terça-feira, 29 de julho de 2008

Tudo pela educação

Mateiros é uma cidade localizada no coração do Jalapão, região abençoada pela natureza, que fica no Tocantins, entre a Bahia, Piauí e Maranhão. Lá, nós do Instituto Brasil Solidário fizemos um trabalho em 2007.
É uma pequena cidade - deve ter em torno de 2000 habitantes, contando com toda a zona rural – e guarda peculiaridades das pequenas cidades de interior. A duzentos metros da escola havia um rio onde podíamos nos banhar – e refrescar o intenso calor da região – durante o dia e servia de palco para um revigorante lual durante a noite.
Depois de um longo dia de trabalho combinamos com amigos uma roda de violão naquele lugar. Ali havia uma frondosa árvore que cobria grande parte de um espaço onde troncos deitados pelo chão nos serviam de bancos.
Para se chegar até o local levávamos lanternas, já que poucas ruas da cidade possuem iluminação e a noite sem lua tornava a caminhada difícil sem a ajuda de pelo menos a luz de um celular aberto.
Sob a copa da grande árvore, que ouvia alegremente o som do violão, ficávamos impressionados com o número de estrelas que havia no céu. Eram muitas e a ausência da lua as fazia brilhar com ainda mais nitidez. Bastava um olhar atento de, no máximo, cinco minutos e víamos – boquiabertos – enormes estrelas cadentes cruzando a noite escura.
Para alguns de nós era a primeira vez que víamos um céu tão limpo e cheio de estrelas daquela forma. Deitávamos na própria grama, olhando para cima, contando quantas estrelas cadentes mergulhavam sobre nós.
A fogueira aquecia o clima ligeiramente frio, comum na região àquela época do ano, e ao som de um bom violão ficávamos ali, como que hipnotizados pelo espetáculo da natureza.
No dia seguinte trabalharíamos na mesma cidade, porém desta vez em uma zona rural. O bairro se chamava Galhão e se estendia ao longo da estrada que deixava Mateiros em direção à Bahia e Piauí.
A pequena escola, que descansa preguiçosamente na margem direita da pista, possui apenas uma sala de aula, onde estudam em torno de 20 crianças, dos 6 aos 10 anos. Isso gera ainda mais dificuldades para o jovem professor Fabiano, de 25 anos, que precisa dar aula ao mesmo tempo para 3 séries diferentes.
Do outro lado da estrada há uma casa bem simples que, assim como a escola é cercada pelo mato e árvores. As duas assistem solitárias o passar dos dias pela calada estradinha de terra. Durante todo o dia em que atendemos ali passaram apenas dois carros levantando poeira à sua frente – um deles foi o que nos buscou de noite.
Quando estávamos descarregando todo material para o atendimento o Trilha – labrador do Luis, presidente do IBS, que viaja muito conosco - entrou em uma das 3 salas que existem na escola e saiu com um ursinho de pelúcia na boca. O surrado urso o acompanhou por um bom tempo. Foi assim que descobrimos a área de brinquedos das crianças. Em um canto de uma pequena e escura sala haviam poucos e velhos brinquedos, a maioria quebrados.
Na segunda oportunidade em que passamos por ali o Manolo (grande amigo e parceiro nos trabalhos) deixou dois enormes sacos de brinquedos novos para os pequenos - não tivemos tempo de vê-los recebendo, mas devem ter se animado bastante.
A história dessas crianças corta o coração. Todos moram a quilômetros de distância da escola e acordam muito cedo, ainda durante a madrugada, para chegar na hora certa à aula. Quando não há merenda são liberados antes, para voltarem e almoçar em casa, fato que vem ocorrendo com muita freqüência, segundo o professor.
Neste dia em que trabalharíamos naquela comunidade o motorista da prefeitura que nos levou passou em uma mercearia e comprou bolachas, leite e pães: depois de muitos dias os alunos teriam um lanche novamente.
- É de cortar o coração. Alguns alunos quando não tem merenda voltam para casa e também não tem comida. Acabam almoçando farinha e mais nada. – me contou Fabiano com um ar triste.
Geralmente essas famílias vivem da agricultura de subsistência, que nem sempre os provém com tudo o que necessitam.
Ao acabar a aula a maioria dos alunos, que seria atendida depois, voltou para casa para retornar à tarde. Saíram todos com o uniforme da escola, bem usados, porém limpos. Quando voltavam geralmente estavam usando bermudas muito surradas, furadas, camisetas rasgadas e às vezes até sem elas – modo dos pais pouparem a roupa do dia a dia.
Quando o Fabiano fez o pedido de roupas usadas para as crianças atendemos prontamente. Seriam deixadas junto com os brinquedos do Manolo.
O trabalho seguiu intenso durante o dia. As crianças, como o esperado, apresentavam uma condição muito ruim dos dentes. Tanto que foi um dos dias em que mais trabalhamos em nosso pequeno consultório, montado na sala de aula, durante toda a viagem.
No final do dia ainda haveria uma sessão de cinema. Levamos uma grande tela e um projetor especial que não perde em nada para muitos cinemas de algumas cidades. Este já estava sendo montado em frente à casinha simples do outro lado, ao ar livre.
Após atender a todos os alunos da sala, atendi o professor Fabiano, que mora na escola, em uma das 3 salas que existem ali. Ele só volta para Mateiros de quinze em quinze dias.
Perguntei a ele como era morar em uma região tão parada e longe de Mateiros – que já é uma cidade muito pequena.
- Ah, não é fácil, fico um pouco sozinho. Não tem muita coisa para fazer. Depois da aula eu estendo a rede, leio algum livro... – respondeu.
Não devia ser fácil mesmo. Ainda bem que encontramos pessoas como o Fabiano, que se desdobram e não medem sacrifícios para continuar levando a educação às nossas crianças. Mesmo que tenha que ensinar 3 séries ao mesmo tempo. Mesmo que tenha que abdicar de sua vida social a maior parte de seus dias. Tudo para tentar melhorar o futuro dessas crianças. Tudo pela educação.
Acabei de atendê-lo quando a noite estrelada do limpo céu do Galhão já ia avançando. Pela janela podia ver a tela montada brilhando e passando o desenho “Carros” para uma platéia pequena e atenta. Nenhum daqueles garotos, nem mesmo os adultos ali presentes, já tinham assistido a um cinema. Olhos bem abertos, sorrisos largos. Olhavam atentamente ao filme, do mesmo modo que nós olhávamos o céu no lual da noite anterior. Realmente tanto eles quanto nós havíamos visto ali uma maravilha pela primeira vez, e que, sem dúvida, estaria para o resto da vida gravada na memória de todos nós. Na deles um desenho colorido numa tela branca, na nossa pontos brilhantes numa tela negra.

