segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Luan

 O sol brilhante de Cabaceiras, na Paraíba, ardia lá fora. Luan arrumava os últimos detalhes para o projeto social que faria em sua comunidade.

25 anos e já organizara muitos deles, desde ação com profissionais diversos em regiões carentes, campeonatos de futebol a cursos de fotografia.

Enquanto separava os materiais sua mente foi longe, entre projetos realizados e o primeiro encontro com o mundo social, pousando no garoto que era e decidiu deixar para trás.

13 anos e era considerado um dos alunos mais bagunceiros da escola. Uma época em que ser reconhecido, mesmo que por motivos duvidosos, já trazia orgulho. Na fase inicial de formação do caráter há grande perigo nessa equação.

Uma vez um médico lhe disse que os primeiros meses de uma gestação são muito importantes, pois no começo o feto é apenas um aglomerado de poucas células e um erro nesta fase provoca distorções enormes no futuro indivíduo.

"Foi na hora exata que eles chegaram!", pensou.

Seu mundo interno travava uma árdua batalha. De um lado uma grande timidez, de outro uma energia latente que procurava gritar aos quatro cantos a revolta que não mais se contentava em permanecer ali dentro. Para a tristeza dos educadores da escola este último lado vinha vencendo as recentes batalhas.

Quando soube do projeto que sua escola receberia ficou feliz por não ter aula, depois pensou nas bagunças que protagonizaria. 

Porém, no primeiro momento que os viu, algo o tocou de uma maneira diferente. Aquelas pessoas agiam de uma forma que o desconcertou. Nos primeiros instantes seu lado tímido ganhou uma maturidade que nunca havia sentido, como se assumisse uma autoridade ímpar e apaziguasse toda turbulência que sentia dentro de si desde os tempos mais longínquos de sua memória.

"Se puderem dar uma olhada no Luan, agradeceríamos muito. Ele é um dos alunos mais bagunceiros da escola, mas um bom menino. Não ter um dente da frente não é fácil nessa idade...", disse a diretora a um dos profissionais da equipe.

Vanderson, além de dentista, era também protético e procurava restaurar justamente casos como aquele.

Enquanto se divertia em cada oficina que conseguia participar, aguardava com uma ansiedade ímpar sua prótese ficar pronta.

"Vamos ver como ficou?", disse o novo amigo, colocando novamente harmonia em seu sorriso.

Lembrava como se tivesse sido há uma semana. Lágrimas escorregaram pelos seus olhos, e por um instante parou de guardar os últimos itens do projeto que faria naquela manhã.

Sorriu. Um sorriso completo. Mais importante do que em número: completo em alma.

Pensou se o gatilho para ser o homem de bem que é hoje seria ter recebido novamente o dente que lhe faltava; o curso de fotografia e rádio que havia feito; o exemplo daquelas pessoas que deixavam suas casas a milhares de quilômetros para se doarem em outro estado...

Parou de procurar a resposta. Sabia que não a encontraria e naquele momento não podia perder tempo. Tinha algo muito importante a fazer.



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