segunda-feira, 24 de maio de 2010

Crônicas de um brasileiro, ex-soldado americano: O salto noturno (por Euller Fernandes / Wolber Campos)

Euller havia entrado "de cabeça" no exército americano. Realmente, o treino era forçado ao extremo, tanto fisicamente como psicologicamente. Várias vezes ouvia seus superiores falarem que "nenhum treinamento conseguiria reproduzir o terror de balas zunindo próximas ao seu ouvido, ou companheiros caindo feridos ao seu lado num campo de batalha".
Seu próximo exercício levaria isso ao extremo. "Se não chega próximo ao campo de batalha deve chegar bem perto", pensou.
Já havia saltado algumas vezes de paraquedas e, apesar de morrer de medo a cada novo salto, já sabia o que esperar. Mas o próximo pulo seria um desafio perigoso. Estavam sobrevoando o canal do Panamá, de madrugada, e o salto noturno deveria ocorrer em um mar infestado de tubarões. O risco seria menor se acertassem o alvo: um círculo formado por alguns navios norte-americanos, onde soldados estavam com suas armas apontadas para as águas, iluminada por holofotes, atirando ao primeiro sinal de tubarões. Se caíssem fora do círculo, londe da iluminação... Que Deus os protegessem.
"Espero que os pulos anteriores tenham servido para alguma coisa", pensou. Afinal de contas, pular de centenas de metros sobre o oceano escuro, com vento e guiar um paraquedas até um pequeno círculo num mar com tubarões não era das missões mais simples.
Como das outras vezes, "Blam!!", a porta se abriu e o conhecido barulho ensurdecedor voltou aos seus ouvidos, porém desta vez, não enxergava mais nada porta à fora. Apenas um breu total!
Os primeiros foram saltando. Estava tão preocupado que esqueceu de olhar para o rosto dos companheiros e ver se estavam apavorados também. Mas é claro que estavam. Tinha certeza que dessa vez sua cueca camuflada não escaparia ilesa...
"Be prepared! Gooooooo!!", só conseguiu escutar quando estava bem ao lado do capitão. Antes de saltar ainda teve tempo de olhar o mar escuro embaixo, tão escuro que se confundia com o céu da noite negra à sua frente. Ali, muito embaixo, observava um anel minúsculo luminoso, formado pelos navios de guerra dos Estados Unidos. Se conseguisse fixar a atenção nisso, até o acharia bonito. "É lá que tenho que acertar" e saltou.
O silêncio conhecido ressurgiu, mas a preocupação em acertar o tal círculo lá embaixo não deixou que a conhecida paz o acompanhasse.
Foi caindo, vagarosamente, guiando seu paraquedas sobre os navios, que ficavam cada vez mais próximos. Ia acompanhando seus companheiros que desciam sob e sobre ele.
O coração batia cada vez mais forte, estava se aproximando dos barcos e, maravilha!, bem no centro do círculo.
Caiu de uma vez dentro d´água, afundou um pouco e se livrou das amarras do paraquedas - havia um grande risco de se emaranhar nas cordas e se afogar. Mas ali o medo dos tubarões era maior e rapidamente subiu em um barco.
Tremia de emoção ao sair da água. Sentia euforia e até vontade de chorar por ter conseguido e olhando os companheiros, sentia essa mesma emoção em cada um deles.
Não errou o alvo e não havia sido comido por tubarões. Saía do teste mais forte, sentiu vontade de ter um bandeirinha do Brasil e correr em volta do navio. Pensou "não, vai que eles me empurrassem no mar de novo...".

2 comentários:

  1. Beautiful. Very creative. Definitely a nice read.

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  2. Muito obrigado, minha amiga!
    É um prazer tê-la aqui, vinda de tão longe.
    Grande abraço!

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