segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Essências

No Pará, recebemos a ajuda de George, um dentista que trabalha na cidade de Quatipuru, pela prefeitura e foi liberado para nos ajudar durante os três dias de trabalho que teríamos na escola local.
Muitas vezes recebemos o apoio das prefeituras, que nos ajudam com o auxílio de funcionários do posto de saúde e odontólogos (como os dentistas são conhecidos em muitas regiões do interior).
Desde o começo, George "arregaçou" as mangas e se mostrou muito disposto em ajudar no que fosse preciso.
- Infelizmente não trouxemos outra cadeira de dentista, George... - eu disse, imaginando que ele pudesse preferir auxiliar.
- Não precisa, atendo nas cadeiras da sala de aula mesmo. Já fiz muito isso na época da faculdade. - respondeu prontamente.
E foi assim, durante aqueles dias. Quando eu saía para dar palestras, ele assumia a cadeira portátil, mais confortável para se trabalhar, e quando voltava, fazia questão de continuar em suas desconfortáveis cadeiras comuns, numa humildade de coração comovedora.
Em outro estado, eu estava montando o equipamento quando adentrou a sala a secretária de saúde.
- Olha, trouxemos pra você o dentista da cidade e duas auxiliares.
"Nossa, desse jeito fico mal acostumado", pensei, ainda lembrando da ajuda do amigo paraense.
Acabei a montagem, fomos para as apresentações das crianças, palavras do prefeito, da diretora da escola, do Luis, presidente do Instituto, e fomos para a sala. O dentista estava esperando.
- Olha, trouxemos outra cadeira de dentista, se quiser podemos montá-la agora, pra você começar a ajudar nos atendimentos. - eu disse. George tinha, realmente, nos deixado mal acostumados...
Argumentou que preferia olhar primeiro, ver nosso estilo de trabalho e depois atenderia com o maior prazer.
Atendi duas crianças, uma auxiliar ajudou com os materiais, outra com as fichas e a fila e o dentista observou tudo. Quando ia chamar a terceira, observei os três arrumando suas coisas e se preparando para sair.
- Wolber, Hoje temos que sair cedo, mas amanhã viremos passar o dia inteiro com vocês, viu? Parabéns pelo lindo trabalho que vocês fazem! - disse e saíram.
Curiosamente a secretária de saúde já havia saído cinco minutos antes.
Nos dias seguintes a cena se repetiu. O dentista, no último dia, foi sincero. Assumiu que estava ali para não receber falta e o lado bom de "trabalhar" no feriado - aquela quinta era feriado - era que poderia tirar a sexta de folga.
A profissão era a mesma, a habilidade, talvez, também fosse, mas havia um abismo gigantesco que separava aqueles dois dentistas de cidades diferentes. A essência. Algo interior, primordial no ser humano e que define uma série de outros comportamentos que temos, como caráter, bondade, vontade.
George me enviou um e-mail, dias depois que voltei para São Paulo:

"(...)Durante a viagem de volta para Belém vim refletindo sobre os 2 dias de muito trabalho que tivemos (minha coluna ainda dói) e sobre vocês do Instituto. Como é bom saber que em um país de desigualdades, egoísmo e desamor ao próximo, como o nosso, ainda existem pessoas como vocês que vem de longe, deixam seus trabalhos e o conforto de suas casas para ajudar pessoas necessitadas, essas desconhecidas, e tudo isso em troca de um sorriso, um abraço ou um obrigado que tenho certeza que vale muito mais do que qualquer dinheiro.
(...) Eu sei que vocês plantaram a semente em Quatipuru e tenham a certeza que do que depender de mim vai continuar, vou cobrar e fazer acontecer o que vocês deixaram para aquela população que tanto precisa."

Ler o e-mail fez tudo valer à pena.

15 comentários:

  1. Que bonito Wolber!!
    Interessante, ver como o George foi humilde e prestativo!!!

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  2. Olá Van! Tudo bem?

    Isso é exemplo. Algo que tdos, sem excessão, devemos procurar seguir.

    Obrigado pela visita!

    Beijo!

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  3. Geroge deu um lindo exemplo, como você, que ao compartilhar suas histórias nos presenteia com um montão de esperança. Ótima mensagem de natal!

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  4. Interessante observar a diferença de comportamento de um e de outro dentista...
    Talvez haja no dia-a-dia do segundo alguma explicação para o desinteresse...
    Mas, sem dúvida, o primeiro (George) parece enfrentar condições piores e assim mesmo (talvez até por isto) é mais voluntarioso. Ponto para ele!
    Notei que no outro evento, você não citou nem os nomes nem o local!
    Ou seja: "se não temos nada de bom a falar de alguém, é melhor nem nomina-lo"...Fica apenas o fato, como exemplo a não ser seguido...
    Mais uma enriquecedora aventura!
    Bom trabalho, Wolber!

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  5. Olá amigo (a)!!

    Muito obrigado! Não tinha pensado que este texto poderia ser lido como uma mensagem de natal, mas fico feliz que alguém possa tê-lo recebido assim. :)

    Um ótimo Natal pra você e pra família!

