quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O inferno

Durante séculos a humanidade vive com suas alegorias de céu e inferno que povoam a cabeça de milhões de pessoas e ainda tira o sono de muitos pecadores (não em Brasília, é claro).
Eu cresci, como muitas crianças, com a idéia de que embaixo da terra existia um inferno, com seres do mal que procurariam prejudicar e atrapalhar a vida dos pobres mortais aqui em cima.
Hoje, muitos anos depois, chego à triste conclusão de que, pelo menos para mim, isso se tornou uma realidade.
Moro em um prédio, num apartamento do segundo andar. Porém ali, sob meus pés, está a personificação do mal, das agruras e sofrimentos, dos tormentos e dos desejos malévolos: a vizinha do primeiro andar.
Foram mais de 22 anos morando no mesmo local, um bom lugar, vivendo em paz e harmonia com todos os vizinhos. A três anos atrás morava um casal de velhinhos, muito bonzinhos e que nos conheciam desde crianças e sempre nos cumprimentavam com sorrisos. Mesmo quando eu e meus dois irmãos na loucura infantil de gastar as energias jogávamos bola no apartamento e comemorávamos gols como se fossem a final do campeonato brasileiro.
Há dois anos (pouco tempo depois do simpático casal se mudar) passou a viver ali uma família - um casal e uma filha de seus 18 ou 19 anos. A partir daí passei a ver aquela alegoria que estava escondida nas profundezas de meu cérebro surgir como se sempre estivesse ali, pronta para saltar diante dos meus olhos.
Desde os primeiros dias a vizinha de baixo - como a chamamos - tem como principal passatempo reclamar em nossa porta - ou pelo interfone, ou pelo telefone, ao porteiro, enfim, em qualquer veículo que se faça ouvir. O menor barulho, em qualquer horário é motivo para reclamações, ofensas verbais e ultimamente, na compania do "time completo" - marido e filha - até ameaças de agressões.
Sei que muitos podem defender seu próprio lado e colocar-se no papel de vítima, mas não é esse o caso.
Eu e minha namorada acordamos as 6:15h, tomamos banho, nos arrumamos e só na hora de sair ela coloca o salto alto para não haver qualquer reclamação - em torno das 7:15h. No dia seguintes há recados para minha mãe do tipo: "Não aguento mais a sua nora, que acorda e faz barulhos sapateando com seu salto e derrubando coisas que parecem que o teto cairá sobre a minha cabeça desde as 5:00h da manhã!!". Numa criatividade que daria inveja a Lucifer.
A imagino parada, sentada em sua sala, sem fazer nada, apenas de ouvidos atentos ao menor barulho, como se sua felicidade estivesse em pegar o interfone e discutir um pouco com alguém. Quem nunca viu alguém que discute em qualquer lugar: na padaria, na fila do banco, com a caixa do supermercado?
Num dos últimos bate-boca (aliás nem sei se o termo seria correto, pois as únicas bocas que funcionavam gritando eram a deles...) em nossa porta o marido ameaçou que nós iríamos nos "arrepender profundamente" caso o inferno de barulho não acabasse. Pensei: "será que ele não vê que o inferno fica ali embaixo, em sua própria casa?". Mas seria inútil falar, até porque eles nunca ouvem o que tentamos dizer.
Meus sobrinhos - um de 6 e outra de 4 anos - quando vão em casa para brincar sempre ouvem quando fazem barulho: "cuidado com a mulher de baixo", a versão mais atual do "bicho papão" ou do "homem do saco".
Muita gente tem a sua "vizinha de baixo", que pode ser a de cima, do lado, ou mesmo nem ser vizinha. E me pergunto o que faz essas pessoas viverem seu inferno astral. A histório do inferno está em nós mesmo é real, cabe a nós deixá-lo escondido e inacessível ou vivermos dentro dele.