9 comentários:

  1. Wolbindio, que experiências MAGNÍFICAS você vêm acumulando. Obrigado por dividi-las, e nos ajudar a enxergar o que existe do lado de lá da bolha em que vivemos.

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  2. É realmente de cortar e esbagaçar o coração de quem se depara com uma historia dessas.

    Isso mim faz pensar muito. Cabaceiras é uma cidade pequena e não muito desenvolvida mas, nos proporciona uma vida muito boa e agradável. Imagino como deve ser pra essas crianças que tem que se acordar de madrugada que sabe que vai ser mais um dia que infelismente podem ficar sem comida em casa, é difícil e eles não desistem! Enquanto isso outros (aqui mesmo, em cabaceiras) que tem uma boa educação, uma saúde de qualidade, um intreterimento na cidade reclamam tanto e acabam perdendo oportunidades.

    Pessoas que tem oportunidades na vida bem na sua frente e jogam fora, e outros como essas crianças correm atrás de uma vida melhor com condições precárias.

    Minha vontade maior não é ter um bom emprego, nem um carro do ano, nem ganhar 1000,00$ por més, é simplimente ajudar as pessoas. Eu tenho esse sonho, de mudar meu país, de chegar a pessoas assim e dizer: "Estou aqui, e vou ajudar a você". Seu trabalho mim facina, e mim faz acreditar a cada dia que é isto que eu quero pra mim. Investir na vida do proximo, é estar investindo no meu.

    Beijos!

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  3. Oi Joyce!!

    Como existem pessoas que tem toda oportunidade e não aproveitam, não é?

    Por isso, quando agimos com garra e vontade, já estamos na frente da maioria...

    Você nem imagina como eu fico feliz quando diz que é inspirada pelo nosso trabalho. Você sabe o quanto acreditamos e sonhamos com isso e com um país melhor. Saber que pessoas boas que nem você, são tocadas por essas atitudes, mostra que estamos no caminho certo.

