segunda-feira, 19 de julho de 2010

Hospitalidade sertaneja

- Vocês podem pousar lá em casa essa noite!
Assim nos disse seu Nilo, um sertanejo típico, desses que usam a camisa de botões aberta, uma calça surrada e saudável que só. Não aparenta, nem de longe, a idade que tem. Apesar de ter seus setenta anos, passa facilmente por cinquenta e poucos.
Estávamos em São Raimundo Nonato, cidade do sul do Piauí, que abriga a famosa Serra da Capivara. Um lugar "mágico", patrimônio da humanidade e que exibe um conjunto fantástico de pinturas rupestres, espalhadas por seus ancestrais paredões, nítidas, como se estivessem sido pintadas há poucos anos atrás.
O hotel em que estávamos hospedados, ficava a alguns quilômetros da escola de zona rural em que trabalhamos. O bairro Pé do Morro. Ainda hoje temos amigos que nos consideram (e são considerados) da família por lá. Quando os moradores nos ofereceram suas casas para uma boa noite de sono, ficamos felizes.
Seu Nilo levou-nos - eu, Luis e Ana Elisa - para o interior de sua casa. Entramos por uma pequena porta e passamos uma sala com duas cadeiras de balanço - feitas com tiras de plástico - e um pequeno corredor, onde haviam duas entradas, uma a sala de televisão, onde uma simpática senhora, que a assistia, nos cumprimentou, e a outra seria meu quarto e do Luis.
- Vocês não "arreparem" não, a casa é de pobre. - nos pediu humildemente seu Nilo.
Dissemos que, muito pelo contrário, a casa estava linda e agradecíamos a hospitalidade. Afastamos a cortina, que funcionava como a porta, e entramos no quarto, muito limpo e bem arrumado.
"Seu Nilo preocupado em ser um quarto simples e está mil vezes mais arrumado do que o meu!", pensei.
- Vocês querem banhar? Eu busco água "proceis". - nos disse -. Só que a água tá em falta, eu pego do poço, mas é um pouco "salobra*"...
- Não tem problema nenhum, seu Nilo. - respondemos, loucos por um banho. O calor do Piauí estava violentíssimo e nosso estado fazia frente a ele.
Fui o primeiro, enquanto pendurava minha toalha no banheiro, vi seu Nilo chegando com um enorme balde de água e um pote de plástico. Na outra mão uma toalha, caso eu precisasse. Tomaria um bom banho de cumbuca, comum em muitas casas pelo sertão.
Agradeci ao nosso anfitrião, coloquei o balde no chão e vi. Não pude acreditar e comecei a dar risada sozinho. No balde, repleto de água, nadavam três peixinhos, bem pequenos. Estavam ali, traquilos, na água em que eu tomaria banho. Quando olhei o vaso sanitário, que estava ao lado, comprovei: Haviam mais dois nadando ali dentro, com a calma de quem nem imagina onde está. "Ignorance is bliss"
Tomei meu banho, sempre com muito cuidado para não pegar um peixinho na ex-caneca de leite que usava para me banhar. "Com meus cabelos enrolados, se cai um peixinho aqui só vou encontrar o fóssil décadas depois!", pensei rindo.
Acabei o banho, renovado, limpo, e saí com a toalha nas costas sorrindo como quem saiu de uma ducha relaxante de um hotel de luxo. Mas não era. Era um banho muito, mas muito mais gostoso.

*Salobra: modo como o povo sertanejo chama a água, um pouco salgada, dos poços ou lençóis freáticos

16 comentários:

  1. Eu adorei.Bravo!
    Tenho que aplaudir... Continue escrevendo.
    Abraço

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  2. Olá Angélica!
    Muito obrigado pelas palavras.
    Fico feliz pela visita. Volte sempre... rs

    Grande abraço!

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  3. Olá Wolber!
    Mais um bonito post, falando da hospitalidade,das pessoas mais antigas, e vivendo em terras mais pequeninas,tal foi essa maravilha tomar banho de água com peixinhos e tudo, isso nem num hotel de cinco estrelas, e se quisesse água com peixinhos teria que pagar bem caro.
    Água salobra aqui também se diz assim.

    um grande abraço,
    José.

