as drogas, violência, mendicância e prostituição perdidos na ILUSÃO da multi-tendencia e do ÓCIO nessa nossa massa de zumbis populacionais da mídia imposta.

    Penso eu que mesmo em suas pseudo dificuldade agreste.... "São muito mais felizes do que muitos de nós".... rss

    Wolber, admiro teu trabalho e você sabe disso... Continue assim fazendo o minimo que muito engrandece a vida de todos, Iscruzivê a minha... rss

    Deussssssssssssskiajude
    Abraços
    Tatto

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    1. Grande irmão Tatto! Tudo beleza?

      Meu amigo, um comentário tão sábio e rico merece meus aplausos!!

      Parabéns, concordo em gênero, grau e número!

      Grande abraço!

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  2. Quando é que eu poderei participar aí dessas "operações"???

    : )

    Beijos!

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    1. Olá, minha amiga policial! Tudo bem?

      Haha, quando você fizer um projetinho e encaminhar para o IBS a chance será grande! :)

      Quer ajudar como?? rs

      Beijo!

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  3. Bela reportagem, Wolber, mostrando a alegre inocência das pessoas que habitam este "Shangri-Lá" do sertão.
    Como o Tatto comentou, eu acho que o melhor aspecto de uma comunidade isolada como esta é o fato de que, ao mesmo tempo que são excluidos dos benefícios das instituições, ficam também livres de alguns problemas típicos dos conglomerados urbanos!
    Mas, é claro que são cruciais as deficiências na saúde e na educação, e tudo deve ser feito para melhorar estes ítens, básicos ao bem estar destas pessoas.
    E é aí que entram pessoas como você, que felizmente tem noção destes aspectos, ao contrário dos que tem o poder nas mãos!

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    1. Olá Leonel! Tudo bem, meu amigo?

      Realmente, a sociedade, infelizmente, macula muito a pureza do ser humano. Difícil viver em uma cidade grande e tentar manter a leveza dessas pessoas que vivem de forma tão pura.

      É para poucos!

      Muito obrigado pelas palavras, Leonel!

      Um grande abraço!

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  4. Doutor Wolber,

    As fotos estão lindas, encantadoras! Especialmente aquela da menininha com o livro na mão, sorrindo timidamente... Só de olhar, dá vontade de fazer a mochila e sair Brasil afora fazendo o trabalho fantástico que você e sua equipe fazem!

    De fato, estamos falando de uma terra de contrastes. Assim é nosso Brasil, onde fartura e carência extrema se avizinham. Não interagem, contudo. Cada qual no seu mundo.

    Até surgir a esquipe do Dr. Wolber pra levar um pouco de inclusão e oportunidades de saúde e educação a população esquecida nos extremos de nosso país, trazendo como recompensa momentos singulares da alegria mais plena. Obrigada por compartilhar conosco!

    Um abraço, Suzy.

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    1. Olá Suzy! Tudo bem?

      Essa foto da meninha está algo incrível, não? Alguns minutos depois de tirá-la, enquanto esperávamos o barco-escola para nos levar embora, Luis veio até mim e a mostrou na máquina, boquiaberto com a beleza e vivacidade da fotografia.

      Ah, e compartilhar o que vivemos por lá é o maior prazer! E achar amigos que se identifiquem com tudo é melhor ainda!

      Abraço, Suzy!

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  5. Incrível como um texto destes, maravilhoso, termina com uma palavra simples, porém tão difícil de ser encontrada: felicidade.
    As vezes penso se hoje a falta dessa felicidade nao se encontra exatamente nos excessos que desejamos dia após dia e perdemos a nossa saúde para conquista-los.
    Cafa dia mais penso que o mundo nao vai mais poder esconder o obvio: a vida com amor e sabedoria é infinitamente maus rica do que a vida cheia de moedas.
    Assim esta a riqueza do pescador, a riqueza das palafitas e dos olhares destas crianças.
    Ricas em esperança e ricas de companheirismo e amor.
    Temos muito a aprender com eles!
    Obrigada por nos mostrar mais um pouquinho, doutor!
    Um beijo enorme!

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    1. Querida Lua,

      penso cada dia mais nisso. Por este fato digo que não é da boca para fora que dizemos que aprendemos mais nestas viagens do que doamos.

      É uma verdade simples, tão escancarada, tão óbvia, que poucos percebem. Pessoas felizes, com tão pouco. Na cidade é raro encontrar pessoas realmente felizes, mesmo com muito.

      Vamos aprendendo, quem sabe um dia? :)

      Como fiquei feliz de receber novamente um comentário seu.

      Grande beijo!

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