    Boa sorte a todos nós!!

    Beijão, amiga! :)

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  4. Eu sei que sou "nova", e isso pode até mim inpedir de ir fazer o que eu desejo, o que eu sinto que é real mas mesmo assim eu sonho, porque mesmo com a idade que eu tenho o sonho vai mim possibilitar de realizar o que eu quero fazer, mesmo que não estaja acontecendo e que ninguém saiba, mas hoje é a forma que eu tenho de fazer isso.

    Bom vou ser sincera, antes do projeto eu não ligava muito em participar das coisas da escola, de mim envolver com projetos sociais, porque eu sempre achei que pelo fato de morar em uma cidade pequena não precisaria muito, mas depois do projeto eu conhece pessoas que acreditam que pode mudar e fazer a diferença e dizer: "Eu vim aqui, ajudar a vocês e não peso nada em troca", dispertou em mim um interesse maior de ajudar e se envolver com as pessoas e não temer esse mundão aí que esta bem na minha frente.
    As pessoas que passa por esse projeto tem no mínino muita força de vontade, e transmite pra pessoas sonhadoras como eu e pessoas como eu não registe a um sonho, principalmente quando eu sei que esse sonho eu vou realizar.

    Beijos!

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  5. E nnão deve deixar de sonhar nunca Joyce!! Nunca dê ouvidos a quem diga que seus sonhos são bobos, ou inúteis... Você deve saber que cada um de nós da equipe sonhamos muito, e só entramos nesse trabalho porque somos sonhadores.

    Primeiro, sonhamos com um Brasil melhor, entre tantos outros que nos "abduzem" para o sertão meses ao ano.

    E enho certeza absoluta que, mesmo nova, muito em brave, você estará sonhando ao nosso lado. Aí, então, se sentirá em casa. ;)

    Grade abraço!

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  6. Eu não deixo e nem vou deixar, o sonho é a única coisa que ninguém pode mim roubar nem mim impedir, e eles mim permitem ir aonde eu quizer. Embora que eu tenha que acordar eu sei que voltarei a sonhar!

    Sei que você, e tantos outros que fazem parte da equipe, sonham e fazem de tudo para realiza-los, é um exemplo que carrego comigo. Pode acreditar ;)

    Um abraço, Wolber.
    Beijos!

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  7. Que bom Joyce. Ficamos muito felizes com isso!!!

    Em breve você viajará conosco, aí os sonhos estarão lado a lado!

    Beijão, minha amiga!

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  8. Wolber,

    Em seu relato, vi a escola rual onde fui alfabetizada, alguns anos atrás, da mesma forma que você apresentou: uma professora só para, em meu caso, 4 turmas. Uma biblioteca minúscula, mas certamente mágica, pois ganhava o cenário de cada livro que ali eu lia e portanto se tornava vasta, do tamanho do mundo...

    Cresci sabendo que eu partiria do meio rural, estudaria, mas nunca esqueceria daquele pequeno espaço onde, ainda pequena, tornei-me grande. Amo os livros, as escolas, a educação.

    Felizmente, sempre tive alimento, ao contrário das crianças de seu relato. Triste realidade. Mas feliz, por outro lado, pois sua 'caravana do bem' passou por lá e deixou seu rastro de luz e de amor.

    De fato, pontos brilhantes em uma tela negra.

    A cada crônica, sou mais fã sua e de sua equipe de trabalho, parabéns!

    Abraço.

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  9. Olá, minha amiga Susy! Tudo bem?

    Que bacana saber mais da sua história e ver que também é uma vencedora! Como é mais saboroso ver que lá na frente conseguimos alcançar o sonho, mesmo tendo começado sem toda ajuda.

    Crescer em uma escolinha dessas, que podem ser lindas, mas que apresentam dificuldades para um ensino, e ainda assim ganhar gosto pela leitura, se tornar professora, é uma bela vitória!

    Temos uma amiga, que hoje trabalha no escritório do IBS ( a Régea, há algumas crônicas neste blog sobre ela) que tem uma história parecida com a sua, no interior do Maranhão.

    Isso é bonito em nosso Brasil, um país imenso, cheio de belezas, culturas variadas, mas histórias parecidas de superação e exemplos, seja no norte, nordeste ou no sul.

    Obrigado, Suzy!

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