sexta-feira, 7 de maio de 2010

Juvenal

Nos encontramos em um mundo tão louco, tanta esperteza, maldade, stress, interesses, que é comum nos perguntarmos se sempre vale a pena ser bom. Tenho uma comunidade no Orkut que se chama "bonzinho só se fóde!". Não que seja um cara bonzinho, mas em muitas situações que procurei ser já "levei na cabeça".
Juvenal sim, é uma dessas pessoas boas de coração. Seu olhar revela isso a todo instante. Fala mansa, carinhoso com todos, é daquelas pessoas que temos certeza de que não faria mal a ninguém. Tem 62 anos, mas aparenta 50, o que contrasta com a vida difícil e sofrida que tem.
Trabalhou 18 anos em uma clínica psiquiátrica, daquelas que tratam tanto de pessoas com problemas mentais como alcólatras e dependentes químicos. Entrou como ajudante de enfermagem e, competente, foi subindo até se tornar supervisor da área. Só estava abaixo da enfermeira chefe. Todos o adoravam, inclusive os pacientes.
- Eu gostava tanto de lá, tratava todos os pacientes com o maior carinho. Era até curioso, quando um ganhava alta eu ficava feliz porque ele estava curado e, ao mesmo tempo, triste porque estava saindo um amigo. - diz saudoso.
Juntou dinheiro durante todo esse tempo de trabalho e realizou um sonho: dar uma casa de presente à mãe. Comprou móveis, televisão, aparelhos de cozinha, tudo o que pôde.
- Mas cometi um erro. Coloquei a casa no nome da minha mãezinha. Eu nunca esperava que ela fosse morrer antes de mim. Quando ela morreu, meus irmãos vieram pra cima com tudo.
Juvenal tem um irmão na prisão e uma irmã que é envolvida com traficantes da região e tornou sua vida um martírio.
- Um dia cheguei em casa e ela tinha sumido com tudo: televisão, sofá, armário, todos eletrodomésticos... Deu tudo para "os nóia". Sobraram só os carnês das Casas Bahia pra eu pagar.
Após uma reformulação na clínica, Juvenal acabou perdendo o emprego. Com certa idade, não conseguiu mais voltar ao mercado de trabalho e, desempregado, teve que encontrar uma maneira de se sustentar - e aos sobrinhos, que sempre ajudou. Passou a vender dvds piratas.
- Não ganho muito, mas consigo pagar minhas continhas e ainda ajudar meus sobrinhos e os filhos deles.
Mas a irmã não o deixava em paz, querendo expulsá-lo da casa, que dizia ter direito de morar também. Um dia colocou soda cáustica na garrafa de água que ele bebia, o que provocou grande hemorragia e não o matou por muito pouco.
Essas semanas Juvenal não apareceu em meu consultório. Retornou ontem, com o dinheiro do tratamento de aparelho de seu sobrinho-neto. Me pediu mil desculpas, mas teve mais um recente problema com a irmã.
- Saí de casa para levar o Paulinho no médico e ela quebrou a janela, entrou em casa e levou tudo doutor, minha sacola com 2500 dvds e 400 reais em dinheiro. Até minhas roupas ela jogou no quintal e passou no xixi do cachorro.
A irmã deu os dvds para seu concorrente, que tenta, a todo custo, ficar em seu ponto.
- Mas eu falei "tudo bem, o diabo toma, Deus dá!". Comprei mais 600 reais, fiado, em dvds e voltei a vender. Não é que ela ligou para a polícia, disse que eu tinha roubado os filmes do meu concorrente e estava vendendo ali?!
A polícia tomou os filmes de Juvenal e os entregou ao mesmo cúmplice da irmã.
Ele não desiste. Com o mesmo olhar bondoso vai levando a vida. Não espera muita coisa, só quer ganhar seus trocadinhos para viver em paz e ajudar os sobrinhos. Faz isso tudo por eles.
Então, ser bonzinho vale a pena?
Vale, sempre vale. Juvenal nunca duvidou disso e poderá ter o orgulho de dizer, na hora em que deixar essa vida, que foi um homem de bem, independente de todas as dificuldades que passou.

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