6 comentários:

  1. Que sonho hein? Ilariê e sua turma logo a dois pisos abaixo de você?! Eu tive uma vizinha assim, era uma merda, mas sabe do que, é bem o que você falou: eles vivem num inferno dentro deles. Há um ditado que diz que quem não tem prazer o suficiente se torna um estraga prazeres. Do lado do meu prédio havia um terreno enorme que era um estacionamento, tinha dois Ipês Roxos que no inverno floriam, era lindo de ver. Venderam o terreno para uma construtora e agora está saindo um outro prédio com duas torres. Todo o dia começa o barulho por volta das 7:00 da manhã, literalmente na minha orelha. Ah, e bye bye Ipês. O que fazer com esse sentimento de raiva, que é evidente? Cada um pode achar um jeito de lidar com isso. Esconder é impossível, ele esta aí. Descontar nas outras pessoas é pior ainda. Situações e pessoas vão despertar raiva, alegria, inveja, tristeza em cada um de nós, mas tudo isso já estava dentro de você, em estado latente. Trabalhar todos esses sentimentos através de filosofias, exercícios, religiões ou seja lá o que for é uma opção pessoal, mas para que haja paz lá fora tem que haver paz dentro de nós. Esses indivíduos devem estar se sentindo tão vazios de qualquer coisa que não seja a nossa vazia sociedade de consumo que canalizam toda essa energia descontando em pessoas, ou coisas e etc. Mas cria-se aí um ciclo vicioso, como uma droga mesmo, por que toda vez que esse vizinho desconta a raiva em você ele relaxa por alguns minutos e depois tudo isso volta de uma forma pior ainda. Enquanto o cara não se tocar disso ele vai seguir infeliz, e viciado para o resto da vida. Acho que pra você eu só consigo ver três opções (aliás vou cobrar uma pequena taxa por essa consultoria com um ser tão iluminado como eu, huahuahua): querer que o cara encontre algo que o deixe mais calmo: um esporte, uma filosofia, ou, dependendo do caso, até mesmo um bofe; rezar pro cara se mudar e enquanto isso exercitar o duro ofício da paciência; ou se mudar logo. Um abraço, to com saudade de você cara, desculpe o longo texto.

    João Victor.

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  2. Haha, grande Johnny! Tudo bem irmãozinho??
    Caramba cara, você escreveu esse texto com um incenso aceso ao seu lado e em posição de lótus, não é??
    Concordo com tudo o que você disse e pode ficar tranquilo: estou exercitando minha paciência até me mudar (e como nem sempre somos tão evoluídos como sonharíamos estou fazendo pensamento positivo pra que eles se mudem antes... rs)
    Grande abraço!

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  3. KKKKKKKKK, parece muito com meu caso também!
    Eu tenho um visinho, que as 03h da manhã ele tá fazendo zuada se balançando na rede, batendo as panelas em fim... O que ele mais faz é zuada!

    Um dia desses, eu trouxe a minha cachorra pra cá e tavam fazendo muito zuada na rua, pois era na eleição. Ela não costuma latir, mas por causa dos fogos de artifícios ela latiu um pouco e parou. Ele escultou o latido e pegou um balde de água e jogou em cima da cachorra, era noite e estava fazendo frio. Nós nunca reclama-mos da zuada que ele faz de madrugada, foi uma falta de respeito e uma injustiça com a cachorra.

    Não é porque ela deu um latido que ele teria o direito de fazer isto, nos nunca fizemos nada com ele. Mas enfim, a quem se faz a quem se paga! Este ditado ainda ira cair como uma luva pra ele.

    Grande beijo, meu amigo!
    Saudades :)

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  4. Hahahaha! Que fogo, hein Joyce?

    Geralmente é assim. Esses intolerantes são os piores. Pessoas que vivem em uma realidade diferente, como se tudo girasse em torno deles.

    Uma pena. Temos que aprender a conviver com esse tipo de gente, pisando em ovos, pois geralmente são "barraqueiros". O que em uma cidade grande, acaba virando caso de brigas de trânsito que geram mortes.

    É tentar na diplomacia. Sabe que depois de tantos escândalos, sempre recebemos as reclamações infundadas com educação.

    Quando os encontrava pelo corredor cumprimentava com um bom dia sincero, sem provocações, e isso foi "quebrando as pernas" deles.

    Hoje mal reclamam, e quando nos encontram na portaria até perguntam se estamos bem.

    Não é regra, mas lá em casa deu certo...

    Beijo!

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  5. KKKKK - Eu ri muito lendo este texto... mas você tem razão, somos seres adaptavéis e temos que nos adaptar a qualquer situação, não é verdade?

    Beijos!

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  6. É Joyce, temos que dançar conforme a música... rss

    Beijão minha amiga!

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