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  6. Grande Leonel! Como vai, meu amigo?

    Sabe que eu sou até um pouco mais duro quando falo do segundo? Eu já acho que a explicação é a essência mesmo. Do George era boa, do segundo, ainda em evolução.

    Digo isso porque tenho outros detalhes por estar na situação: a pessoa transparecia tranquilidade, alegria, se divertia no local... Coisas que alguém que não seja voluntarioso, não consegue transmitir se algo vai mal em sua vida.

    Você é muitoobservador, meu amigo, e comentou o que nem eu tinha pensado quando escrevi: "se não há nada de bom para dizer de alguém, fique calado".

    O comportamento descrito deve ser sempre para aprender, não para criticar. Apesar de, às vezes, termos que fazer força para isso... rs

    Um abraço, Leonel!

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  7. Isso acontece em todas as esferas, Walber. As pessoas computam cada minuto dedicados ao seu trabalho, contabilizando os centavos que recebem e se percebem que gastaram um segundo a mais, pronto, arrumam suas coisas e se vão.

    Esse moço e as assistentes certamente devem ter comentado o quando vocês são 'tolos' em desperdiçarem tempo trabalhando de graça pros outros. A responsabilidade é do estado, devem ter dito, se eles não fazem, porque eu devo?

    Ainda bem que haverão Georges, Walbers e outros seres de almas iluminadas a nos mostrarem que a humanidade pode sim caminhar diferente.

    Beijos, querido.

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  8. Haha, pior é que é provável que tenham comentado isso mesmo.

    Milene, com certeza o dever é do Estado. Mas na falta dele é possível fazer o que se pode.

    Muito obrigado pelas palavras, minha amiga!!

    Beijo!!

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  9. Oi Wolber, desejo a ti, teus familiares e todos os visitantees do teu blog um Feliz Natal. Aproveito para informar que dia 02 de janeiro estreia Urbanascidades 2012, igual mas...diferente.
    Paulo Bettanin.

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  10. Wolber, desejo a ti, teus familiares e todos os visitantes do teu blog um Feliz Natal. Aproveito para informar que dia 02 de janeiro estreia Urbanascidades 2012, igual mas...diferente.
    Paulo Bettanin.

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  11. Quando a solidariedade,a humildade fazem parceira em torno de um ser humano,ele,consequentemente,torna-se ideal. É o que se observa no texto,quando carrega características extremamente reais e transparentes do George. É muito gratificante saber e descobrir pessoas com estes valores num mundo insensível e desumano .

    Amigo Wolber,

    Estamos aguardando sua visita com muita ansiedade. A luta continua e o tempo não pára.


    Abraços,


    Luciano Guimarães...

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  12. Obrigado, meu amigo das Urbanas Cidades!!

    Desejo a você tudo em dobro, com um 2012 maravilhoso à vista!

    Um grande abraço! :)

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  13. Olá Luciano! Tudo bem, meu amigo?

    Estamos ansiosos para voltar, mesmo que rapidamente, a essa maravilhosa terra da Paraíba.

    Cabaceiras mora em nosso coração e janeiro está chegando!

    Nos vemos aí, meu irmãozinho!

    Grande abraço e um ótimo fim de ano para você!!

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  14. Olá Wolber, como você está meu amigo?
    Lendo esse texto mim fez pensar como algumas pessoas são mesquinhas e sem amor ao próximo! São desumanos! O que sinto por pessoas assim é pena...
    Mas, felizmente, existe pessoas como vocês do IBS, que não medem a distância, nem a dificuldade que vem pela frente e vai aos pontos mais extremos do nosso país pra ajudar ao próximo, e você sabe que eu tenho uma admiração enorme por vocês e agradeço muito pela honra de conhece-los!

    Beijos, meu amigo!

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  15. Joyce, minha amiga,

    Sabe que isso é uma das coisas que mais me deixam chateados hoje em dia. Nós vivemos em um mundo que muitas pessoas são egoístas. E egoísmo, pra mim, é o maior mal que atinge a humanidade hoje na Terra.

    É por egoísmo, que um político desvia dinheiro público, pensando no seu bem e no de poucos parentes e prejudicando milhões (milhões!!!) de pessoas. O egoísmo faz uma pessoa dar fechada em outra no trânsito, furar filas, assaltar outros.

    E é isso mesmo, até assltar, a violência, tem sua raiz no egoísmo. Não me venham com aquela velha história da sociedade que não dá chance, a dificuldade que lançou a pessoa para o roubo. Acredito que seja irrisória a quantidade de bandidos que estão passando fome e se lançam na vida bandida.

    Nas favela mais miseráveis vemos pessoas que escolheram o caminho que parece mais difícil, mas pegam ônibus lotado, ganham pouco, mas vivem honestamente.

    Mas não desanimemos Joyce, mjito pelo contrário. É num mundo de tantas vicissitudes que pessoas com vontade de ajudar e melhorar possuem mais chance de evoluir e ajudar os outros nesse caminho.

    Vambora!! :D

    Beijo grande!

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