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  4. Wolber, você está se especializando nesta arte de escrever ... parabéns pela sensibilidade. Beijão, Lu

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  5. Oi Querido Amigo, antes de mais nada queria dizer que fechei meu blog por um tempo; tempo suficiente para que uma pessoa possa se encontrar na vida e deixar de viver à margem, à sombra e com isso criar ilusões a si mesma. Tão bom ser feliz e ser feliz com nossa identidade!

    Seu texto diz isso: ser feliz com o que se tem e o que se tem é tudo que precisamos para ser feliz.
    Quantas vezes uma rede é bem mais do que uma noite no Hotel Sheraton?
    Acolhimento depende da alma, do abrir a casa e dizer: vem amigo, o que eu tenho pode também lhe fazer feliz.....rs

    Acho que esse banho, entre tantos que vc possa ter tomado em duchas e banheiras maravilhosas, jamais será esquecido.
    Era mais que lavar o corpo. Era se sentir bem vindo, né?

    Estou indo viajar por um tempo...'viajar é preciso".....rs

    Quando voltar, venho ver as novidades.

    Beijo pra vc e família toda.

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  6. Grande José!!
    É isso, meu amigo. Há lgares que cobram por cada sorriso que um atendente lhe dá (como se sorrir gratuitamente fosse bobagem).
    E nosso mundo anda tão louco que muitos gastam muito dinheiro por causa da marca e nem pensam que há tanta coisa melhor na simplicidade.

    Grande abraço!

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  7. Olá Lu, minha cunhadinha!
    Muito obrigado! Fico muito feliz que entre sempre neste blog. Maior prazer! ;)

    Beijão!

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  8. Olá Cris!
    Que bom que vai viajar! É preciso, sempre. Espero que encontre a paz que procura. Pena só o blog dar uma respirada, mas se é para virem textos inspirados mais para frente, um ótimo descanso.
    Você disse muito bem. Meu irmão sempre fala que "há pessoas infelizes, porque muitos colocam a felicidade no próximo passo". E assim vai, sempre que conseguem um objetivo, já há outro para atingir a felicidade.
    Isso aprendemos muito no sertão: muitos podem possuir muito pouco, mas são completamente felizes, e agradecidos, com o que tem.

    Grande abraço!

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  9. "Com meus cabelos enrolados, se cai um peixinho aqui só vou encontrar o fóssil décadas depois!", pensei rindo.

    Que bonita essa experiência e que belo esse seu senso de humor.

    Obrigada por dividi-los com a gente dessa forma.

    Beijo!

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  10. Olá, amiga policial! (ou da polícia... não sei como uma "policial" prefere ser chamada)
    Escrever essas histórias é um prazer tão grande, que você nem imagina. São fatos muito marcantes, que tocam a mim e a muitos amigos que estavam presentes. É como se estivesse revivendo-os novamente. Fico felicíssimo que possa trazer algo a vocês também. É uma grande honra!
    Muito obrigado pelo elogio.

    Um grande abraço!

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  11. Quantos acontecimentos diferentes podem acontecer numa viagem como essa. Mais uma vez, vejo um texto que esculpe a pessoa que conheço.

    Parabéns, Dr. Escritor!

    Abx!
    Carlos

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  12. Grande Carlos!
    Que bom que curtiu o texto. Você que já foi para o interior do Maranhão, levar próteses para muita gente, viu coisas semelhantes.
    É um prazer ter você no blog e no consultório!

    Grande abraço!

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  13. Worber,
    Que lindo texto!!!
    Como é bom o verdadeiro encontro humano!!!
    Parabéns!!!
    Obrigada pelo seu comentário, no meu blog.
    Tenho um novo post, se quiser , dê uma olhada...
    Continuo te seguindo pra sempre...!
    Bjs e uma boa semana!
    NÁDIA

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  14. Franceis,acho q ja vi fosseis nesses cabelos... hehehe
    Parabens pelos textos, esta melhor a cada um q escreve.
    Abraço
    Michas

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  15. Graaande da França!
    Bom, sendo meu irmão, e tendo cabelos parecidos, agora entendo porque você raspa a cabeça...
    Valeu pela visita e palavras, maninho!

    Abração!

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  16. OLá Nádia! Tudo bem?
    Que prazer recebê-la novamente aqui no blog.
    Fico feliz que tenha gostado do texto! Entrarei em seu blog, com certeza!

    Grande abraço!

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